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100 segundos para o apocalipse: como ler o Relógio do Juízo Final:event bet
Mas nunca havia passado pela minha cabeça que, algum dia, eu poderia estar trabalhando com a mesma questão, como pesquisador do Centroevent betEstudos dos Riscos Existenciais da Universidadeevent betCambridge, no Reino Unido. É uma história impressionante e, por muitos anos, eu pensei que o Relógio do Juízo Final significava que seus ponteiros representassem o tempo que nós temos até o fim.
Mas não é exatamente isso.
Há 75 anos, os cientistas responsáveis pelo Relógio do Juízo Final publicam, no Bulletin of the Atomic Scientists ("Boletim dos Cientistas Atômicos",event bettradução livre),event betconclusão anualevent betquanto tempo falta para que os ponteiros do Relógio do Juízo Final indiquem meia-noite.
Todos os anos, o anúncio destaca a complexa teiaevent betriscos catastróficos enfrentados pela humanidade, incluindo armasevent betdestruiçãoevent betmassa, colapsos ambientais e tecnologias problemáticas.
E,event bet2020, a presidente do Boletim, Rachel Bronson, anunciou solenemente que os ponteiros do Relógio haviam se movido para mais perto do apocalipse do que nunca - apenas 100 segundos, posição que foi mantida desde então.
Mas, para compreender o que isso realmente significa, é preciso entender a história do Relógio, quais as suas origens, como interpretá-lo e o que ele diz sobre a crise existencial da humanidade.
A criação do Relógio
A velocidade e a violência da evolução da tecnologia nuclear foramevent bettirar o fôlego, mesmo para as pessoas envolvidas no seu desenvolvimento.
Em 1939, os renomados cientistas Albert Einstein e Leo Szilard escreveram para o presidente dos Estados Unidos sobre uma descoberta muito poderosa na área da tecnologia nuclear, que poderia ter consequências bélicas tremendas: uma única bomba nuclear "transportadaevent betnavio e detonadaevent betum porto poderia muito bem destruir todo o porto". Era uma possibilidade muito significativa que não poderia ser ignorada.
Essa carta levou à criaçãoevent betum enorme projetoevent betcolaboração científica, militar e industrial - o Projeto Manhattan - que,event betapenas seis meses, produziu uma bomba muito mais poderosa que a imaginada por Einstein e Szilard, capazevent betdestruir uma cidade inteira eevent betpopulação. E, poucos anos mais tarde, os arsenais nucleares já eram capazesevent betdestruir toda a civilização como a conhecemos.
A primeira preocupação científicaevent betque as armas nucleares poderiam ter o potencialevent betpôr fim à humanidade veio dos cientistas envolvidos nos primeiros testes nucleares. Sua preocupação era que as novas armas pudessem acidentalmente incendiar a atmosfera da Terra. Essas preocupações foram rapidamente desmentidas e, felizmente para todos os envolvidos, comprovou-se que eram falsas.
Mesmo assim, muitas pessoas que trabalharam para o Projeto Manhattan continuaram a ter fortes reservas sobre o poder das armas que ajudaram a produzir.
Depois da primeira tentativa bem sucedidaevent betdividir o átomo na Universidadeevent betChicago, nos Estados Unidos,event bet1942, confirmando seu potencialevent betliberar energia, a equipeevent betcientistas que trabalhava no Projeto Manhattan se dispersou. Muitos deles mudaram-se para Los Alamos e para outros laboratórios do governo, a fimevent betdesenvolver armas nucleares. Outros permaneceramevent betChicago conduzindo suas próprias pesquisas.
Muitos desses cientistas haviam emigrado para os Estados Unidos e conheciam muito bem a conexão entre a ciência e a política. Eles começaram a organizar ativamente uma tentativaevent betgarantir um futuro seguro para a tecnologia nuclear.
Eles ajudaram, por exemplo, a fazer avançar o Relatório Franckevent betjunhoevent bet1945, que previa uma corridaevent betarmas nucleares cara e perigosa, e apresentaram argumentos contra um ataque nuclearevent betsurpresa ao Japão. Naturalmente, suas recomendações não foram aceitas na época pelas pessoas responsáveis pela tomadaevent betdecisões.
Esse grupo criou o Boletim dos Cientistas Atômicosevent betChicago eevent betprimeira edição foi publicada apenas quatro meses após o ataque com bombas atômicas a Hiroshima e Nagasaki, no Japão. Com o apoio do reitor da Universidadeevent betChicago eevent betcolaboração com colegas especialistasevent betlegislação internacional, ciência política e outros campos correlatos, eles ajudaram a criar e apoiar um movimento globalevent betcientistas e cidadãos, capazevent betafetar a ordem nuclear global.
Esse movimento teve sucesso notável, por exemplo, ao estabelecer o "tabu nuclear" - tanto que,event betconversas privadas, o secretárioevent betEstado norte-americano chegou a queixar-seevent betque o "estigma da imoralidade" evitava que os Estados Unidos usassem armas nucleares.
Ao decidirem manterevent betsedeevent betChicago, os fundadores sinalizaramevent betintençãoevent betpriorizar a colaboração com seus colegas cientistas e membros do público sobre os desafios éticos e políticos da tecnologia nuclear, sem se voltar para os líderes políticos e militares que tanto haviam depreciado suas preocupações até então.
Eles argumentavam que a pressão do público era fundamental para a responsabilidade política e a educação era o melhor canal para garantir essa pressão.
Dois anos após aevent betcriação, o Boletim decidiu mudarevent betapresentação, deixandoevent betser um boletim impresso para adotar um formatoevent betrevista, a fimevent betatingir maior quantidadeevent betleitores. Foi nesse ponto que seus responsáveis chamaram a artista Martyl Langsdorf para desenhar um símbolo para a nova capa - e ela produziu o primeiro Relógio do Juízo Final.
Casada com um dos cientistas do Projeto Manhattan, Langsdorf compreendia a urgência e o desespero que seu marido e os colegas sentiam sobre a gestão da tecnologia nuclear. Ela criou o Relógio para chamar a atenção para a urgência da ameaça que eles vislumbravam e também paraevent betcrençaevent betque os cidadãos responsáveis poderiam evitar a catástrofe comevent betmobilização e envolvimento - pois a mensagem do Relógio foi que seus ponteiros poderiam mover-se tanto para frente como para trás.
Em 1949, a União Soviética testou suas primeiras armas nucleares. Por isso, o editor do Boletim moveu os ponteiros do Relógioevent betsete para três minutos para meia-noite. Ao fazê-lo, ele ativou o Relógio, que deixouevent betser uma metáfora estática e passou a ser dinâmico. O Relógio evoluiria para um símbolo que, segundo Kennette Benedict, ex-diretora executiva do Boletim, é um aviso para "o público sobre como estamos pertoevent betdestruir o nosso mundo com tecnologias perigosas fabricadas por nós mesmos. É uma metáfora, um lembrete dos perigos que devemos abordar se quisermos sobreviver no planeta."
Em 1953, o Relógio moveu-se adiante mais uma vez, para dois minutos para a meia-noite, depois que os Estados Unidos e a União Soviética detonaram as primeiras armas termonucleares. Foi o mais próximo da meia-noite que o Relógio esteve no século 20.
Como ler o Relógio
Mas o que realmente indicam esses tempos e movimentos?
É fácil interpretar o Relógio do Juízo Final da forma que fez a minha professora - como uma previsão do tempo que resta para a humanidade, algo que seria muito difícilevent betse prever e éevent betpouco uso se aevent betintenção for evitar o apocalipseevent betvezevent betsimplesmente prevê-lo.
Uma leitura mais plausível é que o Relógio se destina a indicar o nível atualevent betrisco enfrentado pela humanidade - e algumas pessoas,event betfato, tentaram determinar isso. Em 2003, Martin Rees, o cosmólogo e astrônomo real do Reino Unido, argumentou: "acho que a probabilidade éevent betnão maisevent bet50% que a nossa atual civilização na Terra sobreviva ao final do presente século".
Ele não é o único com essa opinião e um bancoevent betdados dessas avaliaçõesevent betrisco, reunidas por um pesquisador da Universidadeevent betOxford, no Reino Unido, contém atualmente maisevent bet100 previsõesevent betdiversos cientistas e filósofos que estudam o assunto. Mas essas estimativas, por mais úteis que sejam, são consideradas avaliaçõesevent betlongo prazo e não fotografiasevent bettempo real do nívelevent betrisco atual.
Já outros observadores dedicados do Relógio, como eu, interpretam os movimentos do Relógio do Juízo Finalevent betforma um pouco diferente. Seu objetivo não é nos dizer o tamanho do risco enfrentado pela humanidade, mas a eficácia da nossa reação a esse risco.
É um consenso, por exemplo, que a crise dos mísseisevent betCuba,event bet1962, foi o mais perto que o mundo já chegou à guerra nuclear, mas esse episódio não fez movimentar o Relógio. Já o Tratadoevent betProibição Parcialevent betTestes Nuclearesevent bet1963 testemunhou a mudança dos ponteiros do Relógio para trásevent betcinco minutos inteiros.
E isso faz sentido, pelo menos para os pesquisadores dos riscos existenciais, como eu próprio. Vários amigos me consultam para ter informaçõesevent betmomentosevent betaumento da tensão política global, como a crise diplomáticaevent bet2017 entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte ou o colapso do acordo nuclear com o Irã,event bet2018.
Mas geralmente eu preciso desapontá-los. Nós simplesmente não passamos a maior parte do tempo estudando ou nos preocupando com eventos como esses. Na verdade, são flutuações perfeitamente normais da política e da diplomacia internacional.
O que preocupa pessoas como eu é, primeiramente, a existênciaevent betarmas que os líderes poderiam detonar nessa crise e,event betsegundo lugar, as instituições e estruturas inadequadas e, às vezes, disfuncionais que temos para impedir que eles as detonem. Esses problemas não são criados por crises globais individuais -event betnatureza é sistêmica e é isso que o Relógio do Juízo Final tenta medir.
Os últimos movimentos do Relógio
Eu não tinha total conhecimento disso na época, mas comecei a me preocupar com o Relógio do Juízo Finalevent betmeados dos anos 1990 - coincidentemente, o momentoevent betmaior segurança da humanidade desde a Segunda Guerra Mundial. Entre 1987 e 1991, o Relógio andou para trásevent betsurpreendentes 14 minutosevent betquatro anos, à medida que a redução das tensões da Guerra Fria fornecia proteção significativa contra a ameaçaevent betguerra nuclear.
Os episódios mais notáveis foram o Tratadoevent betForças Nuclearesevent betAlcance Intermediário,event bet1987 - que proibiu todos os mísseis balísticosevent betterritório russo e norte-americano com alcanceevent bet500 a 5.500 km e causou a retiradaevent betserviçoevent bet2.692 mísseis nucleares - e o Tratadoevent betReduçãoevent betArmas Estratégicas (Start, na siglaevent betinglês),event bet1991, que levaria à eliminaçãoevent betcercaevent bet80% das armas nucleares.
Nesse momento, o Relógio do Juízo Final foi alterado para 17 minutos para meia-noite e até retirado da capa do Boletimevent betCientistas Atômicos -event betparte, porque já não parecia mais tão expressivo. Mas, infelizmente, esse estadoevent betcoisas não duraria muito.
A manutenção dos altos níveisevent betgastos militares e as preocupações crescentes com a proliferação nuclear no sul da Ásia e no Oriente Médio fizeram com que, no final da décadaevent bet1990, o Relógio voltasse para nove minutos para a meia-noite e continuasse e progredir inexoravelmente para frente. Mas a última década observou uma aceleração muito mais preocupante do movimento do Relógio do Juízo Final, até que,event bet2020, ele atingiu 100 segundos para a meia-noite - ou seja, mais próximo do apocalipse que no tempo da Guerra Fria.
Como isso aconteceu? Um fator foi o surgimentoevent betnovos tiposevent betameaças globais e o repetido fracasso dos governos do mundo para enfrentá-las.
As ameaças globais do século 21
Em 2007, o Boletim começou formalmente a analisar as mudanças climáticas, além das ameaças nucleares, para definir a posição dos ponteiros do Relógio.
É claro que esses riscos são muito diferentes. Os ataques nucleares poderiam acontecerevent betquestãoevent betminutos, enquanto o risco climático é cumulativo, ano após ano. Além disso, a responsabilidade pelas armas nucleares do mundo está nas mãos, ou dedos,event betmuito poucos tomadoresevent betdecisões globais, enquanto todos nós estamos envolvidos nas mudanças climáticas e na destruição ambiental - mesmo queevent betescalas muito diferentes.
Mas, sem dúvidas, a gravidade desses dois riscos - tantoevent bettermosevent betseu potencial para causar catástrofes globais quanto da probabilidadeevent betque isso aconteça - é comparável. E, para os dois riscos, precisamos examinar se o nível atualevent betações globais sendo tomadas para combatê-los é ou não proporcional àevent betgravidade e à crescente urgênciaevent betreduzi-los.
Por muitos anos, as páginas do Boletim também analisaram os desafios apresentados por novas tecnologias problemáticas e esses desafios agora também influenciam os ponteiros do Relógio do Juízo Final.
Essas tecnologias incluem a inteligência artificial, armas biológicas e a nanotecnologia. Além das tecnologias específicas, o nosso futuro também é cada vez mais ameaçado pela convergência das tecnologias problemáticas com as ameaças nucleares e ambientais existentes.
Um segundo fator da posição do Relógio mais próxima da meia-noite é o fatoevent betque, como o número e a variedade das ameaças enfrentadas pela humanidade se multiplicaram, a seriedade das dificuldadesevent betgestão desses riscos também aumentou.
Em 2015, o Boletim moveu o Relógio do Juízo Finalevent betcinco para três minutos para a meia-noite, indicando três questões fundamentais por trás dessa mudança. Primeiramente, a deterioração das relações entre os Estados Unidos e a Rússia, que juntos possuem 90% do arsenal nuclear do mundo, e o enfraquecimentoevent betmuitos dos instrumentos idealizados para manter esses arsenaisevent betsegurança, como o sucessor do tratado Start (Novo Start).
Em segundo lugar, todos os Estados que possuíam armas nucleares estavam investindo massivamente nesses sistemas, incluindoevent betsubstituição, expansão e modernização. E, por fim, não havia nenhum sinalevent betformação da arquitetura global necessária para combater as ameaças climáticas.
Mas,event bet2016, o Boletim identificou dois pontos brilhantes com potencialevent betreverter algumas dessas tendências negativas: o acordo nuclear com o Irã e o acordo do climaevent betParis - mas com a ressalvaevent betque nenhum deles havia sido totalmente implementado. E,event bet2017, os editores do Boletim foram forçados a concluir que a situação havia piorado significativamente, já que esses dois pontos brilhantes haviam sido ofuscados pelas mudanças da política doméstica norte-americana.
Agregou-se a essa mudança o aumento das evidênciasevent betmenosprezo global pelo conhecimento e negligência sobre a liderança e a linguagem nuclear. Por isso, o Boletim moveu o Relógio para dois minutos e meio para a meia-noite e,event bet2018, moveu novamente, para dois minutos, devido à contínua deterioração da diplomacia internacional.
A posição do Relógio adotada desde 2020 - 100 segundos para a meia-noite - reflete a absoluta instabilidade da situação global e a falha das instituições internacionaisevent betreagir ao tique-taque do risco existencial.
Essa situação inclui o colapso do Tratadoevent betForças Nuclearesevent betAlcance Intermediário, que havia sido um dos primeiros sinais do fim da Guerra Fria. Pode não existir mais uma clara luta ideológica por trás dos conflitos internacionais, mas a escalaevent betdivergências entre as grandes potências e a faltaevent betinstituições que solucionem essas divergências parecem ser as piores que já existiram - e as formasevent betque essas divergências poderão vir a gerar uma catástrofe global continuam a multiplicar-se.
O que podemos esperar no futuro próximo?
A atual pandemia expôs as fraquezas dos governos atuais. A desigualdade da reação à covid-19 e a faltaevent betliderança global para trabalhar para a vacinação universal e erradicação da doença não são um bom presságio para a prevenção das ameaças existenciais.
Igualmente frustrante foi a faltaevent betprogresso na cúpula do clima COP26. Mas estamos também observando o aumento da preocupação global com a aceleração da crise da biodiversidade e a contínua fragilidade dos esforços internacionais para lidar com a questão.
Suspeito que continuaremos a ver preocupações expressas sobre as tensões da política internacional, especialmente entre os Estados Unidos, Rússia, Irã e China, mas agora sabemos que elas já estão se alastrando para conflitos muito reais na zona cinza da cibersegurança, desinformação e desestabilização política.
Por fim, podemos também considerar o aumento das tensões entre os governos e as empresas envolvidas no desenvolvimento da inteligência artificial e outras tecnologias problemáticas, além do recente fracasso das tentativasevent betelaborar um acordo sobre a proibição das armas letais autônomas.
Poderia ter sido feito outro ajuste do Relógio do Juízo Final para mais perto da meia-noite este ano? Isso certamente não me surpreenderia. Mas não devemos nos acomodar, pois ele já está muito perto do apocalipse.
A crise da covid-19 poderia ter servido para impulsionar os governos a unir-seevent betprol da nossa segurança, como ocorreu com a crise dos mísseisevent betCuba, 60 anos atrás, mas não foi o caso. É difícil ver como as coisas poderão melhorar significativamente sem que ainda outras crises e desastres finalmente nos incentivem a agir.
Mas o que aprendemos com o Relógio do Juízo Final é que a nossa capacidade atualevent betlidar com essas crises provavelmente é a pior da história. O Relógio ainda está se movendo e, se não pudermos fazer seus ponteiros voltarem, as badaladas da meia-noite podem não estar distantes.
*S. J. Beard é pesquisador do Centroevent betEstudos dos Riscos Existenciais da Universidadeevent betCambridge, no Reino Unido. Sua conta no Twitter é @CSERSJ.
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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