Os segredos que cercam a megaprisão símbolo da guerraroleta pcBukele contra as ganguesroleta pcEl Salvador:roleta pc
Angélica conta que já tinha um pressentimento, mas aquele vídeo confirmou suas suspeitas.
Ele foi compartilhadoroleta pcum grupo do Facebook e ela analisou com paciência, quadro a quadro.
Depois do minuto 25, quando viu aquele homem sentado com as pernas cruzadas estendendo a mão para o seu colegaroleta pcbeliche, ela parou o vídeo. Angélica retrocedeu e deixou avançar alguns segundos para depois voltar a pausar.
Ele tinha a cabeça raspada e estava vestido como os demais presos, apenas com um calção branco. Mas ela não teve dúvidas: era seu marido Darwin.
Ela não o havia visto desde que foi preso, no dia 30roleta pcmarçoroleta pc2022 – 11 meses antes.
Estas imagens eram a primeira provaroleta pcque ele havia sido transferido para o Centroroleta pcConfinamento do Terrorismo (Cecot) , a megaprisão inaugurada pelo presidente salvadorenho Nayib Bukeleroleta pc31roleta pcjaneiroroleta pc2023. O Cecot transformou-seroleta pcum símbolo da “guerra contra as gangues” e da políticaroleta pcsegurançaroleta pcBukele, que deu ao presidente uma popularidade sem precedentes , dentro e foraroleta pcEl Salvador.
O apoio a Bukele baseia-se principalmente na drástica redução dos homicídios registrada desde que ele assumiu o governo do país, que já chegou a ser o mais violento do mundo.
Muitas pessoas destacam esta mudança e respiram aliviados, sobretudo nos bairros que eram controlados pelas gangues, onde a regra era “ver, ouvir e calar-se”. Os moradores agora podem cruzar as fronteiras invisíveis impostas historicamente pelas gangues, sem sofrer perseguição e sem medoroleta pcrepresálias.
Mas, cinco meses depois daroleta pcinauguração, o Cecot também é um símboloroleta pcisolamento e das acusaçõesroleta pcfaltaroleta pctransparência do regimeroleta pcexceção imposto depoisroleta pc76 assassinatos registradosroleta pcapenas 48 horas,roleta pcmarçoroleta pc2022.
Desde que o início do regimeroleta pcexceção, quase 70 mil pessoas foram detidas, diversas garantias foram suspensas e existem inúmeras denúnciasroleta pcgraves infrações dos direitos humanos, que vão desde prisões arbitrárias e torturas até mortes sob a custódia do Estado.
Milharesroleta pcsalvadorenhos estão há meses sem ter notícias dos seus familiares presos e, como Angélica, procuram os entes queridosroleta pcvídeos, fotografias ou espiando pelos pequenos buracos nos muros das prisões que conseguem alcançar.
O Cecot foi apresentado ao povo salvadorenhoroleta pccadeia nacionalroleta pcrádio e televisão como “a maior prisão das Américas”.
Segundo o governoroleta pcEl Salvador, o centro tem capacidade para 40 mil presos e é exclusivo para prisioneiros que “ocupam altas posições” da Mara Salvatrucha (ou MS-13) e das duas facções do Barrio 18 – gangues rivais que aumentaram progressivamente seu poder nas últimas décadas, recrutando jovens e controlando territórios. Elas semearam o terror, a divisão e a morte no país centro-americano.
Depoisroleta pcaparecer na imprensa percorrendo suas instalações, Bukele divulgou a prisão no Twitter,roleta pcplataforma preferida para promover os resultados do seu governo:
“El Salvador conseguiu deixarroleta pcser o país mais inseguro do mundo para ser o país mais seguro das Américas.”
“Como conseguimos? Colocando os criminosos na prisão. Há espaço? Agora, sim. Eles poderão dar ordensroleta pcdentro da cadeia? Não. Conseguirão escapar? Não. Uma obraroleta pcsentido comum”, acrescentou ele.
Com publicidade midiática similar, no dia 24roleta pcfevereiro, foi anunciado o ingressoroleta pc2 mil internos na prisão e,roleta pc15roleta pcmarço, mais 2 mil. Foram as duas únicas transferênciasroleta pcque se tem notícia até o momento.
Entre as imagens oficiaisroleta pchomens seminus, às vezes correndo agachados, às vezes sentados muito próximos uns dos outros, Angélica conseguiu identificar seu marido, um preso hondurenho que havia sido deportado dos Estados Unidosroleta pc2018, depoisroleta pccumprir pena por roubo. Ele emigrou posteriormente para El Salvador, onde não tem antecedentes penais.
“Eu o reconheci pelas tatuagens”, declarou ela à BBC News Mundo, o serviçoroleta pcespanhol da BBC. Foram as mesmas tatuagens que o levaram à prisão por “associações ilícitas” – um delito que,roleta pcEl Salvador, engloba não só os líderes ou membros das gangues, mas também aqueles que obtêm “proveito indireto” das relações com elas, seja qual for aroleta pcnatureza.
É devido a essa gravação (e porque tem um recibo que comprova que ela forneceu, para a Direção Geralroleta pcCentros Penais, US$ 90 (cercaroleta pcR$ 435) para os gastos do seu marido na prisão) que ela tem certezaroleta pcque seu esposo passa seus dias atualmenteroleta pcuma das 256 celas daquela gigantesca unidade penal.
Depois da entusiasmada abertura da prisão, mas antes que os primeiros prisioneiros fossem transferidos, diversos meiosroleta pccomunicação visitaram o Cecot, mas as informações públicas sobre as condições dos que ali vivem são muito poucas, quando não inexistentes.
A BBC News Mundo solicitou uma visita à prisão, mas o pedido foi negado. E, até o momento da publicação desta reportagem, a entrevista solicitada ao presidente Bukele ou outro representante do governo para falar desta eroleta pcoutras questões levantadas nos últimos meses permanece “pendente”.
Mas, examinando vídeos (do governo e da imprensa), fotografias, entrevistas com autoridades e dados contestados por um técnico envolvido na construção (e cuja identidade não revelamos por questõesroleta pcsegurança), o serviçoroleta pcespanhol da BBC conseguiu recriar detalhes da megaprisão, para tentar fornecer uma ideia melhor das suas dimensões.
O Cecot tem 256 celas.
Cada uma delas é formada por três paredesroleta pccimento e grades.
As camas são placas metálicas e, segundo as informações oficiais, não há colchões.
O teto é uma cercaroleta pcarame, para evitar que os presos possam se pendurar. Ela serveroleta pcplataformaroleta pcvigilância para os agentes penitenciários.
Pararoleta pchigiene ou lavagemroleta pcroupa, os internos usam a águaroleta pcduas pias, cujo fornecimento é controlado do lado externo. Existem dois sanitários, sem nenhuma privacidade.
Não há janelas, ventiladores nem exaustores.
Se o Cecot atingirroleta pccapacidaderoleta pc40 mil presos, cada cela irá abrigar cercaroleta pc156 prisioneiros, a menos que sejam construídos novos pavilhões.
A árearoleta pcmetros quadrados destinada a cada preso é um dos questionamentos da BBC News Mundo que permanecem sem resposta.
Segundo o engenheiroroleta pcCentros Penaisroleta pcEl Salvador, Héctor Saldaña,roleta pcentrevista para a revista colombiana Semana realizada dentro do Cecot, “cumprimos com as normas internacionaisroleta pcnível latino-americano [...] concedemos maisroleta pc2,5 m² por pessoa privadaroleta pcliberdade”.
Mas as plantas vistas pela BBC News Mundo indicam que cada cela mede 7,4 por 12,30 metros, ou seja, 91,02 metros quadrados. Esta metragem representa apenas 0,58 metros quadrados por pessoa.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, na edição mais recente do seu guia sobre água, saneamento, higiene e habitat nas prisões, recomenda 3,4 metros quadrados por prisioneiroroleta pccelas grupais.
Estas recomendações são dirigidas a autoridadesroleta pctodo o mundo, embora a Cruz Vermelha mantenha conversas privadas unilaterais com os governos – e esses intercâmbios, bem como qualquer recomendação específica, têm caráter confidencial.
Esta questão é particularmente importante se considerarmos que, embora os vídeos oficiais tenham mostrado uma fábrica na qual os prisioneiros eventualmente trabalhariam, as mesmas autoridades explicaram que as celas foram concebidas para que os presos passem nelas o maior tempo possível e só saiam para a salaroleta pcaudiências por videoconferência ou para o isolamento.
Nas celas comuns, a luz natural provémroleta pcclaraboias, treliças e dos tetos curvos dos pavilhões. Eles também são a única fonteroleta pcventilaçãoroleta pcum país onde a temperatura pode superar 30 °C, com umidade relativaroleta pc60%.
Na solitária, existe apenas uma placaroleta pccimento que serveroleta pccama, uma pia e um sanitário.
O vice-ministroroleta pcJustiça e diretor-geralroleta pccentros penaisroleta pcEl Salvador, Osiris Luna, destacou,roleta pcum vídeo promocional, que o preso que for levado até ali irá algemado e permanecerá quase no escuro, exceto por um pequeno orifício redondo no teto.
Até o momento, não se sabe se existem detentos vivendo nessas condições.
No Cecot, “não foram construídos pátios , não foram construídas áreasroleta pcrecreação para os réus”, segundo informou o ministroroleta pcObras Públicasroleta pcEl Salvador, Edgar Romeo Rodríguez Herrera. Esta decisão infringe as Regras Mínimas para o Tratamentoroleta pcDetentos aprovadasroleta pc2005 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
As normas – também conhecidas como Regrasroleta pcMandela,roleta pchomenagem ao ex-presidente sul-africano (talvez o preso mais conhecido do século 20) – fornecem aos Estados diretrizes para proteger os direitos das pessoas privadasroleta pcliberdade.
Elas também estabelecem, entre outros pontos, que “todo detento deverá ter pelo menos uma hora diáriaroleta pcexercício adequado ao ar livre” (regra 23).
O novo complexo penitenciário também não tem espaços conjugais , diferentementeroleta pcoutros centros penais. “Não existem visitas íntimas, nem familiares. Isso é proibido para este tiporoleta pcpessoas”, justificou o vice-ministro Luna na visita televisionada acompanhando o presidente Bukele.
Estas descrições oficiais despertam preocupações entre os especialistas.
“Não manter comunicação com a família faz com que aroleta pcpena seja estendida a pessoas inocentes”, afirma Miguel Sarre, ex-membro do Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura. Sarre tem ampla experiência na supervisãoroleta pcsistemas penitenciários.
Não se sabe exatamente quantos presos há no Cecot – se apenas os 4 mil observados nos vídeos das duas transferências ou se houve outras transferências não divulgadas.
Os critérios das transferências para o Cecot não são públicos e existem dúvidas sobre a identidade dos presos – se foram detidos durante o regimeroleta pcexceção ou se são membrosroleta pcgangues que estavam cumprindo penaroleta pcoutras unidades.
Não são conhecidos detalhes sobre as rotinasroleta pcalimentação dos prisioneiros – quando, onde ou o que eles comem. Também não se sabe se existe cozinha, refeitório, enfermaria ou salões para os internos nas instalações.
O que se sabe é que, para construir a unidade, o governo comprou 166 hectares roleta pcterra nas proximidades do municípioroleta pcTecoluca, no departamentoroleta pcSan Vicente (centro do país).
O Cecot fica a cercaroleta pc74 km a sudeste da capital do país, San Salvador,roleta pcuma região rural onde moram algumas comunidades que trabalham principalmente nas plantaçõesroleta pcmilho e feijão.
A prisão foi construídaroleta pc menosroleta pcum ano.
Em outras circunstâncias, especialistas calculam que a construção levaria três anos.
O governo declarou que as informações sobre os processosroleta pclicitação e alocação das obras, bem como os custosroleta pcconstrução e funcionamento, são confidenciais.
Uma sérieroleta pcleis aprovadas pela Assembleia Legislativa, controlada pelo governo, permite acelerar estes processos e reduzir os seus controles.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Gustavo Villatoro, explicouroleta pcfevereiro, durante entrevista à plataformaroleta pcnotícias Americano Media, que foi possível construir a prisãoroleta pcsete meses “graças à união dos maiores construtores do país, colocando-os para trabalhar para erguer issoroleta pcprazo tão curto [...]”
“Muitas obrasroleta pcconstrução,roleta pcdesenvolvimento urbanístico ouroleta pcprédiosroleta pcapartamentos do país ficaram sem mãoroleta pcobra e,roleta pcdado momento da construção, chegamos a ficar sem cimentoroleta pcnível nacional, já que tudo estava sendo absorvido pela construção deste megacentro penal.”
Naquele mesmo mês, pouco depois da inauguração do Cecot, a BBC News Mundo teve a oportunidaderoleta pcconversar com o ministro. “Para nós, [o presídio] representa o maior monumento à Justiça que já construímos. Não há nada a esconder”, declarou ele na ocasião.
Quatro meses depois destas declarações, nós voltamos a El Salvador e viajamos até as imediações do Cecot.
Paramos para comprar águaroleta pcuma lanchonete, a únicaroleta pcum raioroleta pcquilômetros, estrategicamente localizada no cruzamento entre a estrada principal para Tecoluca e a rua que leva ao centro penal.
Já no início do dia – o que,roleta pcEl Salvador, representa seis horas da manhã – estão ali, tomando café, meia dezenaroleta pcagentes penitenciários do Cecot, alémroleta pcpoliciais e militares dos postos vizinhos.
Em uma das mesasroleta pcplástico, podemos observar, a cercaroleta pc500 metros, um desses pontosroleta pccontrole para acesso às instalações da prisão. Somente pessoal autorizado pode atravessar.
Sentado ao nosso lado, um policialroleta pcóculos escuros mexeroleta pcxícara e confirma que, desde janeiro, aumentou o contingenteroleta pcsegurança na região.
“Nem El Chapo [Guzmán, famoso pelas suas fugas espetacularesroleta pcprisõesroleta pcsegurança máxima] poderia escapar dali”, garante ele, refletindo o discurso do governo sobre a obra faraônica.
Pouco antes do meio-dia, oito mulheres não conseguem dar contaroleta pcencher a pilharoleta pcembalagensroleta pcpoliestireno com frango assado, arroz e duas tortilhas que servirãoroleta pcalmoço para o pessoal do Cecot. Enquanto isso, tomamos o caminho sem asfalto que leva à comunidade chamada Buen Amanecer.
É uma regiãoroleta pccasasroleta pcfolhas metálicas e pisoroleta pcterra. Seus habitantes se mudaram para lá cercaroleta pcdois anos atrás, porque o terreno foi cedido, mas não a escritura. Dali, podemos distinguir entre as árvores, sob o imponente vulcão Chichontepec, duas torresroleta pcvigilância da megaprisão e o brilho do teto curvo dos seus pavilhões.
É impossível chegar mais perto do que isso.
O complexo penitenciário tem 23 hectares construídos .
Ele conta com 8 pavilhões ou módulosroleta pc5.446 m² com 32 celas cada um.
Duas cercasroleta pcsegurança perimetrais roleta pcmalharoleta pcarame, totalmente eletrificadas, e dois murosroleta pcconcreto armado circundam as instalações. Existem 19 torresroleta pcvigilância .
O ministro Villatoro destacou que as instalações e os presos serão vigiados por 1.000 agentes penitenciários e 250 oficiais da Polícia Nacional Civil (PNC)roleta pcEl Salvador...
...alémroleta pc600 membros das Forças Armadas, encarregadosroleta pcvigiar o anel externo.
Terminado seu descanso e antesroleta pcdirigir-se ao seu posto, o policialroleta pcóculos escuros admite queroleta pcvida melhorou consideravelmente nos últimos meses.
Seu estadoroleta pcânimo é muito diferenteroleta pcMaria,roleta pc23 anos, que encontramos não muito longe dali, naroleta pccasa na comunidade próximaroleta pcEl Maniadero.
A mãeroleta pcMaria não estároleta pccasa. Desde que seu parceiro foi preso por “associações ilícitas”, ela – que, paradoxalmente, trabalhou por seis meses na construção do presídio – costuma ir ao mercado, fazer e vender tortilhasroleta pcsegunda a sexta-feira.
“Eu vou nos finsroleta pcsemana”, conta a jovem, sentada junto ao fogo onde depois irá preparar alimentos. A chama eleva o calor pegajoso do meio-dia à máxima potência.
“Passo o resto do temporoleta pccasa ou com a minha tia.”
Ela conta que não se arrisca a sair, com medoroleta pcque aconteça com ela o mesmo que ocorreu com seu padrasto ou comroleta pcamiga Jéssica, que a polícia levou com base no regimeroleta pcexceção, deixando para trás uma filharoleta pctrês anos.
A questão das detenções é temaroleta pcconversa recorrente entre os moradores dos bairros construídos sobre o que, antes, era a linha do trem – ao lado dos rumores sobre a água suja do ribeirão que estaria correndo desde a construção do Cecot e que,roleta pcalgum momento, eles serão desalojados para a construçãoroleta pcuma prisão feminina na região.
Desde o início do regimeroleta pcexceção, 68.294 pessoas foram presas, segundo os números mais recentes, publicados pelo Ministério da Segurançaroleta pcEl Salvadorroleta pc4roleta pcmaioroleta pc2023.
O Cecot é a prisão mais simbólica, mas a maioria dos presos não está ali e simroleta pcoutras prisões,roleta pcdetenção preventiva. Alguns deles já estão há meses, até maisroleta pcum ano, nesta situação.
Antes dessas prisões, El Salvador já liderava as estatísticas globais dos países com mais detentos e seu sistema penitenciário sofriaroleta pcsuperlotação crônica.
Tanto é verdade que,roleta pc2016, a Corte Suprema salvadorenha declarou inconstitucional a superlotação dos presídios, determinando que ela fere “o direito fundamental à integridade pessoal”.
Para tentar reduzir a superpopulação, foram inaugurados nove centros penitenciários entre abrilroleta pc2015 e marçoroleta pc2019. Eles aumentaram a capacidade do sistema penitenciárioroleta pc16.296 vagas.
Mas foi como estancar uma hemorragia arterial usando esparadrapo.
“Aqui, eles entram saudáveis e saem doentes”, afirma um policial, apertando os dentes, enquanto monta guarda na entrada do Centro Penal La Esperanza, mais conhecidoroleta pcEl Salvador como “Mariona”, na capital do país.
Enquanto nos aproximávamos para fazer perguntas, ouvimos que um homem vem recolher um detento que precisou ter o pé amputado devido a uma complicação da diabete e será libertado na mesma tarde.
O Cecot é a primeira prisão construída no governoroleta pcBukele . O presidente insistiu que o centro tem à disposição tecnologiaroleta pcpontaroleta pcuma prisão “de primeiro mundo”, que inclui sistemasroleta pcscanner na entrada para detectar qualquer objeto ilegal que os detentos tentarem introduzir e uma vasta rederoleta pccontrole e vigilância, incluindo uma salaroleta pcarmas, com enorme arsenal.
Mas nem todos compartilham a mesma opinião.
“Embora ela tenha alguns elementos mais avançados, não é moderna”, contesta Abraham Ábrego, diretorroleta pclitígios da Cristosal, a principal organizaçãoroleta pcdefesa dos direitos humanos da sociedade civilroleta pcEl Salvador.
Antonio Durán é o segundo juizroleta pcinstrução da cidaderoleta pcZacatecoluca, no sulroleta pcEl Salvador, e um dos poucos magistrados abertamente críticos ao governo Bukele e seu regimeroleta pcexceção. Ele concorda e vai mais além.
“Em um Estadoroleta pcdireito, a privação da liberdade é o castigo. Castiga-se o delinquente privando-o da liberdade”, afirmou ele à BBC News Mundo.
“Mas, aqui, entende-se que ele é privado da liberdade para ser castigado dentro da prisão. E isso não só está errado, como é um delito. É tortura.”
Ángeles acredita que seu irmão esteja no Cecot. Ela o reconheceu nas imagensroleta pcuma das transferênciasroleta pcpresos para a megaprisão, como aconteceu com Angélica e seu marido.
“Abri meu Facebook e ali o vi, todo surrado, quase desnudo,roleta pccueca, e me senti muito mal”, conta ela, sentada naroleta pccasaroleta pcSanta Ana, a cercaroleta pc70 km a oeste da capital do país.
Ela está exausta, depoisroleta pcpassar o dia comprando produtos para venda informal.
Ángeles garante que seu irmão saiu da gangueroleta pc1995 e dirigia uma pequena loja há anos naquele mesmo bairro, até que,roleta pc13roleta pcabrilroleta pc2022, vários agentes entraram naroleta pccasa e o levaram para a delegacia.
Ela nunca mais soube dele, até identificá-lo nas redes sociais.
Glenda e Heidy estão convencidasroleta pcque seu irmão e marido, respectivamente, tiveram a mesma sorte. Eles também foram presosroleta pcabrilroleta pc2022, levados primeiramente para a delegaciaroleta pcpolícia e, depois, para a prisãoroleta pcIzalco, a 55 kmroleta pcSan Salvador.
Elas não o identificaramroleta pcnenhum vídeo, mas acreditam ter conseguido outro tiporoleta pcinformação que confirma que eles estão no Cecot.
“Eu liguei várias vezes e,roleta pcuma delas, um dos agentes penitenciários me confirmou. E também mandei uma pessoa verificar na prisão se era verdade que ele tinha sido transferido. Fiqueiroleta pcboca aberta quando me contaram”, conta Glenda.
O rastreamento foi particularmente difícil para estas mulheres, que moram nos Estados Unidos. “Mas, se alguém não ficar atrás do seu familiar detido, pode ser que ele morra e a pessoa não fique sabendo”, prossegue Glenda. Ela se recusa a resignar-se.
A BBC News Mundo conversou com dezenasroleta pcfamiliaresroleta pcpresidiários sob o regimeroleta pcexceção, que repetem o mesmo relato.
Muitos deles, especialmente homens, foram retiradosroleta pcsuas casas sem mandadoroleta pcbusca ou prisão, levados a uma audiência virtual junto com dezenasroleta pcpessoas detidas e o juiz determinouroleta pcprisão preventiva, enquanto a Promotoria investiga se existem provas para uma acusação formal.
Depoisroleta pcuma sérieroleta pcreformas legais, esta faseroleta pcinstrução, atualmente, pode se alongar por meses ou até anos.
“Inicialmente, as pessoas acreditavam que o seu familiar regressaria depoisroleta pc15 dias. Depois, com seis meses”, explica Zaira Navas, ex-inspetora-geral da Polícia e atual coordenadora da organização Cristosal para análise do regimeroleta pcexceção.
“Após a detenção, começa o calvário das famílias: elas vão até a delegacia policial mais próxima, à primeira prisão, à segunda, à Procuradoria...”, prossegue ela. “Além disso, não há um registro centralizado aonde a família possa chegar e dizer: ‘meu filho foi detido no departamentoroleta pcUsulután e quero saberroleta pcque prisão ele está’.”
A BBC News Mundo conseguiu testemunhar essa angustiosa busca ao percorrer diferentes prisões e falar com cidadãos salvadorenhos que batem às mesmas portas todas as semanas, perguntando pelos seus familiares detidos. Eles esperam sentados durante horasroleta pccadeias como aroleta pcApanteos (em Santa Ana), ou olham pelos buracos do muro externo sempre que há uma transferênciaroleta pcpresos, como na prisãoroleta pcIlopango,roleta pcSan Salvador.
Navas lidera uma equipe que pesquisa centenasroleta pcdenúnciasroleta pcpossíveis violaçõesroleta pcdireitos humanos durante o períodoroleta pcexceção.
O relatório apresentadoroleta pc29roleta pcmaio, elaborado a partirroleta pcuma extensa investigação e que foi divulgadoroleta pctodo o mundo, concluiu que, no primeiro ano das medidas, dezenasroleta pcréus foram mortos por tortura, agressão ou faltaroleta pcatenção sanitária nas prisões salvadorenhas.
O governo não respondeu publicamente ao relatório. Mas o comissárioroleta pcDireitos Humanos Andrés Guzmán Caballero, que assumiu o cargoroleta pc24roleta pcmaio, reconheceu, depoisroleta pcser questionado durante um evento promovido pelo jornal salvadorenho La Prensa Gráfica, que o relatório é “preocupante”.
“Fechamos o dia 10roleta pcmaioroleta pc2023 com zero homicídiosroleta pcnível nacional. Com este, são 365 dias sem homicídios, um ano inteiro”, anunciou Bukele no Twitter naquele dia.
Cinco dias se passaram e um policial morto interrompeu a estatística.
“Os membros das gangues que ainda restamroleta pcnosso país acabamroleta pcassassinar um dos nossos heróis”, tuitou o presidente salvadorenho.
“Mas as ONGsroleta pc‘direitos humanos’ não dirão nada, elas só cuidam dos direitos dos criminosos. Veem por que precisamos continuar com o regimeroleta pcexceção até acabar totalmente com esta praga? Este assassinato covarde não ficará impune. Faremos com que eles paguem caro pelo que fizeram”, prosseguiu Bukele.
E, mais tarde, ele insistiu: “Que todas as ONGsroleta pc‘direitos humanos’ saibam que vamos arrasar com esses malditos assassinos e seus colaboradores, nós os colocaremos na prisão e eles nunca mais sairão.”
Esta combinaçãoroleta pctuítes é um bom reflexo da políticaroleta pcsegurança promovida por Bukele, chefe do Executivo salvadorenho desde julhoroleta pc2019.
Seu governo não é o primeiroroleta pcEl Salvador a adotar a “mãoroleta pcferro”roleta pcsuas estratégias. Masroleta pcguerra frontal conseguiu desarticular as gangues, como anunciam seus funcionários e reconhecem os especialistas e organizaçõesroleta pccampo.
As gangues “tinham território, população, impunham a justiça – com armas, mas impunham a justiça –, tinham arrecadação... Definitivamente, lutamos contra um Estado paralelo e esse Estado paralelo, para o bem dos maisroleta pcseis milhõesroleta pcsalvadorenhos, está destruído”, afirmou o ministro da Segurançaroleta pcEl Salvador, Gustavo Villatoro,roleta pcentrevista concedida à BBC no início do ano.
O que é algo evidente nas ruas, como comprovou a BBC News Mundoroleta pcduas visitas ao país,roleta pcfevereiro e junhoroleta pc2023.
Os pequenos negócios locais não pagam mais a “renda” exigida por aqueles grupos, os moradores voltam a cruzar as linhas – invisíveis, mas bem conhecidas – que delimitavam territórios opostos e os doadoresroleta pcalimentos visitam as comunidades que, por anos, ficaram impenetráveis para as pessoasroleta pcfora e para a polícia.
“Meus filhos não podiam brincar na rua, nem nos parques. Eles cresceram confinados”, contou à BBC a professora Audelia Rosales, que moraroleta pcum desses bairros, chamado La Campanera (em Soyapango, na região metropolitana da capital) desde a décadaroleta pc1990. São lugares que começam a perderroleta pcimagemroleta pcviolência.
“Durante anos, eu não dizia onde morava”, ela conta. “Muitas vezes, as pessoas não encontravam trabalho porque o estigmaroleta pcmorar aqui era grande. Mas, agora, sim, digo com orgulho.”
Estes são os resultados que fizeram com que Bukele se tornasse presente na imprensa internacional e um modeloroleta pcpolítica contra a violência para certos setores políticos fora do seu país.
E, dentro das suas fronteiras, esses mesmos resultados valeram para ele um nível esmagadorroleta pc92%roleta pcaprovação, segundo uma pesquisa do instituto CID Galluproleta pcjaneiro deste ano.
Ele também negou que as forças da ordem estejam detendo cidadãos apenas porque têm tatuagens ou por denúncias anônimas.
Mas reconheceu que, com uma operação desta dimensãoroleta pcandamento, é possível que algum erro tenha sido cometido, com algumas pessoas sem vínculo com a Mara Salvatrucha ou o Barrio 18 sendo presas. E acrescentou que milharesroleta pcpessoas já foram libertadas, “após revisão, seguindo o devido processo legal nos tribunais”, depoisroleta pcse comprovar “que elas não tinham nenhuma ligação com as gangues”.
Durante a visita ao país, a BBC News Mundo constatou que falarroleta pcviolaçõesroleta pcdireitos humanos parece secundário para muitos salvadorenhos. Eles preferem destacar o aumento evidente da segurançaroleta pcum país que, depoisroleta pcficar asfixiado com 106,3 homicídios por 100 mil habitantesroleta pc2015, fechou 2022 com uma taxaroleta pc7,8.
Mas, para algumas famílias, foi algo mais complexo do que o esperado.
“Eu dizia ao meu marido que, agora, com o regime, tudo iria sair bem, porque morávamosroleta pcum bairro [controlado por uma gangue] e trabalhávamosroleta pcoutro [dominado pela gangue contrária]”, contou,roleta pcfrente ao Centro Penal La Esperanza (“Mariona”), uma mulher que passou anos sendo perseguida por esses grupos.
Ela pede dispensa do trabalho por meio dia e, todas as quartas-feiras, vai até a prisão perguntar pelo marido, que se encontra naquele centro penitenciário eroleta pcquem não tem notícias há meses.
“Quem me diria que,roleta pcalgumas semanas, iriam levá-lo?”, lamenta ela.
“As pessoas não se importam se os direitos dos demais forem desrespeitados, desde que eles estejam bem e seguros”, comenta Antonio Durán, o segundo juizroleta pcinstruçãoroleta pcZacatecoluca.
“Mas a questão das garantias é que elas são intersubjetivas: quando os demais estão protegidos, nós também estamos. E, quando os demais estão desprotegidos, da mesma forma, todos nós estamos.”