A ambição global do Catar com a Copa do Mundo: 'país colocou a si próprio no mapa':abrir betano

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Legenda da foto, Joseph Blatter, então presidente da Fifa, anunciando o Catar como sede da Copa, aindaabrir betano2010; recentemente, ele disse que escolha foi 'um erro'

Também enfrenta temperaturas escaldantes - e perigosas - que comumente passam dos 40°C no verão (o que forçou a Copa a ser jogada no inverno do Hemisfério Norte).

Desde 2010, o Catar tem estado sob escrutínio intenso, tanto pelas denúnciasabrir betanocorrupção envolvendo a Fifa, quanto pelos gastos bilionários com os preparativos, os abusosabrir betanodireitos humanos e as condições degradantes vividas pelos trabalhadores desta Copaabrir betano2022 (mais detalhes a seguir).

No último mês, o próprio Blatter declarou à imprensa que o Catar foi um "erro" e uma "má escolha", por ser um país "muito pequeno, e a Copa do Mundo é muito grande".

Mesmo antesabrir betanocomeçar, a Copa do Catar já está sendo chamadaabrir betanoa "mais polêmica e politizada da história".

Mas o que, então, o Catar ganhaabrir betanotroca? O prestígio trazido pela Copa do Mundo é suficiente para compensar a exposição negativa e os gastos bilionários?

Analistas da geopolítica do Golfo Pérsico explicam que, na verdade, o pequeno país concilia preocupações antigas com ambiçõesabrir betanolongo prazo nos cenários regional e global.

País que colocou a si próprio no mapa

É preciso enxergar a Copa do Mundo como o ápiceabrir betanoum rápido - e aindaabrir betanocurso - processoabrir betanoreformas e abertura do Catar, explica à BBC News Brasil Chris Doyle, diretor do Conselho para Compreensão Árabe-Britânica (Caabu, na siglaabrir betanoinglês).

Ele diz que o ponto-chave na história é 1995, quando o xeique Hamad Ibn Khalifa Al-Thani tomou o poder do Catarabrir betanoseu próprio pai (eabrir betano2013 abdicouabrir betanofavorabrir betanoseu filho, o atual emir Tamim Ibn Hamad Al-Thani).

Naqueles meados dos anos 1990, diz Doyle, o Catar era um país voltado para si,abrir betanopopulação pesqueira e pobre, ainda incapazabrir betanoexplorar plenamente suas reservasabrir betanogás e petróleo.

"Não havia a infraestrutura que tem agora, não se servia álcoolabrir betanohotéis, não havia a Catar Airways, o aeroporto era muito pequeno. Hamad expulsa seu pai e assume o poder e tem uma agenda. Avança na infraestrutura do gás, e quer claramente tornar o Catar um destino para eventos - algo que é relevante para entender a Copa do Mundo", explica Doyle.

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Legenda da foto, Copa no Catar é o ápiceabrir betanoum longo processoabrir betanoaberturas, reformas e ambições do país, diz analista

O resultado é que o Catar começou a construir museus, abrigar torneios esportivos internacionais (como os Jogos Asiáticosabrir betano2006) e atrair universidades ocidentais para parcerias. Também passou a sediar a gigante midiática Al-Jazeera e uma base militar americana a partirabrir betano1996, como formaabrir betanoproteção contra seus vizinhos.

Com isso, o Catar colocou a si próprio no mapa, afirma Doyle.

"Políticos britânicos que sequer sabiam que o Catar existia ou como pronunciar seu nome começaram a prestar atenção ao país. (...) Grandes eventos começaram a acontecer. Então a Copa do Mundo,abrir betanomuitas formas, é o ápice desse processo. Não poderia ter acontecido sem todas essas mudanças que aconteceram antes. E acho que isso foi a forma máximaabrir betanodizer: 'o mundo vai vir a nós'. E isso,abrir betanocerta forma, será o legado (do atual emir)."

O interesse do Catarabrir betanosediar a Copa foi justamente o pontoabrir betanopartida do documentárioabrir betanorádio "Como vencer a Copa do Mundo", da BBC Radio 4, apresentado pelo jornalista David Conn, do jornal The Guardian e autorabrir betanoThe Fall of the House of Fifa (A Queda da Casa da Fifa,abrir betanotradução livre).

No documentário, Conn ouve especialistas que explicam que o pequeno país nunca terá um Exércitoabrir betanotamanho suficiente para garantir a própria segurança. Então, buscou outra estratégia na arena internacional.

"O Catar se vê seguindo um modelo estabelecido no século 17 pelo próprio profeta Maomé, que criouabrir betanoMedina um lugar onde tribos que estivessem competindo entre si pudessem conviverabrir betanosociedade, e disso nasceu o próprio islã", explica ao programa Allen Fromherz, diretorabrir betanoEstudosabrir betanoOriente Médio da Universidade do Estado da Geórgia e autorabrir betanolivros sobre a história do Catar.

"Então, o Catar vê seu papel como uma reflexãoabrir betanoalgo profundo não só da cultura árabe, mas do islã,abrir betanotrazer a resoluçãoabrir betanoconflitos na região, eabrir betanoconsequência obter uma recompensa para seu próprio povo, que é a autoridade. É exatamente isso que o Catar tem tentado ser, um fórum."

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Legenda da foto, Aeroporto do Catar após reforma; Copa seria parteabrir betanouma políticaabrir betano'proteção e projeção' do país

'Políticaabrir betanoproteção e projeção'

Nesse papel, diz Fromherz, o Catar conseguiu simultaneamente abrigar a base militar americana e receber a visitaabrir betanolíderes do grupo radical Talebã - um adversárioabrir betanolonga data dos EUA. Assim, se cacifou para ajudar a mediar o conflito entre ambos e também outros, como o conflito entre Etiópia e Eritreia, e disputas territoriaisabrir betanopaíses como o Líbano ou o Chade, por exemplo.

Segundo Fromherz, é dessa perspectiva que deve ser visto o interesse do Catar ao sediar a Copa do Mundo.

"A Copa do Mundo meio que representa simbolicamente esse papel mais amploabrir betanoque o Catar se vê,abrir betano'somos quem negocia soluções, somos uma parte indispensável desta região e deste mundo, e será muito ruim se formos engolidos por um vizinho, ou se formos ameaçados apesar da nossa imensa riqueza'. Então é uma políticaabrir betanoproteção, mas tambémabrir betanoprojeção."

'Sportswashing' e passado colonial

Mas o Catar também é acusadoabrir betanousar o evento para mascarar um históricoabrir betanodesrespeito aos direitos humanos e trabalhistas. É o que se chamaabrir betano"sportswashing": usar o prestígio e a positividade associados ao futebol para ofuscar aspectos negativosabrir betanoum governo ou sociedade.

No Catar, isso tem sido levantado sobretudoabrir betanotrês pontos: exploraçãoabrir betanoimigrantes, direitos das mulheres e perseguição à população LGBTQI+.

Para construirabrir betanoaté então inexistente infraestrutura e seus estádios, o Catar importou estimados 5 milhõesabrir betanotrabalhadores migrantes vindos emabrir betanomaioriaabrir betanopaíses pobres do sul da Ásia, como Nepal e Bangladesh.

Estima-se que milhares deles tenham morridoabrir betanoproblemasabrir betanosaúde relacionados ao trabalho intensivo sob o calor escaldante do verão.

Por anos, esses trabalhadores foram trazidos por meioabrir betanoum esquemaabrir betanovistos conhecido como Kafala,abrir betanoque eles entravam no país patrocinados por empregadores - e só podiam mudarabrir betanoemprego ou mesmo sair do país com autorização desses empregadores.

O sistema, que chegou a ser equiparado a uma espécieabrir betanoescravidão moderna, foi abolidoabrir betano2016 pelo governo catari, dando mais flexibilidade e proteção aos trabalhadores.

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Legenda da foto, Jogadores alemães protestam antes das eliminatórias da Copa do Mundo; históricoabrir betanodesrespeito aos direitos humanos fez do Catar alvoabrir betanocríticas

O governo catari promoveu a mudança como parte do processoabrir betanoreformas pelo qual o país tem passado.

"As novas mudanças na legislação, combinadas com fiscalização e compromisso a reformas sistêmicas, não só no Catar mas nos paísesabrir betanoorigem (dos migrantes), vão garantir que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados", disse o governo na época.

Mas, na ocasião, a ONG Anistia Internacional afirmou que a mera mudança legal era insuficiente para proteger os migrantesabrir betanoabusos sistemáticos.

Chamando o evento no Catarabrir betano"Copa do Mundo da vergonha", a ONG afirma que os trabalhadores migrantes viviamabrir betanocondições sub-humanas, recebiam menos do que lhes fora prometido e tinhamabrir betanoliberdadeabrir betanoir e vir restrita.

O Catar, alémabrir betanopromover mudanças, se justificou jogando a culpa na herança colonial britânica: muitas leis trabalhistas remetiam à épocaabrir betanoque o país foi um protetorado do Reino Unido, entre 1916 e 1971 - períodoabrir betanoque o governo britânico se comprometia a garantir a proteção do Catarabrir betanotroca do controle sobre a política externa catari.

Embora isso tenha feito com que a responsabilidade histórica tenha se estendido também ao Reino Unido, críticos afirmam que isso não serve para justificar as práticas atuais.

"Devemos reconhecer essa história, mas devemos pôr fim (a essas práticas), independentementeabrir betanoquem as começou", disse à BBC Radio 4 Rothna Begum, pesquisadora sêniorabrir betanoOriente Médio e Norte da África da organização Human Rights Watch.

Para Chris Doyle, é importante jogar luz nos problemas enfrentados pelo Catar, masabrir betanomodo construtivo e sem "arrogância", sob o riscoabrir betanocriar resistência a reformas mais profundas no país.

"Tem havido uma cobertura hostil, nem sempre merecidamente, sobre a Copa do Mundo. Sim, deve haver críticas quanto a direitos trabalhistas e LGBT, mas já vi comparações com o regime do apartheid na África do Sul, ou com os regimesabrir betanoChina e Rússia. Sendo que a situação no Catar não é nem remotamente parecida com a desses países - nem com o que a China faz com (a minoria étnica) uigur ou com a invasão russa do seu vizinho (Ucrânia)", afirma Doyle à BBC News Brasil.

"Meu medo é que se crie um ressentimento e um cansaço que impeça que mais reformas aconteçam. Por isso peço um diálogo crítico, mas não boicotes. Acho que há muita arrogância na Europa - basta ver a forma como muitos países tratam seus imigrantes. (...) Não temos o monopólio da boa governança", agrega o britânico.

Diretosabrir betanomulheres e homossexuais

E há, também, intensas críticas à forma como mulheres e homossexuais são tratados no país.

A homossexualidade é proibida por lei no Catar, e a punição variaabrir betanomultas à penaabrir betanomorte. Em declarações recém-publicadas pela emissora alemã ZDF, um dos embaixadores da Copa catari, Khalid Salman, afirmou que relações entre pessoas do mesmo sexo "são 'haram' (proibidas) porque danificam a mente".

Ao mesmo tempo, diversas autoridades têm destacado que o Catar estáabrir betanoprocessoabrir betanoreformas eabrir betanoabertura social e política, e que "todos são bem-vindos" à Copa do Mundo. Dito isso, o executivo-chefe da organização da Copa, Nasser al-Khater, declarou também que o governo não pretende mudar as leis relacionadas à homossexualidade e pediu que visitantes "respeitem nossa cultura".

Quanto às mulheres, o conservadorismo social e religioso no país as força a serem submetidas a uma espécieabrir betanotutoria por parteabrir betanohomens - e só com a permissão masculina podem se matricular numa universidade, por exemplo.

"É como ser menorabrir betanoidade a vida inteira", disse à BBC a catari Zeinab (nome fictício, para protegerabrir betanoidentidade), que hoje mora no Reino Unido.

"Para cada grande decisãoabrir betanovida, você precisaabrir betanoautorização explícita por escritoabrir betanoum guardião homem, geralmente o seu pai, mas se ele não estiver vivo, então é o seu tio, irmão ou avô. Se você não tiver autorização, não pode tomar nenhuma decisão - seja entrar na universidade, estudar no exterior, viajar, se casar, se divorciar."

Aposta milionária na candidatura

Por fim, na raizabrir betanotoda a discussão está a própria escolha do Catar como sede da Copa por parte da Fifa,abrir betanodetrimento dos demais países candidatos (Japão, Austrália, Coreia do Sul e Estados Unidos).

Crédito, PA Media

Legenda da foto, Gianni Infantino, presidente da Fifa, e o emir Tamim bin Hamad Al Thani, do Catar,abrir betanofotoabrir betanoabril deste ano; país investiu muito dineiro na candidatura para a Copa, aindaabrir betano2010

O Catar nega que tenha havido qualquer tipoabrir betanocorrupção na campanha do país perante a Fifa, e uma investigação interna do comitêabrir betanoética da federação não identificou irregularidades.

Mas uma investigação do Departamentoabrir betanoJustiça dos EUA tornada públicaabrir betano2020 acusou três membros do comitê executivo da Fifa - entre eles o brasileiro Ricardo Teixeira -abrir betanoterem recebido suborno para votar tanto no Catar para a Copaabrir betano2022 como na Rússia para o torneioabrir betano2018.

Ricardo Teixeira negou as acusações na época, eabrir betanodefesa afirmou que se tratavaabrir betanouma retaliação americana por ele ter votado no Catar, e não nos Estados Unidos, para sediar a Copa.

O jornalista David Conn lembra que, dos 24 membros do comitê executivo da Fifa com votoabrir betano2010, mais da metade foram indiciados sob acusações diversasabrir betanocorrupção ou banidos do futebol por quebraabrir betanoconduta ética. No entanto, Conn não acha que isso baste para explicar a escolha do Catar para a Copaabrir betano2022.

"É errado achar que a candidatura foi vencedora por contaabrir betanoenvelopes cheiosabrir betanodinheiro", ele explica no programa da BBC Radio 4.

Conn e seus entrevistados argumentam que a estratégia do Catar foi fazer uma campanha milionáriaabrir betanofavorabrir betanosua candidatura - incluindo o então presidente francês, Nicolas Sarkozy.

Seguindo Joseph Blatter, a pressão teria incluído também o ex-jogador francês Michel Platini - então presidente da Uefa, confederação do futebol europeu. Platini sempre negou a afirmação.

Não por coincidência, eles argumentam, o fundoabrir betanoinvestimentos Qatar Sports Investments posteriormente adquiriu o clube francês Paris Saint-Germain.

O Catar também investiu na épocaabrir betanoembaixadoresabrir betanopeso para promoverem a candidatura do país, como o ex-jogador francês Zinedine Zidane e o técnico Pep Guardiola. Há estimativas que indicam que o Catar teria gasto mais com embaixadores do que todos os demais países gastaramabrir betanotodo o custeioabrir betanopromoção daabrir betanocandidatura.

'Segurança pela notoriedade'

Rebatendo as críticas recebidas nos últimos anos, o emir do Catar, Tamim Ibn Hamad Al-Thani, disse que "há décadas, o Oriente Médio sofre discriminação, e descobri que essa discriminação vemabrir betanogrande parteabrir betanopessoas que não nos conhecem e,abrir betanoalguns casos, se recusam a nos conhecer".

O emir afirmou estar "orgulhoso do desenvolvimento, reforma e progresso"abrir betanoseu país.

Mas, com tantas acusações, vai valer a pena para o Catar ter ficado sob os holofotes?

Tanto Rússia como Brasil, sede dos dois torneios anteriores, viramabrir betanosituação social, política e econômica ficar ainda mais complexa depois da Copa do Mundo.

Chris Doyle diz que tudo dependeráabrir betanocomo transcorrerá a Copaabrir betanosi, mas ele lembra que o Catar já passa por um processo enormeabrir betanomudanças, embora continue sendo uma sociedade bastante conservadora.

"Há muitos que acham que talvez a Copa tenha vindo cedo demais para o Catar, que o país precisaria ter tido mais dez ou 20 anosabrir betanoum processoabrir betanoreformas graduais, debate sobre questões tabu como a LGBT. (...) Mas também falta entendimento (internacional) da enorme jornada pelo qual o país passou"abrir betanotermosabrir betanoabertura econômica, social e política eabrir betanoinfraestruturaabrir betanopoucas décadas, detalha Doyle.

"O Catar é irreconhecívelabrir betanoquando eu estive lá pela primeira vez, nos anos 1990. As pessoas dizem que o ritmoabrir betanomudança é tamanho que se você passar seis meses fora não saberá mais como o sistema viário funciona quando você voltar."

É possível que alguns ganhos, inclusive, já tenham ocorrido. O jornalista investigativoabrir betanoesportes Tariq Panja lembrou, no documentário da BBC Radio 4, a crise diplomática vividaabrir betano2017 pelo Catar, quando seus vizinhos Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Bahrein acusaram o governo catariabrir betanopatrocinar terrorismo e impuseram um bloqueio comercial que durou quatro anos.

Panja acha que a notoriedade dada pela Copa do Mundo foi crucial para o Catar obter apoio internacional.

"Se ninguém tivesse ouvido falar desse lugar (o Catar), a gente se importaria com o caso? Acho que não. Talvez (a Copa) dê segurança pela notoriedade. Não é só o Catar, é 'o Catar, sede da Copa'. Algo que carrega certo poder."

- Este texto foi publicado em http://vesser.net/internacional-63662704

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