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'Invasão da Ucrânia pela Rússia é tão irracional que vai além da Guerra Fria', diz historiador:
BBC News Mundo - Estamos assistindo ao iníciouma nova Guerra Fria?
James Hershberg - Claramentealguns aspectos. Há importantes semelhanças, mas também há diferenças entre o que está começando e a antiga Guerra Fria.
Sobre as semelhanças, não há dúvidasque a agressividadePutin e da Rússia ao invadir a Ucrânia está estimulando uma reação do restante do mundo,especial do Ocidente. Ou seja, da Europa e da América do Norte, muito comparável ao que ocorreu após a Segunda Guerra Mundialresposta à agressividade soviética no Leste Europeu e no Oriente Médio.
Isso, combinado com o bloqueioBerlin por Stalin (Joseph Stalin, ex-líder russo), foi o que estimulou a criação da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar ocidental)1949. E como escrevi no artigo na revista Foreign Affairs, a açãoPutin está criando uma Otan mais forte, mais unificada e provavelmente maior que se aproximarásuas fronteiras.
Agora, uma diferença importante da Guerra Fria é que a União Soviética após a Segunda Guerra Mundial supostamente adotou uma ideologia do marxismo, leninismo, socialismo e comunismo, enquanto Putin defende nada além do poder russo. Portanto, não há apelo nas ideias que a Rússia representa além da própria Rússia.
E, claro, também existem outras diferenças (entre o conflito do passado e o atual).
BBC News Mundo - Alguns estudiosos argumentam que o novo enfrentamento entre Moscou e o Ocidente pode ser ainda mais perigoso e imprevisível que a Guerra Fria. Isso é possível?
Hershberg - É muito possível. Putin está fazendo até com que (o ex-líder soviético) Nikita Khrushchev pareça relativamente estável e racional quando comparado a ele. A açãoPutin é tão irracional eameaça nuclear é tão provocativa que vai além do que aconteceu durante a Guerra Fria.
Além disso, a tecnologia oferece mais oportunidadesação internacional e até global ao alcanceMoscou, sobretudo por meio da internet.
Até Stalin foi relativamente cauteloso. Ele cometeu erros como autorizar o bloqueioBerlim (quando os soviéticos impediram o enviosuprimentos à cidade, que se localizava na parte da Alemanha dominada pela URSS, antes da construção do muro, entre 1948 e 1949) ou autorizar que a Coreia do Norte atacasse a Coreia do Sul, mas tomou muito cuidado para não provocar uma guerra com o Ocidente,especial com os Estados Unidos, que têm uma inegável superioridade nuclear.
Não está claro o quanto Putin ficará desesperado. Porque ele não vai admitir a derrota, que seria uma completa humilhação para ele, por isso é muito possível que ele possa intensificar (o conflito).
BBC News Mundo - O Sr. é um especialista na crise dos mísseisCuba (quando mísseis nucleares foram colocados na ilha pela União Soviética por temoruma invasão americana). E acaboumencionar Khrushchev. O Sr. acredita que as tensões entre Washington e Moscou atualmente estãoseu nível mais alto desde aquela época,1962?
Hershberg - Sim. Quero dizer, estamosmeio a uma segunda crisemísseisCuba,certa forma.
Agora, uma coisa importante é que Joe Biden (presidente dos Estados Unidos) e a Otan deixaram muito claro que não vão participar diretamenteações militares na Ucrânia.
Mas também está claro que eles vão fornecer e estão fornecendo armas ao governo legítimo da Ucrânia.
Se Putin ficar desesperado e fracassaruma guerra prolongada, ninguém pode dizer se ele usará a força, por exemplo, ao longo da fronteira entre a Ucrânia e países da Otan, como Polônia e Romênia, por onde as armas podem ser infiltradas.
Sobre 1962, embora Khrushchev tenha cometido um erro claroprovocação ao enviar armas nucleares a Cuba, ele agiuforma mais ou menos coerente, quando as armas foram descobertas, para tentar reduzir os riscos e evitar uma guerra nuclear, embora o perigouma escalada acidental para uma guerra nuclear tenha existido na crise dos mísseis.
BBC News Mundo - Do pontovista da Rússia, a expansão da Otan para o Leste Europeu após o fim da Guerra Fria prejudicou a relaçãoMoscou com o Ocidente. Isso poderia ser evitado?
Hershberg - É difícil dizer. Curiosamente, no começo dos anos 2000, logo após se tornar líder da Rússia, substituindo Boris Yeltsin, Putin fez uma sériecomentários nos quais aceitava a expansão da Otan como legítima. Ele até disse que caberia à Ucrânia decidir se queria se juntar à Otan.
É difícil fazer um julgamento completamente negativo, porque a Hungria e a antiga Tchecoslováquia haviam sido invadidas pela União Soviética. A Polônia havia sido ameaçadainvasão e a União Soviética pressionou o governo comunistaVarsóvia para suprimir o movimento sindical Solidariedade1981.
E os países bálticos foram incorporados à força na União Soviética1940, após o pacto Hitler-Stalin.
Os russos têm razão quando dizem que George H.W. Bush prometeu a Mikhail Gorbachev1990 que a Otan não se expandiria para o Leste. Mas também é correto afirmar que os países que pediram para entrar na Otan tinham razões históricas para que se sentissem ameaçados por terem a Rússia como vizinha.
Então, era uma escolha difícilqualquer direção. Você provoca a Rússia ou nega proteção aos países que foram vítimasMoscou durante os tempos soviéticos? Trata-seum dilema difícil.
BBC News Mundo - Em seu artigo na revista Foreign Affairs, o Sr. argumenta que Putin agora repete os erros soviéticos. Por quê?
Hershberg - Não está claro. Menciono Putin dizendo que2000 admitiu que a invasão soviética da Hungria1956 e da Tchecoslováquia1968 foram erros graves que contribuíram para o crescimento da "russofobia" no Leste da Europa.
E ele temestar cientequeação contra a Ucrânia vai aprofundar a "russofobia"todo o Leste da Europa, assim como na periferia russa.
Por isso há quem suspeite que o verdadeiro objetivoPutin poderia não ter tanto a ver com a Otan, mas com a Ucrânia voltandoorientação social, cultural e econômica para o Oeste, para a Europa, e se afastando da Rússia desde 2014 com a RevoluçãoMaidan; Putin, por seu legado, queria envolver a Ucrânia como parte do Império Russo.
Não está claro quanto o seu motivo é defensivo e quanto agressivo, querendo que o retorno do Império Russo, incorporando Belarus, a Ucrânia e possivelmente mais países.
É nesse ponto que a coisa se torna muito perigosa, porque há minorias russasmuitos dos países que faziam parte da União Soviética, que agora são países independentes que cercam a Rússia, não apenas nos países bálticos, mas também Ásia Central, Moldávia e Cáucaso.
BBC News Mundo - O Sr. também mencionou momentos da Guerra Fria que considera que foram erros soviéticos, como a invasão da Coreia do Sul pela Coreia do Norte, levando o Ocidente a aceitar que a Alemanha Ocidental se armasse. Ou a invasão da Hungria1956, que "lembrou à aliança (Otan) por que ela existia". Ou a guerra no Afeganistão, que enfraqueceu a União Soviética. O Sr. vê resultados semelhantes agora?
Hershberg - É muito cedo para prever resultados semelhantes. Mas há algumas dinâmicas comparáveis, porque a invasão da Ucrânia fortaleceu a Otan quando ela estava muito enfraquecida após o seu fracasso no Afeganistão e o impacto da presidênciaquatro anosDonald Trump nos Estados Unidos, que odiava a Otan.
Putin tornou a Otan muito mais eficazsuas ações e provavelmente fará com que ela cresça, já que pelo menos um ou mais países neutros desde o fim da Segunda Guerra Mundial agora podem se sentir suficientemente ameaçados a pontoingressar na Otan. A Finlândia é o exemplo mais importante disso.
De muitas maneiras, isso seria uma represália perfeita para demonstrar à Rússia o quanto a açãoPutin foi contraproducente.
Quanto ao Afeganistão, se essa guerra se transformaruma ocupação russa da Ucrânia, certamente haverá uma insurgência ucraniana que pode durar anos.
E assim como a maior operação da história da CIA (agênciainteligência dos EUA) foi enviar armas e infiltrar combatentes mujahideen no Afeganistão, com a ajudaoutros países, essa poderia ser a dinâmica da infiltraçãocombatentes e armas pelos países da Otan que fazem fronteira com a Ucrânia, como Polônia e Romênia.
O incrível espíritoresistência que os ucranianos estão demonstrando indica que a missão russaderrotar a Ucrânia militarmente é extremamente difícil.
BBC Mundo - A Guerra Fria certamente foi muito intensalugares como a América Latina, onde houve confrontos armados entre forças apoiadas por ambos os lados…
Hershberg - Essa é uma diferença interessante, porque Putin não defende nada além do poder da Rússia, enquanto durante a Guerra Fria, a União Soviética, e depois a República Popular da ChinaMao Tse Tung, apoiaram a causa da revolução, enviaram armas aos movimentos anti-imperialistas e anticolonialistas na África, Ásia e, mesmo queum grau limitado, tentaram fazer isso na América Latina.
Não vai haver movimentos pró-Putin ou pró-russos que busquem o podernenhum outro lugar do mundo. Pode haver algumas circunstâncias limitadas como na Coreia do Norte ou no Irã, onde a Rússia tem um relacionamento baseadorealidadespoder, mas não há dimensão ideológica nisso.
Portanto, não vejo a dinâmica da Guerra Fria surgindo agoraconflitos menoresdiferentes continentes, como nos quais Estados Unidos e a União Soviética apoiavam lados opostos.
BBC Mundo - Qual será o papel da Chinatudo isso?
Hershberg - Essa é uma pergunta muito interessante porque a China está tentando um equilíbrio: não quer apoiar abertamente a invasão e enfrentar os países da Europa e da América do Norte a pontocolocarperigo seu comércio com eles, mas também não está disposta a se opor diretamente à invasãoPutin ou a apoiar as sanções contra a Rússia (que têm sido aplicadas por diversos países).
Então, eles tentam ficar dos dois lados. Mas,certa forma, e isso é mais especulativo, muitas pessoas suspeitam que se Putin for capazinvadir e tomar a Ucrânia, isso poderiaalguma maneira animar o (presidente chinês) Xi Jinping e os chineses a invadir e finalmente tomar Taiwan.
Mas, inversamente, a ferocidade da resistência ucraniana e a intensidade das sanções contra a Rússia pelo restante do mundo podem ter um efeito desestimulantePequim.
Se os chineses estavam pensando seriamenteusar a força para tentar conquistar ou reconquistar Taiwan, creio que agora é menos provável que façam isso porque estão vendo como a aventuraPutin se tornou custosa.
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