Petróleo a US$ 100 e trigoalta: guerra na Ucrânia piora cenário para inflação no Brasil:

Crédito, Victor Moriyama/Getty Images

Legenda da foto, Escalada da crise na Ucrânia pode resultaralta dos combustíveis no Brasil

Até o dólar, que havia fechado a quarta-feira cotado a R$ 5, no menor valor desde junho2021, inverteu a tendência, e já é negociado acima dos R$ 5,10.

O combo formado por petróleo, grãos e dólaralta, resultado da escalada da crise ucraniana, torna ainda mais complicado o cenário para a inflação no Brasil2022.

Segundo analistas, o movimento pode resultaralta dos combustíveis, dos custos industriais ealimentos básicos como pão e carnes, já que os grãos como milho e soja são utilizados na ração animal.

A magnitude dos reajustes, no entanto, vai depender da duração e da gravidade da crise no leste da Europa, já que os agentes do mercado devem se manterespera durante esse primeiro momentoforte volatilidade, para aguardar os desdobramentos da guerra.

O choque internacional acontece num momentoque as coisas já não iam bem para a inflação brasileira.

Na quarta-feira, o IPCA-15, prévia da inflaçãofevereiro, surpreendeu com uma alta0,99%, acima das expectativas dos analistas (0,87%) e maior resultado para o mês desde 2016, com altapreços maiores do que o esperadoserviços e bens duráveis, como automóveis, eletroeletrônicos, eletrodomésticos e móveis.

Com as novas incertezas, as expectativas para o IPCA (Índice NacionalPreços ao Consumidor Amplo), medida oficialinflação do país, devem continuaralta.

Na segunda-feira, os analistas previam avanço5,56% para o IPCA2022, após seis semanasrevisões para cima da mediana das projeções no boletim Focus do Banco Central, que semanalmente consulta os economistas quanto às suas estimativas para a economia.

Com os cenários internacional e inflacionário mais turvos, o Banco Central tem um desafio a mais para definir os rumos da política monetária brasileira.

A maioria dos agentes vê a Selic (taxa básicajuros da economia brasileira) indo a 12,25% até maio, mas com a surpresa negativa do IPCA-15 na quarta, já há quem enxergue a taxa indo a 12,75%, caso por exemplo do banco Credit Suisse. Atualmente, a taxa está10,75%.

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Petróleo acimaUS$ 100

Os preços do petróleo do tipo Brent superaram os US$ 104 por barril durante as negociações desta quinta-feira, enquanto o WTI (referência do mercado americano) se aproximou dos US$ 100.

A Rússia é o segundo maior exportador do óleo no mundo, atrás apenas da Arábia Saudita, e o terceiro maior produtor. Também é o principal exportador e segundo maior produtorgás natural, respondendo por 41% do gás importado pela União Europeia.

Assim, uma guerra envolvendo o país provoca temores quanto à oferta desses insumos no mundo, num momentoque a produçãopetróleo e gás já vinham sendo insuficiente para acompanhar o aumento global da demanda.

"Esse ano, independentemente da guerra na Ucrânia, já seria um anopetróleo caro, porque a oferta está crescendo menos do que a demanda, pois nos últimos cinco a seis anos, os grandes produtores internacionais investiram muito poucoexploração e produção, devido às pressões ambientalistas e à pandemia", observa Adriano Pires, diretor do CBIE (Centro BrasileiroInfraestrutura).

Com uma Opep (Organização dos Países ExportadoresPetróleo) empoderada pela restriçãooferta, a expectativa inicial já era do barril na casa dos US$ 90. Com a guerra na Ucrânia, formou-se a "tempestade perfeita" para ir acima dos US$ 100.

Pires observa, porém, que a altapreços do petróleo não étodo negativa para o Brasil, já que o país é produtor do óleo e um preço mais alto do barril aumenta a arrecadaçãoimpostos pelo governo federal, Estados e municípios.

Por outro lado, como a Petrobras reajusta os combustíveis seguindo o movimento dos preços internacionais do petróleo, o analista reconhece que o reajuste deve ser inevitável nas próximas semanas, mesmo com a recente valorização do real, que serve como um contrapeso.

"A Petrobras está há 43 dias sem reajustar combustíveis. A coisa boa nesse período é que o câmbio valorizou, chegou a bater abaixoR$ 5. Isso ajuda que a defasagem [de preços do mercado interno com relação ao internacional] fique menor, por outro lado o petróleo está subindo", observa.

"Mas, num momentoforte instabilidade do petróleo e do dólar, a Petrobras não deve sair anunciando um aumento agora, deve esperar para ver como fica a guerra, para ver qual será o novo patamarpreços", afirma.

Segundo Pires, a pressão nos preços internacionais do petróleo pode acelerar a tramitação no Senadotrês projetos relacionados ao mercadocombustíveis: o PLP 11/2020, que determina alíquota unificada para o ICMS sobre combustíveis; o PL 1.472/2021, que cria uma conta para financiar a estabilização dos preços; e a PEC 1/2022, apresentada pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT), que propõe a reduçãoimpostos sobre combustíveis. Os dois primeiros têm votação prevista para depois do Carnaval.

Pires, no entanto, não acreditaalguma intervenção mais dura do governo na políticapreços da Petrobras, mesmo diante das reiteradas mostraspreocupações do presidente Jair Bolsonaro (PL) com a alta dos combustíveis num ano eleitoral.

"Acredito que o único cenárioque o governo tomará uma posição intervencionista é se o barril for a US$ 150, US$ 200. Mas daí não será apenas o governo brasileiro, o mundo inteiro deverá impedir que isso chegue ao consumidor, porque é impagável", diz o analista.

Trigo, milho e sojaalta

Rússia e Ucrânia são respectivamente o primeiro e o quinto maiores exportadorestrigo do mundo e respondem juntos por mais15% do comércio globalmilho, o que explica a forte alta das duas commodities agrícolas nesta quinta-feira.

"Pelo menos nos próximos dias, os preços devem se manter pressionados, até que se tenha uma definição do que realmente vai acontecer", avalia Roberto Sandoli, analistagrãos da consultoria hEDGEpoint.

Segundo ele, se as retaliações à invasão russa se restringirem a sanções, essa tendênciaalta pode perder força.

Crédito, FEDERICO PARRA/Getty Images

Legenda da foto, Milho é outro produto que pode ser pressionado pelo atual conflito na Europa

Mas, se a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) decidir enviar tropas à Ucrânia, no que vem sendo considerado um cenáriouma "Terceira Guerra Mundial", a pressão tende a se perpetuar.

Sandoli explica que o Brasil compra trigo da Argentina, país que fornece o produto a regiões também abastecidas por Rússia e Ucrânia, como o sul da Ásia e o norte da África.

"Se tivermos um cenárioguerra onde Rússia e Ucrânia paremfornecer trigo, os compradores vão buscar outras origens, como a Argentina. Isso acaba impactando toda a precificaçãoimportação e deixa o câmbio mais estressado", observa o analista, destacando ainda a pressão sobre o mercadosoja, devido à competição do produto com o óleogirassol, do qual a Ucrânia é o maior exportador global.

"Se essa situação se estender, o consumidor vai começar a sentir", diz Sandoli, destacando os impactos sobre a ração animal e sobre a produçãopães e massas alimentícias.

Segundo o analista, se a crise escalar ainda mais, a pressão para os consumidores pode vir não só via preço, mas também via abastecimento.

"Os compradores começam a sair correndo, por uma questãosegurança alimentar. Todo mundo sai comprando. Já vimos isso no começo da pandemia, quando os preços subiram absurdamente", observa o especialista, ponderando, porém, que não considera esse o cenário mais provável no momento atual.

No Brasil, soma-se a esse quadro internacional estressado as quebrassafrasoja e milho no Sul do país devido à seca neste inícioano.

Por outro lado, a valorização recente do realrelação ao dólar também ajuda a situação do mercadoalimentos. Isso porque, com o real mais forte, fica mais barato para o Brasil importar commodities, mesmo que elas estejam mais caras devido às possíveis restriçõesoferta.

Ainda no campo do agronegócio, outro fatorpreocupação são os fertilizantes, já que o Brasil importa mais20% desses produtos da Rússia. Também aqui uma restriçãooferta no mercado globaldecorrência da guerra pode pressionar os custos dos produtores brasileiros, forçando-os a repassar a pressão aos preços.

E a inflação e os juros com tudo isso?

Para André Braz, coordenador índicespreços no Ibre-FGV (Instituto BrasileiroEconomia da Fundação Getulio Vargas), o reajustecombustíveis pela Petrobras é inevitável e deve afetar a inflação este ano.

"A gente concentra muito as análisescombustíveis, mas é preciso lembrar que o petróleo é matéria-prima para vários setores, para a indústria química, para o agronegócio devido aos fertilizantes. Então o preço do petróleo afeta a economia como um todo, num momentoque já tínhamos diversas cadeias produtivas com gargalosprodução", observa Braz.

"Essas cadeias podem agora sofrer gargalos ainda mais profundos, à medida que essa guerra se aprofunde e os países não entrem num acordo", avalia.

Além disso, o cenárioguerra muda a estratégia dos investidores internacionais e pode pôr fim à movimentação recentevalorização do real, o que também pode pressionar os preços.

"O fluxoentradarecursos aqui, que era mais capital especulativo, tentando explorar o diferencialjuros, pode agora buscar destinosmaior proteção, como economias mais sólidas", afirma Braz.

"Então não necessariamente esse fluxo vai continuar e nossa moeda pode não manter a valorização acumulada no período recente."

O pesquisador da FGV avalia, no entanto, que esse aumento das pressões inflacionárias não necessariamente vai fazer o Banco Central brasileiro subir mais juros. Isso porque, a partirum determinado nível, os juros impõem uma paralisação muito forte da economia.

Além disso, o crescimento global também pode ser comprometido pela guerra na Europa, o que pesaria sobre a atividade econômica interna.

"Há um limite para o que a política monetária pode fazer, porque um juro cada vez mais alto significa crescer cada vez menos esse ano", diz Braz, lembrando ainda que os juros visam conter a demanda, mas grande parte da pressão atualpreços vem da ponta da oferta, não sendo afetada por aumentos adicionais da Selic.

"Não adianta querer botar a Selic a 12,75% por conta dessa guerra, até porque aumentos da taxa básica levamseis a nove meses para afetarem a economia. Então, se eu aumento muito, esse aumento não vai bater agora, mas lá no fim do ano, quando o cenário já será outro", conclui o analista.

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