Vacinação contra covid: 5 perguntas definem quantas doses tomaremos no futuro:

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Legenda da foto, Por ora, não há qualquer definição se as vacinas contra a covid-19 precisarão ser aplicadas todos os anos

1. Quanto tempo dura a imunidade após a terceira dose?

Com exceção da Janssen, todas as outras vacinas contra a covid-19 utilizadasboa parte do mundo tinham um esquema inicial com duas doses.

Esses produtos foram testados e aprovados com um objetivo principal: diminuir o riscodesenvolver as formas mais graves da doença, que estão relacionadas à hospitalização e morte.

E, como erase esperar, o avanço da campanhavacinaçãovários países foi seguido por uma queda importante nos casos, nas internações e nos óbitos relacionados à infecção pelo coronavírus.

No segundo semestre2021, porém, algumas pesquisas começaram a indicar que a resposta imune obtida após a aplicação das duas doses diminuía com o passar do tempo — no caso da CoronaVac, por exemplo, foi observada uma queda importante nos anticorpos entre quatro e seis meses depoiscompletado o esquema vacinal primário.

Esses estudos fizeram com que alguns países logo adotassem a políticaoferecer uma terceira dose, primeiro para idosos e indivíduos com sistema imune comprometido, depois para todos os adultos.

Embora essa decisão não fosse consenso entre toda a comunidade científica até novembro, a necessidadeuma terceira dose virou quase unanimidade com o aparecimento da ômicron no final2021.

Um dos motivos para isso é o fatoa variante carregar uma quantidade considerávelmutações genéticas na proteína S, sigla para spike (ou espícula,português), a estrutura do coronavírus que se conecta às nossas células e dá início à infecção.

O grande problema é que as principais vacinas disponíveis, como asPfizer, AstraZeneca e Janssen, são baseadas justamente na tal da espícula do vírus "original", detectado inicialmenteWuhan, na China, no final2019.

Ou seja: uma transformação importante na espícula, como aconteceu com a ômicron, pode significar que a resposta imunológica obtida após a vacinação deixefuncionar tão bem como observado até então, e não consiga mais identificar e barrar as novas versões virais.

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Legenda da foto, A espícula (estrutura vermelha) se conecta com receptores da célula (estrutura azul) para dar início à infecção

Na prática, as vacinas realmente perderam parteseu poder diante dessa nova variante. No caso do imunizante da AstraZeneca, por exemplo, cientistas do Imperial College, do Reino Unido, calcularam que a efetividade das duas doses contra a infecção sintomática pela ômicron despenca para 0 a 20% (antes, ela alcançava até os 90%).

A boa notícia é que esse mesmo grupo observou que dá para restaurar boa parte dessa proteção com uma terceira dosevacina: no estudo, após o reforço, a efetividade subiu novamente para 55 a 80%. O mesmo fenômeno também ocorreu com outros imunizantes.

"Sabemos que a ômicron adquiriu maior resistência às vacinas, mas ela não é completamente resistente. Ela consegue escapar parcialmente dos anticorpos, mas ainda há uma proteção importante, especialmente após as três doses", avalia o virologista Flávio da Fonseca, professor da Universidade FederalMinas Gerais.

"As vacinas que temos agora estão funcionando, com alta proteção contra hospitalizações e óbitos. E é justamente isso o que nós queremos delas", concorda a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto SabinVacinas, nos Estados Unidos.

Os dadosvida real mostram a importância das três doses, como revelam os gráficos do sistemasaúdeNova York, também nos EUA. Nas duas primeiras semanasjaneiro, é possível observar cinco vezes mais casoscovid, sete vezes mais hospitalizações e cinco vezes mais mortesindivíduos que não foram vacinados na cidade.

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Legenda da foto, Em Nova York, a taxahospitalizaçõesnão vacinados (linha roxa) é quase sete vezes maior do que avacinados (linha laranja)

Mas aí vem a grande pergunta: a proteção da terceira dose dura quanto tempo? Será que ela também vai cair daqui a alguns meses, como observado após o esquema primário com as duas aplicações? Se sim, haverá necessidadeum novo reforço vacinal? Por ora, ninguém tem certeza sobre essas questões.

Numa entrevista recente, o imunologista Anthony Fauci, líder da resposta à pandemia nos Estados Unidos, apresentou algumas sugestões do que pode acontecer.

"Penso que após a primeira, a segunda, a terceira e, quem sabe, a quarta dose, é provável que tenhamos um nívelproteção que pode transformar a covid num quadro leve, ou sem sintomas. E aí o coronavírus ficará cada vez mais próximooutros causadores do resfriado comum", projeta.

O médico José CassioMoraes, professor da FaculdadeCiências Médicas da Santa CasaSão Paulo, aponta algumas incertezas sobre esse cenário futuro. "Nós ainda não temos um correlatoproteção, ou seja, qual é a quantidadeanticorpos que precisamos para não pegarmos a covid."

"Precisamos observar os próximos meses, para conferir se essa diferençaproteção que vemos hoje entre vacinados e não vacinados diminui ou se ela se mantém com o passar do tempo" complementa o especialista, que também representa a Associação BrasileiraSaúde Coletiva (Abrasco).

E vale lembrar aqui que nem sóanticorpos vive a resposta imunológica. Existem várias camadasproteção que também ajudam a eliminar os agentes invasores do organismo.

"Fazer anticorpos e manter as 'fronteiras fechadas' é algo muito custoso para o corpo. Se o vírus não aparece, é natural que esse sistema se desmantele após algum tempo", ensina o clínico e imunologista Eduardo Finger, coordenador do LaboratórioPesquisa Experimental do Hospital Alemão Oswaldo Cruz,São Paulo.

"Mas essa expertise não se perde. Ela fica 'guardada' nas célulasmemória do sistema imune, que são ativadas e montam uma resposta rapidamente caso o vírus apareça. Com isso, a pessoa pode até se infectar, mas o patógeno não vai ter acesso livre aos órgãos vitais", completa.

É justamente isso que parece estar acontecendo agora: pessoas que tiveram covid anteriormente ou estão vacinadas com duas ou três doses até pegam a ômicron, mas na grande maioria das vezes os sintomas são mais leves e não ocorrem grandes complicações pulmonares. Ou seja: nesses casos, o vírus até conseguiu escapar da primeira barreiraproteção (os anticorpos), mas logo as célulasmemória são ativadas e impedem um mal maior.

Legenda do vídeo, Por que vacinados ainda podem pegar covid (e não é falha do imunizante)

2. As vacinas disponíveis continuam a funcionar contra as novas variantes?

Como você conferiu nos parágrafos anteriores, as vacinas até perdem um poucoefetividade diante da ômicron, mas continuam a evitar hospitalizações e mortes. Porém, nada garante que o mesmo vá acontecer com as próximas variantes.

Os cientistas esperam que novas versões do coronavírus surjam ao longo dos próximos meses. Durante o processoreplicação nas células, o patógeno sofre mutações aleatórias a todo momento. Boa parte dessas alterações genéticas não dánada, mas há uma parcela delas que resultamelhorias (ao menos do pontovista do vírus) na capacidadetransmissão,escape imunológico ouagressividade.

Nada garante, portanto, que as novas linhagens consigam driblar ainda melhor a proteção obtida com as vacinas atuais e levem a um novo aumento nos casos, nas internações e nas mortes por covid.

Na visãoFonseca, que também é presidente da Sociedade BrasileiraVirologia, a boa notícia é que a ômicron se tornou tão predominantetodo o mundo que há grandes chancesa próxima variante se originar a partir dela.

Esse fenômeno ainda não aconteceu até agora: todas as variantespreocupação detectadas tiveram uma origem independente. Ou seja: a delta não surgiu diretamente da gama, e a beta não é derivada da alfa.

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Legenda da foto, Ômicron não será a última variante do coronavírus a aparecer, garantem os especialistas

Mas, dado o potencialespalhamento e a circulação da ômicron, é provável que a próxima versão do coronavírus seja parecida com ela.

"Se a 'receita' da ômicron deu certo, a tendência é que as próximas variantes mantenham esse cursomenor letalidade", aposta Fonseca.

Mas o que acontece se surgir um coronavírus com mutações que escapam totalmente das vacinas? Daí sim será necessário realmente atualizar os produtos que temos à disposição.

Não existe, porém, um limiar definidoquando isso pode acontecer — no início da pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu que os imunizantes deveriam ter uma eficácia mínima50% contra os casos mais graves para serem aprovados.

"Conforme surgirem as variantes, vamos ter que pesar os riscos e os benefícios das vacinas que temos à disposição", antevê Moraes.

"Se a efetividadeuma delas cai90% para 80%, não me parece ser algo tão grave. Agora, se essa taxa diminuir para 20%, será necessário ter novas vacinas", complementa o médico.

3. Qual a capacidade das farmacêuticas e dos governosatualizar, testar, aprovar, fabricar e distribuir as novas vacinas?

Vale lembrar que as tentativasatualizar as vacinas estãocurso. Recentemente, representantes das farmacêuticas Pfizer e Moderna disseram que desenvolvem novas versõesseus produtos para barrar a ômicron. A expectativa é que os resultados dos testes sejam divulgados no próximo mêsmarço.

O problema é que, até lá, a atual ondacasos, hospitalizações e mortes já deve ter arrefecidoboa parte do planeta. Será que faz sentido então criar um produto específico contra essa variante?

Numa coletivaimprensa realizada recentemente, Fauci avaliou que buscar novos imunizantes contra a ômicron é "prudente", mas talvez eles nem sejam necessários.

"Faz sentido ao menos pensardosesreforço que mirem a ômicron. Talvez nem precisemos delas, mas é prudente nos prepararmos para a possibilidadeque essa seja uma variante persistente, que precisaremos continuar a enfrentar", comentou.

Finger concorda. "A ômicron é tão infectante e rápida que talvez ela acabe com o númeropessoas suscetíveis antesmarço."

"Mesmo assim, ainda existem indivíduos que poderiam se beneficiaruma quarta dose ouuma vacina específica contra essa variante", acrescenta.

Em tese, a atualização das vacinasmRNA (como asPfizer e Moderna) nem é tão complicada assim: basta trocar a sequência genética,modo que ela fique mais parecida à espícula da ômicron. Esse processo pode ser feito no laboratóriopoucos dias.

O que demora mesmo é a próxima etapa: avaliar as novas versões dos imunizantes.

"Como falamosvacinas novas, é preciso ter um cuidado um pouco maior e fazer estudos, que demoramtornodois meses, para acompanhar se as atualizações são eficazes e seguras", diz Moraes.

E, mesmo se os testes forem bem-sucedidos, há ainda a etapaaprovação com as agências regulatórias, a fabricação das doses e a distribuição delas, o que certamente acrescenta mais alguns meses nessa conta.

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Legenda da foto, O processocriação, aprovação e produçãovacinas atualizadas pode levar cercaseis meses

Se as vacinas atualizadas forem realmente necessárias, será que é possível acelerar todo esse processo,modo que o produto fique disponível a tempoaliviar o impacto das novas variantes?

A vacinação contra a gripe pode servirmodelo nesse contexto. Todos os anos a OMS monitora as cepas do vírus influenza que estão circulando com mais intensidade e recomenda qual deve ser a composição do imunizante que será utilizado pelos países.

Geralmente, a formulação vacinal contra a gripe para o Hemisfério Norte é divulgadafevereiro/março e, para o Hemisfério Sul,setembro. Assim, dá tempoos produtores fabricarem as doses e disponibilizá-las no início da temporadafrio, quando os casos da doença costumam aumentar.

Nesse caso, não há necessidadefazer grandes estudos clínicos, já que a mudançaalguns ingredientes (no caso, as cepasvírus que estão incluídas) não altera a segurança do produto.

No Brasil, por exemplo, o responsável por produzir a vacina contra a gripe é o Instituto Butantan, que segue as diretrizes da OMS e entrega todos os anos ao Ministério da Saúde cerca80 milhõesdoses.

Mais uma vez, ainda não dá pra saber se esse esquema anual será necessário também para a covid.

"E, mesmo se a vacina contra o coronavírus precisar ser atualizadaanoano, não haverá a exigênciatestes clínicos toda vez, já que será necessário modificar apenas um componente ou outro da formulação para se adequar às variantescirculação no momento", acredita Fonseca.

As bases para um esquemaatualização das vacinas contra a covid foram lançadas recentemente, numa reunião organizada pela Food and Drug Administration (FDA), dos EUA, e pela Agência EuropeiaMedicamentos (EMA).

No encontro, os representantes das entidades concordaram que "a administraçãomúltiplas dosesreforçocurtos intervalos não é uma abordagem sustentável no longo prazo".

Eles também apontaram que é necessário que a comunidade científica internacional e as farmacêuticas continuem a "buscar alternativas para as vacinas disponíveis atualmente".

Por fim, as instituições concordam que as versões atualizadas dos imunizantes precisam "demonstrar que a resposta imunológica, medida através dos anticorpos neutralizantes, seja superior ao alcançado com as vacinas disponíveis anteriormente".

4. Qual será a sazonalidade da covid e quem estará no público-alvo da vacinação?

Um aspecto que traz outras dúvidas sobre o futuro da vacinação contra a covid é se haverá uma época do anoque a transmissão do vírus será mais alta.

"Como estamos numa situação pandêmica,que os casos acontecem durante o ano todo, ainda não foi possível determinar uma sazonalidade da doença", conta Fonseca.

"Precisamos entender como será o padrãocirculação do coronavírus ao longo do ano pelos continentes", complementa o virologista.

Se levarmosconta o que acontece com outros vírus respiratórios, como os causadoresresfriados e gripe, a tendência é que as infecções se concentrem geralmente entre o outono e o inverno.

Crédito, Erasmo Salomao/Ministério da Saúde

Legenda da foto, Vacinação anual contra a gripe costuma começar no início do outuno, antesos casos começarem a subir

E isso tem mais a ver com o comportamento do ser humano do que com os patógenos:dias mais frios, a tendência é ficarmos mais tempolugares fechados, próximos uns dos outros, o que facilita a transmissão desses agentes infecciosos.

Se esse mesmo padrão se repetir com a covid e houver a necessidadevacinações anuais, a tendência é que as campanhas se concentrem, então, no início do outono, como já ocorre com a gripe.

Outro aspecto que precisará ser discutido é a necessidadevacinar toda a população, ou se apenas alguns grupos mais vulneráveis às complicações da doença, como idosos, gestantes, pessoas com sistema imune comprometido ou crianças, serão contemplados nesse reforço anual.

5. Quais inovações virão com a segunda geraçãoimunizantes?

Por fim, vale destacar que os produtosPfizer, AstraZeneca, Janssen e a CoronaVac, entre outros, são a primeira geraçãovacinas contra a covid-19.

Há uma sériecandidatos a imunizantessegunda geração que estão avançando nos testes atualmente. Alémcontinuarem a proteger contra a doença, eles têm o potencialresolver alguns pontos negativos e deficiências observados nessa primeira leva.

"Uma vacina nova que precisaríamos agora seriam as intranasais, capazesbarrar a infecção pelo coronavírus", diz Garrett.

Ao contrário dos imunizantes atuais, que evitam casos mais graves, hospitalizações e óbitos por covid, a proposta das vacinas intranasais (aplicadasformalíquido ou spray direto nariz) é evitar que o vírus invada as células e dê início à infecção.

Existem vários produtos desse tipoteste e alguns resultados são esperados ainda para 2022.

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Legenda da foto, Vacina intranasal contra a covid facilitaria a aplicação, seria mais acessível a quem tem medoagulhas e poderia evitar infecção pelo coronavírus

Ainda na seara das inovações, alguns laboratórios trabalham na criaçãovacinas que consigam criar uma imunidade contra vários tiposcoronavírus (e não apenas o Sars-CoV-2, o causador da covid).

Já outras farmacêuticas estão desenvolvendo imunizantes conjugados, que prometem trazer numa única dose proteção contra covid e gripe.

Também é possível esperar que os novos produtos causem ainda menos efeitos colaterais, possam ser armazenados ou transportados mais facilmente e garantam uma proteção duradoura.

"Conforme essas inovações forem testadas e aprovadas, poderemos avaliar todos os seus benefícios e conferir se elas vão trazer ganhos ao nosso programa público", acredita Moraes.

"Uma vacina intranasal segura e eficaz que possa ser conservadatemperatura ambiente, por exemplo, traria muitas vantagens", complementa o médico.

E, claro, se a segunda geraçãoimunizantes realmente ganhar espaço, isso também pode influenciar no esquemaaplicaçãonovas doses ou como serão feitos esses reforçostempostempos.

Enquanto esse futuro não chega e as respostas para as questões estãoaberto, todos os especialistas ao menos têm certeza sobre uma coisa: é preciso diminuir a desigualdade e garantir que a populaçãotodos os países receba as vacinas disponíveis atualmente.

"Em vezpensarmos na aplicaçãouma quarta ouuma quinta dose, deveríamos estar vacinando o mundo inteiro agora. O impacto sobre a pandemia certamente seria bem maior", conclui Garrett.

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