'Lixo do mundo': o gigantesco cemitérioelite xbetroupa usada no deserto do Atacama:elite xbet

Crédito, Nicolás Vargas

São peças inexplicavelmente abandonadaselite xbetpleno deserto. É roupa descartada pelos Estados Unidos, pela Europa e Ásia, enviada ao Chile para ser revendida.

Crédito, Nicolás Vargas

Legenda da foto, Calcula-se que 300 hectares do deserto do Atacama estejam cobertos por lixo

Das 59 mil toneladas importadas todos os anos, grande parte (algo como 40 mil toneladas) não é vendida - acaba no lixo.

A maioria fica nas cercaniaselite xbetAlto Hospicio, uma comunidade com altos níveiselite xbetpobreza e vulnerabilidade.

Em novembro, imagens desse lixão deram a volta ao mundo. Quisemos ir até lá para averiguar com profundidade o que está acontecendo.

Como funciona o mercadoelite xbetroupa usada?

Caminhões carregados com fardoselite xbetroupa usada entram e saem da Zona Francaelite xbetIquique, mais conhecida como Zofri.

Este paraíso das compras abriga um imenso parque industrial onde operam maiselite xbetmil empresas que comercializam seus produtos isentoselite xbetimpostos.

Seu lugar estratégico no norte do Chile - a poucos quilômetros do porto do Iquique - transforma a áreaelite xbetum importante centro comercial para outros países latino-americanos como Argentina, Brasil, Peru e Bolívia.

Crédito, Nicolás Vargas

Legenda da foto, O Chile é o maior importadorelite xbetroupa usada da América do Sul, recebendo 90% desse tipoelite xbetmercadoria na região

Aqui estão instaladas ao menos 50 importadoras que diariamente recebem dezenaselite xbettoneladaselite xbetpeçaselite xbetsegunda mão que depois são distribuídas por todo o Chile para revenda.

O negócio é imenso e completamente legal. De acordo com o Observatórioelite xbetComplexidade Econômica (OEC), uma plataforma que registra diversas atividades econômicas pelo mundo, o Chile é o maior importadorelite xbetroupa usada na América do Sul, recebendo 90% desse tipoelite xbetmercadoria na região.

Os proprietários das importadoras têm nacionalidades distintas: alguns sãoelite xbetpaíses longínquos como o Paquistão.

Com um domínio precário do espanhol, vários se recusam falar sobre o assunto. "Ninguém quer se responsabilizar", diz um dos importadores.

Após várias tentativas, a fundadora da PakChile, Paola Laiseca, explica à BBC Mundo como funciona o negócio.

Crédito, Fernanda Paúl

Legenda da foto, As roupas usadas chegamelite xbetsacos e são selecionadas na zona franca para revendaelite xbettodo o Chile

"Nós trazemos roupa dos Estados Unidos, mas também chega da Europa", diz ela, sentada no escritórioelite xbetum imenso galpão onde se acumulam vários fardoselite xbetpeçaselite xbetsegunda mão.

A maioria dessas roupas foi doada a organizaçõeselite xbetcaridadeelite xbetpaíses desenvolvidos. Muitas vão para locaiselite xbetdistribuição ou são entregues a pessoas necessitadas.

Mas o que não é aproveitado (por defeito na peça, por exemplo) segue para países como Chile, Índia ou Gana.

Laiseca explica que ao portoelite xbetIquique chegam peçaselite xbetqualidades distintas.

Crédito, Fernanda Paúl

Legenda da foto, A maioria do que é importado acaba sendo descartadoelite xbetlixões clandestinos

"A roupa usada vemelite xbetsacos e nós aqui fazemos uma seleção divididaelite xbetprimeira, segunda e terceira categoria."

"A primeira é das melhores peças, sem defeitos, sem manchas, impecáveis. A segunda pode ter peças sujas ou descosturadas. Na terceira há produtos mais deteriorados", explica.

A empresária diz que as peçaselite xbetterceira categoria são, sim, vendidas (e que ela só descarta 1%elite xbettudo o que é importado). Mas autoridades locais ouvidas pela BBC Mundo afirmam que grande parte acabaelite xbetlixões clandestinos.

"Sabe-se que ao menos 60% [do que se importa] é resíduo ou descartável e é isso que forma os monteselite xbetlixo", afirma Edgard Ortega, responsável pela áreaelite xbetmeio ambiente na municipalidadeelite xbetAlto Hospicio.

Crédito, Fernanda Paúl

Legenda da foto, A feiraelite xbetLa Quebradilla, onde as peças são revendidas

No Chile é proibido descartar têxteis atéelite xbetdepósitos legais porque causa instabilidade do solo. Assim, não há,elite xbetteoria local, para jogar fora o que não se comercializa.

Laiseca reconhece que existem pessoas que recebem dinheiro para descartar a roupa que não é vendida.

De acordo com Patricio Ferreira, prefeitoelite xbetAlto Hospicio, os importadores da zona franca "contratam carreteiros ou um caminhão coletor e pagam para que deixemelite xbetqualquer lugar".

Carmen García, que veio da pequena cidadeelite xbetColchane, compra roupa dos importadores para revender na imensa feiraelite xbetLa Quebradilla,elite xbetAlto Hospicio. É possível encontrar marcas como H&M, Pepe Jeans, Wrangler e Nike.

Os preços são incrivelmente baixos: por menoselite xbetUS$ 1 é possível comprar uma camiseta ou calças.

Crédito, Nicolás Vargas

Legenda da foto, Grande parte da roupa abandonada no deserto está cheiaelite xbetpoliéster

"Tudo o que você vê aqui vem da Zofri", diz ela, mostrandoelite xbetbarraca com araras cheiaselite xbetroupa.

García diz que compra tudo por saco, sem garantia do que vem dentro.

"Com sorte você se dá bem. Mas tem vezes que tudo acaba no lixo", diz.

Quando questionada onde essa roupa vai parar, ela diz, sem dar muitos detalhes, que as peças são doadas para pessoas necessitadas.

Contaminação

A indústria da moda está entre as mais poluentes do mundo, depois da indústria do petróleo.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), ela é responsável por 8% dos gases do efeito estufa e por 20% do desperdícioelite xbetágua no mundo.

Para produzir uma peçaelite xbetjeans são gastos algo como 7.500 litroselite xbetágua.

Crédito, Nicolás Vargas

Legenda da foto, Em várias partes do deserto do Atacama se encontra roupa queimada

Além disso, grande parte da roupa está cheiaelite xbetpoliéster, um tipoelite xbetresina plástica derivada do petróleo e que oferece grandes vantagenselite xbetrelação ao algodão: mais barato, pesa pouco, seca rápido e não amassa.

O problema é que demora 200 anos para se desintegrar - o algodão leva 2 anos e meio.

E aqui, no deserto do Atacama, a maioria das peças estão cheias justamenteelite xbetpoliéster. Camisetas esportivas, trajeselite xbetbanho ou shorts brilham como novos, mas provavelmente estão há meses ou anos nas pilhaselite xbetlixo.

Com o passar do tempo, as roupas se desgastam e liberam microplásticos que acabam na atmosfera, afetando fortemente a fauna marítima ou terrestre das cercanias.

Outra coisa que preocupam as autoridades são os incêndios que anualmente ocorrem nos lixões clandestinos.

"Como não há um dispositivo legal, a única solução é queimar [a roupa]. E a poluição da fumaça é um grande problema", explica Eduardo Ortega. "São provocados incêndios anuaiselite xbetgrandes proporções, que duram entre dois e dez dias."

Crédito, Fernanda Paúl

Legenda da foto, Pessoas vivem nos lixõeselite xbetroupas e inalam gases tóxicos

Segundo o departamentoelite xbetmeio ambiente da regiãoelite xbetTarapacá, a fumaça pode provocar doenças cardiorrespiratórias nos moradoreselite xbetáreas próximas aos lixões, a maioria deles imigrantes ilegais que se instalamelite xbetcasas improvisadas eelite xbetmau estado.

"Há populações que vivem nesses lixões, que inalam diretamente os gases produzidos e ficam sujeitas a doenças cardiorrespiratórias", diz Gerson Ramos, responsável pelos resíduos da secretaria regionalelite xbetmeio ambiente.

Nesses depósitos é comum encontrar imigrantes que escavam as montanhaselite xbetroupas para achar uma peça para vestir ou ganhar algumas moedas com revenda.

"Como não podem trabalhar formalmente procuram peças nos lixões para vender por um preço mínimo. E isso gera um problema porque o lixo se dispersa ainda mais", diz Ortega.

"Os pobres pagam o pato por esse modeloelite xbetnegócio que ninguém quer se responsabilizar", afirma.

Soluções?

O problema da roupa no deserto do Atacama não é novo.

Faz cercaelite xbet15 anos que os descartes têxteis se acumulam nesse lugar icônico, mas agora o problema tem atingido proporções gigantescas, afetando 300 hectares (algo como 420 camposelite xbetfutebol) da região, segundo a secretariaelite xbetmeio ambienteelite xbetTarapacá.

A solução, no entanto, não é simples.

Crédito, Nicolás Vargas

No momento, há dois planoselite xbetandamento: um programaelite xbeterradicaçãoelite xbetlixões clandestinos e a incorporação da roupa usada à Leielite xbetResponsabilidade Estendida do Produtor, que estabelece obrigações para empresas importadoras.

Mas ainda faltam passos importantes para que os planos sejam colocadoselite xbetprática: no caso do primeiro, é necessária a aprovação do governador regional e, no caso do segundo, ainda é preciso elaborar o decretoelite xbetregulamentação.

"Não é fácil conciliar tantos interesses para uma solução ampla e incisiva, como proibir a entradaelite xbetroupa usada, isso não é factível", diz Moyra Rojas, secretáriaelite xbetmeio ambiente da regiãoelite xbetTarapacá.

A faltaelite xbetfiscalização e controle na área faz com que seja muito fácil descartar as peçaselite xbetdepósitos ilegais.

"Alto Hospicio é uma área vulnerável, que tem um orçamento muito baixo. Não podemos contratar mais fiscais, não recebemos recursos", declara Ortega.

Ninguém quer viverelite xbetum lixão

Com a faltaelite xbetsoluções reais - e o aumento indiscriminado da chamada "fast fashion" - a roupa segue se acumulando todos os dias nesse deserto inóspito.

Bonecas velhas e jogos infantis escondidos entre as montanhas do deserto evidenciam a passagem do tempo e,elite xbetalguma forma, o abandonoelite xbetuma área distante dos países desenvolvidos -elite xbetonde sai muito da roupa descartada aqui.

"Ninguém quer viverelite xbetum lixão", diz Ferreira.

"E lamentavelmente transformamos nossa cidade no lixão do mundo", conclui.

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