Patenteszebet virementvacinas: que lições tiramos das experiências passadas na aids e na gripe:zebet virement

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A distribuição desigual das doseszebet virementvacinas contra a covid-19 escancarou uma realidade inevitável: a pandemia só acabarázebet virementverdade quando todos estiverem protegidos

Alguns dias depois,zebet virement17/05, foi a vez da China também se mostrar favorável à demanda.

A discussão sobre o tema começou ainda no finalzebet virement2020, quando Índia e África do Sul defenderam essa ideia na OMC, entidade que regula o comércio internacional.

À época, a proposta encontrou forte resistência dos países-membros, que preferiram proteger a propriedade intelectualzebet virementfarmacêuticas e dos institutoszebet virementpesquisa.

Mas a evolução das campanhaszebet virementvacinaçãozebet virementalguns países confirmou um conceito importante: a pandemia só irá acabarzebet virementverdade quando o mundo inteiro estiver protegido.

Em outras palavras, enquanto o coronavírus circular livrementezebet virementalgum lugar do planeta, a ameaça continua a ser real para todos, pois o surgimentozebet virementnovas variantes mais transmissíveis e com capacidadezebet virement"driblar" a resposta imune colocazebet virementxeque todos os esforços feitos até o momento.

Mas daí vem um problema importante: os laboratórios que fabricam as vacinas já testadas e aprovadas contra a covid-19 não possuem capacidadezebet virementproduzir bilhões e bilhõeszebet virementdoseszebet virementuma hora para outra. Não há estrutura, material ou equipe que sejam suficientes para suprir essa necessidade.

Crédito, Alexandre Schneider/Getty Images

Legenda da foto, A produção atualzebet virementvacinas não é capazzebet virementsuprir a demanda global

Para piorar, os últimos meses escancararam que a distribuição globalzebet virementvacinas é absolutamente desigual: até abril, os países ricos já haviam vacinado uma a cada quatro pessoas.

Nas nações mais pobres, apenas um a cada 500 indivíduos havia recebido as doses contra a covid-19.

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, chegou a classificar essa situaçãozebet virement"chocante" e "grotesca".

Na última quarta-feira (09/06), os países-membros da OMC aceitaram iniciar formalmente as negociações para aumentar o suprimento globalzebet virementvacinas contra a covid-19.

E há duas propostas principais na mesa: a primeira, defendida por Índia, África do Sul e outras naçõeszebet virementdesenvolvimento, pede a suspensão pelos próximos três anos das patentes dos imunizantes que barram o coronavírus.

A segunda, encampada por União Europeia, Suíça e Reino Unido, entende ser possível aumentar a quantidadezebet virementdoses disponíveis por meiozebet virementacordoszebet virementlicenciamento e transferênciazebet virementtecnologia com outros produtores capacitados, que possuem fábricas espalhadas pelo mundo.

'Episódio histórico'

Independentementezebet virementqual caminho seja acatado pela OMC, o simples fatozebet virementexistir essa discussão já é algo a ser destacado, avaliam os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

O médico sanitarista Paulo Buss, professor emérito da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), destaca o impacto trazido pela mudançazebet virementposição dos Estados Unidos.

"Nós estamos vivendo um episódio histórico. Quando as patentes adquiriram uma dimensão central no comércio internacional, os Estados Unidos sempre foram o país que mais defendia a preservação dessa propriedade", avalia.

"O apoio americano é uma fissura importante nessa couraça rígida que protege as patentes e isso vai ter impacto nas negociações internacionais a partirzebet virementagora", completa o professor, que escreveu dois livros sobre diplomacia da saúde e é membro titular da Academia Brasileirazebet virementMedicina.

Crédito, SAUL LOEB/Getty Images

Legenda da foto, Paulo Buss (à direita) lamenta a faltazebet virementprotagonismo do Brasil nas discussões internacionais sobre as vacinas contra a covid-19

Buss sente faltazebet virementuma participação mais ativa do Brasil nessas discussões.

"Isso é uma decepção para nós. A história do nosso país sempre esteve ligada à cooperação internacional, à busca constante por melhorar o acesso a vacinas, medicamentos e ferramentaszebet virementdiagnóstico", lamenta. "O Brasil está na contramãozebet virementsua própria história."

'Claraszebet virementneve' da imunologia

Apesar do simbolismo dos debates, é preciso terzebet virementmente que a quebrazebet virementpatentes não soluciona a questão mais urgente: a falta imediatazebet virementdoses para proteger bilhõeszebet virementpessoas.

Mesmo num cenáriozebet virementque a propriedade intelectual fosse completamente neutralizada, nenhum lugar do mundo teria capacidade para iniciar a fabricaçãozebet virementnovos imunizanteszebet virementuma hora para outra.

E isso é ainda mais complicado quando pensamoszebet virementprodutos modernos, que utilizam tecnologias desenvolvidas nos últimos anos.

"Algumas das vacinas disponíveis atualmente, caso daquelaszebet virementmRNA [como azebet virementPfizer/BioNTech] e aszebet virementvetor viral não replicante [como azebet virementAstraZeneca/Universidadezebet virementOxford], são difíceiszebet virementfazer. São poucos os lugares que teriam capacidadezebet virementestruturar uma planta produtiva dessas rapidamente", conta o médico sanitarista José Gomes Temporão, que foi ministro da Saúde entre 2007 e 2010.

Para entender a dificuldadezebet virementfabricar doses desses compostos mais modernos, a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabinzebet virementVacinas, organização sediada nos Estados Unidos que trabalha para aumentar o acesso global aos imunizantes, faz uma comparação com a culinária.

Seguindo a linhazebet virementraciocínio dela, quebrar as patentes para ter acesso às "receitas" das vacinaszebet virementmRNA sem suporte algum para a fabricação é comparável a "pedir para uma pessoa sem experiência na cozinha fazer um prato que exige bater claraszebet virementneve e uma sériezebet virementoutras técnicas mais avançadas".

E, mesmo se forem produzidas, essas vacinas "genéricas" ainda precisariam passar por todas aquelas etapaszebet virementpesquisa e aprovação pelas agências regulatórias, o que certamente acrescentaria alguns meseszebet virementespera (ezebet virementmuito trabalho).

A especialista entende que duas ações imediatas poderiam aumentar a disponibilidadezebet virementdoses nos próximos meses.

"Para responder à urgência mundial, os países que têm unidadeszebet virementvacinas a mais precisam compartilhar esse excedente com mecanismos como o Covax Facility, para que elas sejam distribuídas", diz.

"A segunda estratégia é realizar acordoszebet virementprodução para que outros centros e laboratórios possam fabricar mais unidades das vacinas já testadas e aprovadas", pontua Garrett.

Crédito, CRISTY PARRY/ARQUIVO PESSOAL

Legenda da foto, Para resolver a faltazebet virementdoses no curto prazo, Denise Garrett sugere a doação das doses extras compradas por países ricos e a transferênciazebet virementtecnologia para ampliar a fabricação dos imunizantes

Esse modelo, aliás, já acontece na prática: a AZD1222,zebet virementAstraZeneca e Universidadezebet virementOxford, por exemplo, foi licenciada para ser produzida pelo Serum Institute, da Índia, e pelo Instituto BioManguinhos da Fiocruz, no Brasil.

A ideia, então, seria expandir esse modelozebet virementtransferênciazebet virementtecnologia — assim, as farmacêuticas poderiam ensinar todo o passo a passo, permitindo que parceiros certificados aprendam a fabricar as vacinas nos seus mínimos detalhes.

Uma parceria na prática

O imunologista Jorge Kalil Filho, professor titular da Faculdadezebet virementMedicina da Universidadezebet virementSão Paulo (USP), teve uma oportunidade única: acompanhar todo o processozebet virementtransferênciazebet virementtecnologiazebet virementum imunizante para o Brasil.

"No final dos anos 1990, eu era assessor do então ministro da Saúde, o Dr. Adib Jatene. À época, comecei as conversas para convencer os diretores da Pasteur, farmacêutica detentora da patente da vacina contra a gripe", lembra o médico.

Negociações concluídas e contratos assinados, o Instituto Butantan ficou responsável por montar a fábrica e receber os materiais necessários para dar início à produção.

Isso tudo aconteceuzebet virementetapas e demorou um tempo para toda a fabricação acontecer sem percalços.

"É preciso ajustar os sistemaszebet virementcontrolezebet virementqualidade,zebet virementenvase,zebet virementdistribuição…", lista Kalil.

Em 2012, o imunologista já era diretor do Instituto Butantan, cargo que ocupou até 2017, e viu os primeiros lotes 100% brasileiros da vacina contra a gripe ficarem prontos.

"Começamos com 20 milhõeszebet virementdoses, depois subimos para 60 milhões e há projeção para 100 milhões nos próximos anos", calcula.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, No Ministério da Saúde e no Instituto Butantan, Jorge Kalil Filho iniciou e finalizou o processozebet virementtransferênciazebet virementtecnologia da vacina contra a gripe no Brasil

Atualmente, o Instituto Butantan tem capacidade para entregar 80 milhõeszebet virementunidades desse imunizante ao Ministério da Saúde a cada nova temporada.

A campanhazebet virementvacinação anual contra a gripe, portanto, não depende mais da importaçãozebet virementinsumos ou outros materiais.

Essa experiência recente traz um aprendizado importante: a transferênciazebet virementtecnologia é mais complicada do que se imagina.

É claro que, durante uma pandemia, não é possível aguardar 12 anos para que os processos estejam dentro dos conformes.

Mas, mesmo com o empenhozebet virementtodos os envolvidos, completar as etapas necessárias leva alguns meses.

E um exemplo disso é a própria AZD1222, licenciada para a Fiocruz: o acordozebet virementtransferênciazebet virementtecnologia foi anunciadozebet virementagostozebet virement2020, mas a assinatura do contrato e a remessa do material biológico necessário para dar início à produção aconteceram agorazebet virementjunhozebet virement2021, cercazebet virementdez meses depois.

Durante esse período, os técnicos da Fiocruz correram para montar as instalações, treinar os funcionários e garantir todas as certificações expedidas pelas agências regulatórias.

"Isso exigiu dias e noiteszebet virementtrabalho ininterrupto tanto do lado brasileiro quanto da farmacêutica que nos deu apoio necessário", detalha Buss.

O planejamento é que as primeiras doses 100% nacionais da AZD1222 sejam entregues a partirzebet virementoutubro deste ano.

Riscozebet virementretaliações?

O hematologista Dimas Covas, atual diretor do Instituto Butantan, é contrário à quebra das patentes das vacinas.

Alémzebet virementnão resolver o problema no curto e médio prazo, o especialista crê que medidas do tipo podem dificultar o relacionamento com as farmacêuticas.

"As empresas detentoras dessas propriedades intelectuais são multinacionais, que possuem uma sériezebet virementoutros insumos, substâncias e medicamentos. A quebrazebet virementpatentes, então, faz com que elas se sintam prejudicadas e façam até retaliações aos governos", interpreta.

"As companhias podem, por exemplo, dificultar o acesso dos países que fizerem a quebra das patentes ao mercado farmacêutico. É possível que elas pensem: por que vou trazer os medicamentos para esse lugar, se eles têm essa famazebet virementpiratear nossos produtos? Toda vez que você ignora uma patente, cria-se um ambientezebet virementdesconfiança e retaliação", completa o diretor do Butantan.

Crédito, Governo do Estadozebet virementSão Paulo

Legenda da foto, Dimas Covas teme que a quebrazebet virementpatentes prejudique as propriedades intelectuais dos próprios institutoszebet virementpesquisa brasileiros

Covas também pensa que o feitiço pode virar contra o feiticeiro e as propriedades intelectuais dos próprios países acabam desrespeitadas.

"O Butantan, por exemplo, possui a patente da vacina contra a dengue, que estázebet virementtestes clínicos. Será que alguém pode vir e quebrar essa nossa propriedade também?", questiona.

Experiências anteriores

Vale destacar, no entanto, que essa discussão é absolutamente nova. Como não há experiências iguais no passado, não é possível prever os possíveis desdobramentos e repercussões caso uma quebrazebet virementpatenteszebet virementvacinas vire realidade.

Uma medida similar no universo da saúde aconteceuzebet virement2007, quando o Brasil quebrou a patente do Efavirenz, um medicamento usado no tratamento da aids produzido pela farmacêutica americana MSD.

Temporão, que era o ministro da Saúde à época, se lembra bem das incertezas daquele período e da dualidade entre as negociações financeiras e as necessidades da saúde pública.

"O laboratório detentor dos direitos resistiu, não queria que isso acontecesse. Ouvimos até especulações que aconteceriam retaliações, que os investimentos seriam prejudicados. Na prática, nada disso aconteceu e tivemos até um crescimento do mercado farmacêutico no país", rememora.

Crédito, ABR

Legenda da foto, José Gomes Temporão lembra que a quebra da patentezebet virementum medicamento contra a aids não prejudicou o Brasil

O médico sanitarista, que também é pesquisador da Fiocruz, entende que o riscozebet virementrepresálias fica ainda menor se uma decisão do tipo acontecer não por iniciativazebet virementum único país, mas, sim, num organismo internacional, como é a OMC.

"Uma decisão política internacional deixaria pouco espaço para que qualquer tipozebet virementretaliação ou postura hostil viesse a acontecer", avalia.

Ameaça à inovação

Kalil destaca outro possível prejuízo que a quebra unilateralzebet virementpatentes pode trazer: diminuir os estímulos à pesquisa e ao desenvolvimentozebet virementnovos produtos.

"As empresas costumam demorar anos e investem bilhõeszebet virementdólares para criar uma nova vacina. É óbvio que elas não vão ficar contentes se ficarem semzebet virementpropriedade", raciocina.

A criaçãozebet virementum novo imunizante envolve riscos enormes: as chanceszebet virementuma candidata não ir bem nos testes clínicos é relativamente alta. Do pontozebet virementvista financeiro, isso pode representar um prejuízo enorme às companhias.

"É preciso ponderar, no entanto, que na pandemiazebet virementcovid-19 muitas farmacêuticas que foram bem-sucedidas nesse processo já lucraram bastante e poderiam exercer esse ato altruístazebet virementliberar suas patentes para aumentar a disponibilidadezebet virementdoses", completa o imunologista.

Há ainda um segundo ponto que deve ser levadozebet virementconta nesse contexto: alguns dos imunizantes já disponíveis contaram com investimento público para ficarem prontos.

A farmacêutica Moderna, por exemplo, recebeu maiszebet virementUS$ 6 bilhões do governo americano para desenvolverzebet virementvacina.

E todo esse dinheiro, colhido a partir dos impostos pagos pelos cidadãos, sinaliza que a discussão entre propriedade privada ou pública pode ficar mais nebulosazebet virementcertas situações.

Questões estratégicas para o país

Os especialistas são reticenteszebet virementrelação às implicações práticaszebet virementuma eventual quebrazebet virementpatentes para a pandemia atual, mas antecipam que uma medida dessas abriria um caminho mais justo e acessível para as criseszebet virementsaúde pública que virão pela frente.

"Isso pavimenta um futuro com menos desigualdade na distribuição das vacinas entre países ricos e pobres", antevê Garrett.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Para ser independente na produçãozebet virementvacinas e outros insumos da áreazebet virementsaúde, Brasil precisa investir maiszebet virementbiotecnologia, avaliam especialistas

Diantezebet virementtodas as dificuldades com a covid-19, o mundo pode (e deve) ficar mais preparado para as próximas pandemias: isso envolve criar mecanismos para a pesquisa, a aprovação e a distribuiçãozebet virementnovas vacinaszebet virementuma maneira mais rápida, efetiva e justa.

Temporão avalia que toda essa discussão traz benefícios ao Brasil, que pode aproveitar a oportunidade para aprimorar setores estratégicoszebet virementsaúde pública.

"Esse debate pode nos ajudar a queimar etapas, internalizar novas tecnologias e ampliar a nossa capacidade produtiva nessa área", diz.

Mas o sanitarista acredita que, para que isso realmente aconteça, é preciso pensarzebet virementpolíticas públicaszebet virementlongo prazo, com investimentos maciços na áreazebet virementbiotecnologia.

"Precisamoszebet virementuma visão estratégica ezebet virementuma políticazebet virementEstado que construam uma base tecnológica para a produçãozebet virementinsumos, remédios e vacinas", opina o ex-ministro.

"Somente com essa estrutura vamos conseguir romper nossa dependência dos produtos vindoszebet virementoutros países."

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