O que era Trump representou para os EUA e para o Brasil:mines cbet

Não raro ele quebrou regras tácitas da democracia americana, como ao se recusar a concedermines cbetderrota nas urnas ou ao se abstermines cbetparticipar da posse do sucessor.

Impulsionou ainda notícias falsas e teorias da conspiração junto aos seus quase 90 milhõesmines cbetseguidores.

Nos estertoresmines cbetseu mandato, Trump perdeu tais recursos. Suas contas foram definitivamente ou temporariamente suspensas por plataformas como Twitter, Facebook e Instagram. As redes argumentaram que os postsmines cbetTrump representavam riscomines cbetincitação à violência, já que o presidente chegou a justificar com falsas alegaçõesmines cbetfraude eleitoral as cenasmines cbetinvasão do Capitólio que seus apoiadores protagonizaram no último dia 6.

America First

Já a agenda políticamines cbetTrump se organizou a partirmines cbetdois motes centrais.

O primeiro, "America First", ou Estados Unidos primeiro, foi o motor para ações tão variadas quanto o protecionismo econômico, que levou à guerra comercial com a China e respingou atémines cbetprodutos brasileiros, a ruptura com entidades multilaterais, como a Organização Mundial da Saúde, que os EUA largamente financiavam, ou a construçãomines cbetum muro na fronteira com o México, para barrar a imigração ilegal.

O segundo mote, do governo "da lei e da ordem", mostrou seus efeitos tanto no elogio a ações policiais eventualmente truculentas - e no desmonte dos mecanismosmines cbetpunição a policiais abusadores - quanto, na retomadamines cbetexecuçõesmines cbetprisioneiros federais (a gestão Trump levou a cabo o maior número delasmines cbet120 anos) e no sucessomines cbetemplacar na Suprema Corte emines cbetoutros órgãos judiciais do país maiorias conservadoras, que podem reverter decisões históricas como a legalização do aborto no país.

Trump dos trópicos

Mas quatros aspectos da Era Trump são centrais para a relação dos Estados Unidos com o Brasil, especialmente depois que Jair Bolsonaro subiu a rampa do Palácio do Planalto,mines cbetjaneiromines cbet2019.

“Não há nenhum outro líder que se espelhe tantomines cbetTrump quanto Bolsonaro”, analisa o americanista Carlos Gustavo Poggio, professormines cbetrelações internacionais da FAAP.

De acordo com a brasilianista Amy Erica Smith, professoramines cbetciência política na Universidademines cbetIowa, a ascensãomines cbetTrump ao poder nos EUA, contra todos os prognósticosmines cbetpolíticos e analistas, mostrou ao mundo ocidental que seu estilo personalista emines cbetagenda fortemente baseadamines cbetconservadorismo nos costumes emines cbetnacionalismo tinham viabilidade eleitoral.

"Ele chega ao poder pouco depois da quedamines cbetDilma no Brasil, quando o momento político brasileiro já indicava para um sucesso da direita. Trump forneceu um modelo para Bolsonaro, uma listamines cbetpassos sobre como fazer campanha e obter poder. E tudo isso foi muito natural para Bolsonaro", diz Smith à BBC News Brasil.

A simbiose entre os dois presidentes ficou evidente nos primeiros mesesmines cbetpandemia. Ambos subestimaram a doença, culparam a China, apostarammines cbetsoluções sem eficácia como a cloroquina, jogaram contra medidasmines cbetisolamento social que pudessem atrapalhar a economia, entrarammines cbetconfronto com governadores.

Trump, contudo, apostou fortementemines cbetvacinas, enquanto Bolsonaro não a tornou prioridade emmines cbetgestão e já disse frasesmines cbetdesestímulo ao usomines cbetimunizantes.

Mesmo o roteiromines cbetfraude eleitoral, adotado por Trump nos últimos dois meses, encontra eco no Brasil. Em marçomines cbet2020,mines cbetviagem a Miami, Bolsonaro disse ter "provas"mines cbetque a eleiçãomines cbet2018 tinha sido roubada e que ele teria vencidomines cbetprimeiro turno.

Não existe qualquer evidência disso e o presidente brasileiro jamais apresentou as provas que disse ter.

Há uma semana, Bolsonaro afirmou: "Se nós não tivermos o voto impressomines cbet22, uma maneiramines cbetauditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos".

Se as semelhanças entre os líderes fez com que veículosmines cbetimprensa internacionais apelidassem Bolsonaromines cbet"Trump dos Trópicos", vale ressaltar que há, sim, diferenças.

A primeira é que Trump ainda conta com o respaldomines cbetuma máquina partidária robusta como são os republicanos, enquanto Bolsonaro sequer conseguiu criar uma agremiação própria e segue sem legenda.

A segunda é que a base socialmines cbetBolsonaro não está consolidada, o perfilmines cbetseus apoiadores mudou da classe média e alta para os mais pobresmines cbetdois anos e seria exagerado dizer que ele possui um público cativo, como o Trump.

A América Latina vistamines cbetcima do muro

Em quatro anosmines cbetmandato, Trump esteve uma única vez na América Latina — uma visita a Buenos Aires,mines cbet2018, onde acontecia a reunião do G-20. A escassezmines cbetviagens do líder à região, considerada zonamines cbetinfluência tradicional dos americanos, é simbólica do tipomines cbetrelação que Trump manteve com o restante do continente emmines cbetgestão.

"Trump só olhou pra América Latinamines cbetcima do muro", afirma Poggio,mines cbetuma referência à barreira física que o mandatário prometeu erguer na fronteira com o México. "Para ele, a área só era importante nos temas que diziam respeito diretamente à situação doméstica".

Durante a campanhamines cbet2016, Trump prometeu endurecer as medidas contra imigrantes ilegais e foi o que fez.

Entre suas políticas, chegou até a,mines cbet2018, estabelecer a separaçãomines cbetpais e filhos que tivessem entrado sem documentos no território americano. Esse foi o destinomines cbetpelo menos cinco mil menoresmines cbetidade - algumas dezenas deles brasileiros. Até hoje, maismines cbet500 crianças jamais voltaram a ser reunidas a seus pais.

Também passou a forçar solicitantesmines cbetasilo a aguardar pelo fimmines cbetseu processo no México oumines cbetpaíses da América Central, como a Guatemala,mines cbetonde parte deles estava fugindo. E promoveu mutirõesmines cbetcapturamines cbetimigrantes irregularesmines cbetregiões conhecidas pela presença deles.

Os brasileiros não ficaram imunes às pressões. Contraditoriamente, enquanto Trump levantava o muro e punhamines cbetmarcha o endurecimentomines cbetações contra migrantes, a quantidademines cbetbrasileiros que se arriscava na travessia entre México e EUA explodiu.

Em 2019, o númeromines cbetbrasileiros detidos pelo Serviçomines cbetProteçãomines cbetFronteiras e Alfândega dos Estados Unidos superou os 18 mil, um recordemines cbetmaismines cbetuma década. E mesmo com a pandemia,mines cbet2020, 7,6 mil brasileiros foram pegos ao tentar entrar dessa forma no país, número quase 5 vezes maior do que o registradomines cbet2018, quando 1,6 mil cidadãos do Brasil foram apreendidos nas fronteiras.

Diante do aumento do fluxomines cbetbrasileiros, a gestão Trump passou a adotar a deportação sumária deles entre 2019 e 2020.

Desde então, maismines cbet20 aviões fretados pelo governo dos EUA e lotadosmines cbetbrasileiros chegou ao aeroportomines cbetConfins,mines cbetBelo Horizonte.

Esse tipomines cbettratamento aos brasileiros não era aceito pelo Itamaraty desde 2006. O entendimento do órgão, alterado na gestão Bolsonaro, eramines cbetque os brasileiros tinham o direitomines cbetpassar por procedimentos na Justiça imigratória dos EUA para tentar permanecer por lá.

No iníciomines cbet2020, os EUA convenceram as autoridades mexicanas a recebermines cbetvolta aqueles brasileiros que atravessassem a fronteira e não aceitassem ser imediatamente deportados. Em vezmines cbetesperar pelo processo legalmines cbetterritório americano, como acontecia até então, eles teriam que permanecer por meses no México até a audiência na corte americana.

Por fim, as açõesmines cbetTrump foram cruciais para o desfecho da crise na Venezuela e a consequente diásporamines cbetquase 6 milhõesmines cbetvenezuelanos.

Com forte apoio das comunidades cubana e venezuelana, fortemente contrárias a governos socialistas, o republicano adotou as mais pesadas sanções econômicas à disposição.

"Trump adotou a linha mais duramines cbetação e a que tinha menos chancemines cbetfuncionar. Com isso acabou colaborando para o fortalecimento da posiçãomines cbetMaduro no poder,mines cbetvezmines cbetfacilitar uma transiçãomines cbetregime. O resultado foi a miséria total do país e uma crise humanitáriamines cbetrefugiadosmines cbettoda região", diz Smith.

Sem pressão no meio ambiente

Trump assumiu a Casa Branca disposto a lutar contra o que chamoumines cbet"agenda anticrescimento". O termo foi empregado pelo presidente emines cbetequipe para se referir a regulações ambientais que visavam proteger o meio ambiente e reduzir as emissões americanasmines cbetgases do efeito estufa.

Segundo ele, ao criar restrições ao nívelmines cbetpoluição das atividades econômicas, tais medidas cortavam postosmines cbettrabalho e reduziam a competitividademines cbetprodutos americanos no mercado global.

A mais notória medidamines cbetTrump nesse sentido foi tomadamines cbetjunhomines cbet2017, quando ele anunciou a retirada dos EUA do Acordomines cbetParis, um tratado internacional que prevê metasmines cbetemissõesmines cbetgás carbônico para os seus diversos membros. Mas não foi a única. Em agostomines cbet2018, o departamentomines cbettransporte e a Agênciamines cbetProteção Ambiental dos Estados Unidos revisaram as metas para usomines cbetcombustível fóssilmines cbetautomóveis estipuladas ainda na gestão Obama.

Se a regra original estabelecia que os veículos teriam que rodar 22 km para cada litromines cbetcombustível consumido até 2025, a gestão Trump baixou a exigência para 14,5 km por litro até 2021. A decisão criou conflito legal com Estados como a Califórnia, que têm limitesmines cbetemissão mais altos.

Além disso, apenas com uma ordem executiva, Trump reduziu drasticamente duas áreas federaismines cbetproteção ambientalmines cbetUtah,mines cbet2017. As áreas também foram abertas para mineração e extraçãomines cbetpetróleo, atividades vedadas antes.

Trump também editou uma medida executivamines cbetque autorizava o aumentomines cbet30% da extraçãomines cbetmadeiramines cbetparques nacionais, justificando que a medida seria uma formamines cbetreduzir o riscomines cbetincêndio ao retirar madeira das florestas, um argumento contestado por ambientalistas.

Ainda na gestão Trump, a Agênciamines cbetProteção Ambiental abriu o menor númeromines cbetprocessos criminais contra empresas que tenham descumprido a legislaçãomines cbetmeio ambiente do paísmines cbet30 anos.

A orientação da gestão federal eramines cbetprimeiro tentar negociar diretamente com as empresas quando alguma irregularidade fosse descobertamines cbetfiscalização, sem necessariamente fazer autuações.

As açõesmines cbetTrump representaram uma guinadamines cbetrelação à política do antecessor, Barack Obama.

Obama sabia que o sentimento geral dos americanos era contrário às açõesmines cbetcombate ao aquecimento global quando percebidas como um fardo carregado apenas pelos EUA. Por isso, enquanto implementava medidas ambientais internamente, o presidente americano passou a fazer pressão para que outros países também se comprometessem com metas ambiciosas.

Em seu livromines cbetmemórias, Obama menciona ter invadido uma reunião dos Brics, blocomines cbetpaíses composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, durante negociação climáticamines cbetCopenhague para forçar o compromisso desses países com cortemines cbetemissões.

Ao abandonar essa arena e reverter ações domesticamente, Trump deixoumines cbetrepresentar uma das principais fontesmines cbetpressões globais no tema.

A partirmines cbet2019, movimento parecido passou a acontecer no Brasil. Bolsonaro garantiu que não demarcaria novas terras indígenas, determinou que fiscais ambientais não mais destruíssem tratores e veículosmines cbetmadeireiros autuadosmines cbetflagrantemines cbetdesmatamento ilegal, sugeriu que a Amazônia pegava fogo naturalmente ou por atuação dos indígenas e se posicionou a favor da mineraçãomines cbetáreas protegidas.

A aplicaçãomines cbetmultas caiumines cbetmaismines cbet30% na Amazônia e recuou à metade no Pantanal.

Em dezembro, dados do Instituto Nacionalmines cbetPesquisas Espaciais (Inpe) mostraram que entre agostomines cbet2019 e julhomines cbet2020 a Floresta Amazônica registrou a maior devastaçãomines cbet12 anos.

"Trump possibilitou o comportamentomines cbetBolsonaro ao não confrontar questões relacionadas à Amazônia, deixando claro que não havia necessidademines cbetse preocupar com pressões e sanções econômicas. É por isso que Bolsonaro está tão preocupado com Biden agora", diz Smith.

O apoiomines cbetTrump se materializou quando os europeus protestaram contra as queimadas na Amazôniamines cbetagostomines cbet2019 e ele deixou claro ao G7 que não endossaria qualquer admoestação pública ao presidente brasileiro pormines cbetconduçãomines cbetpolítica ambiental.

Em nenhum momento a questão foi levantada como uma preocupação ou uma exigência para que os Estados Unidos assinassem o Acordomines cbetSalvaguardas Tecnológico,mines cbet2019, ou o mini acordo comercial com o Brasilmines cbet2020.

Protecionismo à americana

A Era Trump marca o retorno com força do protecionismo ao partido Republicano,mines cbetsubstituição à agenda neoliberalmines cbetRonald Reagan.

Em 2016, a campanha do republicano compreendeu que havia entre trabalhadores fabris americanos, desempregados após a partida da indústria ou a perdamines cbetcompetitividade, um sentimentomines cbetabandono por partemines cbetsindicatos e do partido democrata, que também havia abraçado a globalização da produção.

Trump prometeu devolver a eles seus empregos e salários, e com isso ganhou apoiomines cbetáreas cruciais como Michigan e Pensilvânia, onde agora acabou derrotado. Uma vez no poder, Trump tentou cumprir as promessas.

"O que vimos é um protecionismo ao estilo americano, cheiomines cbettarifas específicas e barreiras sanitárias, o que põe por terra o discurso do livre comércio", diz Rafael Ioris, especialistamines cbetrelações América Latina-EUA da Universidademines cbetDenver, no Colorado.

Ninguém foi mais taxado por Trump do que a China, o que levou a uma guerra comercial entre os dois países.

Ao mesmo tempo, o governo americano precarizou a atuação da Organização Mundial do Comércio (OMC), que perdeu condiçõesmines cbetarbitrar disputas entre países.

Ainda no início do mandato do republicano, suas políticas econômicas atingiram o Brasil.

Trump criou uma sobretaxa para aço e alumínio,mines cbetuma tentativamines cbetproteger a siderurgia americana. Foram quatro anosmines cbetidas e vindas com essa tarifa, colocadamines cbetprática sempre que o momento político do republicano exigia, como próximo às eleiçõesmines cbetnovembro.

A gestão Bolsonaro não protestou abertamente contra as medidas, embora tenha tentado manejá-las nos bastidores, e ainda aumentou a cotamines cbetimportação para trigo e etanol dos EUA, mesmo sob protestos da indústria sucroalcooleira brasileira.

O Itamaraty justificou a medida dizendo que a concessão abriria portas para uma negociaçãomines cbetmaior abertura do mercado americano ao açúcar brasileiro, atualmente taxadomines cbetcercamines cbet140%. Meses mais tarde, nenhum avanço nesse sentido jamais foi anunciado pelo Brasil ou pelos Estados Unidos

"A relação entre os dois países é naturalmente assimétrica, pela diferençamines cbetpoder econômicomines cbetum emines cbetoutro. Mas com Trump e Bolsonaro ela ficou ainda mais assimétrica, por conta da aberta subserviência brasileira", afirma Ioris.

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