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O que explica a mudançatomTrump sobre o coronavírus:
O presidente também acusou seus adversários democrataspolitizar o coronavírus e disse que as críticas à resposta do governo à crise eram uma "nova farsa" – referindo-se às investigações que levaram ao processoimpeachment.
"A Mídia Fake News e seu parceiro, o Partido Democrata, estão fazendo tudoseu semiconsiderável poder (que costumava ser maior!) para inflamar a situação do coronavírus, muito além do que os fatos justificam", o presidente tuitou9março.
A mudançatom veioum momentoque a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou uma pandemia e os Estados Unidos já registram mais1,6 mil casos confirmados da covid-19 (a doença provocada pelo novo coronavírus)45 Estados e no DistritoColumbia (onde fica a capital, Washington), e 40 mortes, o que tem provocado o cancelamentoinúmeros eventos públicostodo o país.
Também ocorremeio ao alarme nos mercados financeiros, com as bolsasvalores despencando e economistas alertando sobre o riscorecessão, a poucos meses da eleição presidencialnovembro, quando Trump tentará se reeleger.
"Foi uma mudança marcantetomcomparação com o que o presidente vinha dizendo nas duas semanas anteriores", diz à BBC News Brasil o cientista político Jonathan Hanson, da UniversidadeMichigan.
Para Hanson, o pronunciamento pareceu indicar um esforço do governoreagir a algo que havia subestimado anteriormente.
"Se a epidemia crescer muito rapidamente, é possível que não tenhamos capacidadelidar com isso no sistema hospitalar", observa. "Há potencial para consequências políticas muito graves para o presidente."
O cientista político Gregory Wawro, professor da Columbia University,Nova York, também afirma ter percebido uma mudançatom na respostaTrump à crise provocada pelo coronavírus.
"Acho que há a aceitação da realidadeque isso não é algo que está contido e que os Estados Unidos estão atrástermosresposta", diz Wawro à BBC News Brasil.
Resposta inicial e críticas
Durante seu pronunciamento10 minutos, proferido do Salão Oval da Casa Branca e transmitido pelas redesTVhorário nobre, Trump se referiu ao novo coronavírus como "um vírus estrangeiro", ressaltou que "começou na China" e disse que foi "semeado" nos Estados Unidos por viajantes da Europa.
O pronunciamento continha erros, que tiveramser corrigidos posteriormente pela Casa Branca. Ao contrário do que Trump afirmou, a restrição é só para estrangeiros e não se aplica a cidadãos americanos, seus familiares e residentes permanentes. Apenas o trânsitopessoas está proibido, e nãomercadorias, como afirmado inicialmente por Trump.
O presidente criticou a União Europeia por não ter adotado as mesmas precauções que seu governo. No fimjaneiro, Trump anunciou que estrangeiros que haviam visitado a China recentemente não entrariam nos Estados Unidos e que os viajantes americanos seriam submetidos a quarentena. Posteriormente, a restrição passou a incluir outros países com alto númerocasos.
A restrição inicial foi elogiada na época por autoridadessaúde pública, segundo as quais a medida permitiu aos Estados Unidos reduzir a velocidade da propagação do novo coronavírus e ganhar tempo para preparar a resposta do país. No entanto, o governo foi criticado por desperdiçar esse tempo extra com problemas emresposta.
Durante semanas, apenas o laboratório na sede do CDC (CentrosControle e PrevençãoDoenças, agênciapesquisasaúde pública ligada ao DepartamentoSaúde),Atlanta, podia aplicar testes para diagnosticar a doença. Os kitsdiagnóstico iniciais tinham falhas e apresentavam resultados inconclusivos. A distribuiçãoum novo kit levou semanas, períodoque laboratórios locais e estaduais não podiam fazer os testes.
Além disso, havia um critério considerado muito rígido para decidir quem poderia ser testado — somente pessoas que haviam viajado para a China ou tido contato com alguém infectado. Todos esses problemas limitaram inicialmente o númeroamericanos com acesso ao teste, gerando dúvidas sobre o número realinfectados.
Trump várias vezes elogiouprópria resposta à epidemia. Em alguns comícios, o presidente chegou a relacionar o (então) baixo númerocasos no país a medidas durasimigração adotadas por seu governo e à promessaconstruir um muro na fronteira com o México.
Mas especialistas afirmam que a nova restrição — desta vez a passageiros vindos da Europa —, quando o vírus já está presentepelo menos 45 dos 50 Estados americanos, terá efeito reduzido para limitar o avanço nos Estados Unidos.
"Parece que o focorestriçãoviagens é uma maneirafazer com que o problema pareça serorigem externa", observa Hanson.
"Mesmo na retóricapessoas ligadas ao presidente, há (a descrição do coronavírus como) o vírusWuhan (em referência à cidade chinesa onde a doença foi identificada inicialmente), o vírus chinês. Parece haver motivação política nisso, que é adar a ideiaque os Estados Unidos estariam bem se conseguissem manter os estrangeiros do ladofora."
Cancelamentos e licença médica
O avanço do númerocasos nos Estados Unidos provocou o cancelamentodiversos eventos sociais, culturais, esportivos e políticos nos últimos dias. Várias escolas e universidades estão fechadas, algumas com aulas pela internet. Igrejas estão pedindo que os fiéis fiquemcasa. Diversos festivaismúsica e artes foram cancelados ou adiados. Hospitais e instituições que tratampacientes idosos estão restringindo visitas.
Na quarta-feira, a NBA, ligabasquete profissional do país, suspendeu o restante da temporada depois que um jogador do Utah Jazz foi diagnosticado com covid-19. Um dia depoisdizer que seus torneios seriam mantidos, mas sem a presençapúblico, a NCAA (Associação Atlética Universitária Nacional) também anunciou na quinta o cancelamento do March Madness, principal torneiobasquete universitário.
Ainda nesta quinta, a Major League Baseball (MLB) anunciou que a temporadabeisebol profissional, programada para começar26março, terá seu início adiadopelo menos duas semanas. A NHL (Liga NacionalHóquei no Gelo) também suspendeutemporada.
Diante da doença, empresastodo o país estão recomendando que seus funcionários trabalhemcasa, para evitar riscospropagar o vírus. O CDC já vem recomendando que pessoas doentes fiquemcasa, mas especialistas temem que a faltauma lei federal nos Estados Unidos garantindo licença médica remunerada torne impossível para muitos trabalhadores seguir essas recomendações e acabe agravando a epidemia.
Apenas 12 dos 50 Estados americanos e o DistritoColumbia têm leis que obrigam empregadores a oferecer licença médica. Há também leis locais20 cidades e três condados. No restante do país, não há lei local, estadual ou federal que obrigue todos os empregadores a oferecer licença médica, e a decisão cabe às empresas.
Segundo o DepartamentoTrabalho dos Estados Unidos, um quarto dos trabalhadorestodo o país não têm direito à licença médica remunerada. Também não há lei federal que proteja funcionárioser demitido se faltar ao trabalho, o que faz com que muitos acabem trabalhando doentes, com medoficar sem salário ou mesmo perder o emprego.
Dados do Ministério do Trabalho indicam que o percentualtrabalhadores sem licença médica é maior entre funcionários do comércio e do setoralimentação e na economia informal. Esses mesmos trabalhadores são os que costumam ter mais contato com o público.
Além disso, especialistassaúde pública também temem que o combate ao coronavírus seja prejudicado pelo fatoque mais27 milhõespessoas nos Estados Unidos não têm segurosaúde, segundo dados do censo americano, e o país não oferece um sistemasaúde universal gratuita. Muitos americanos afirmam evitar ir ao médico por não terem como pagar.
Na quinta-feira, a discussão sobre licença médica gerou conflito entre legisladores democratas e republicanos no Congresso, que tentam chegar a um acordo para aprovar um pacoteestímulo para atenuar o impacto econômico do coronavírus.
A proposta inclui ampliar programasassistência alimentar e contra desemprego, entre uma sériemedidas temporárias. Mas também incluía a ofertalicença médica remuneradaforam permanente, e não apenas durante a crise.
Essa proposta foi rejeitada por republicanos na Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara Federal), que acusaram os democratasusar a crise para tentar aprovar medidas que não teriam chanceoutro momento. O Partido Republicano e o presidente Trump defendem cortesimpostos para que os empregadores possam cobrir os gastos temporários com licença médica aos funcionários durante a epidemia.
Campanha
O coronavírus também está afetando a campanha eleitoral americana. Na terça-feira, os dois pré-candidatos democratas, Joe Biden e Bernie Sanders, cancelaram comícios por causa do coronavírus. Eventos para arrecadar fundos para as campanhas também já haviam sido cancelados no início da semana.
Na noitequarta, após o pronunciamentoTrump, a Casa Branca anunciou o cancelamentouma viagem do presidente a Nevada e Colorado programada para esta semana.
Analistas afirmam que o impacto do coronavírus pode prejudicar os esforçosTrump para se reeleger, já que um dos pontos fortes da campanha do presidente era o bom desempenho da economia americana, que agora estárisco.
"O colapso dos mercados financeiros que vimos na última semana colocarisco o argumento mais forteTrump parareeleição, que é a economia", ressalta Hanson.
Além disso, os resultados das primárias realizadas neste mês indicam que o democrata escolhido para disputar a eleição geral contra Trump pode ser Biden. Muitos analistas consideram o moderado Biden um candidato mais forte contra Trump do que Sanders, que se declara como socialista e tem uma plataforma considerada muito à esquerda por parte dos americanos. Segundo analistas, Biden poderia conquistar votosrepublicanos insatisfeitos com Trump.
Mas Hanson e Wawro ressaltam que ainda é muito cedo para saber que impacto o coronavírus e os riscos à economia terão nas eleiçõesnovembro.
"Modelos estatísticos que usamos quando tentamos entender o papel da economiaeleições sugerem que, se houver recessão, provavelmente está vindo muito tarde no ciclo eleitoral para ter grande impacto", destaca Wawro.
"Mas estamosterritório desconhecido. Um declínio econômico rápido, contínuo declínio nas bolsasvalores, podem ter impacto dramático", observa. "Se o coronavírus não for contido, se a taxacontaminação permanecer alta, se ocorrer algo como o que está ocorrendo na Itália, com altas taxasmortalidade, isso será a questão a que (os eleitores) estarão prestando atenção (e não a economia)."
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