Como o lixo pode revelar preferências e mudançasslottrackerhábito das pessoas:slottracker

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Legenda da foto, O lixo doméstico pode ser usado para estudar as preferências dos consumidores por determinadas marcasslottrackerprodutos e muito mais

Desde então, autoridadesslottrackeroutros países vêm utilizando o mesmo método. Em 2006, trabalhadores dos esgotosslottrackerEswatini (antiga Suazilândia) estimaram que o usoslottrackerpreservativos havia aumentadoslottracker50% naquele país africano.

Eles observaram que os contraceptivos têm o tamanho exato para obstruir o segundo conjuntoslottrackerfiltros das estaçõesslottrackertratamento, o que permite que eles sejam contados. Zâmbia também observou um grande aumento do usoslottrackerpreservativosslottracker2015, quando milhares deles entupiram os esgotos da capital, Lusaka.

O lixo pessoal, mesmo nas suas formas mais repugnantes, é outra fonteslottrackerdados sobre uma pessoa. Os resíduos, sejam eles lançados ao esgoto, descartados ou reciclados, carregam um mundoslottrackerinformações sobre as escolhas e comportamentos das pessoas, que muitas vezes não podem ser obtidasslottrackeroutra forma.

'Janela para a vida real das pessoas'

As pessoas que se atrevem a examinar os detritos humanos são chamadasslottracker"garbologistas" e seus esforços nos ajudam a entenderslottrackertudo, desde a saúde e as escolhas alimentares das pessoas até as açõesslottrackerregimes políticos cheiosslottrackersegredos.

Existe uma clareza reconfortante no estudo do lixo, para o antropólogo Thomas Hylland Eriksen, da UniversidadeslottrackerOslo, na Noruega. "Ele oferece uma janela muito direta e privilegiada para a formaslottrackerviver real das pessoas", afirma ele.

O termo "garbologia" foi criado pelo escritor e ativista americano A. J. Weberman no início dos anos 1970, mas foi o antropólogo William Rathje, também americano, quem levou a garbologia para o terreno científico, poucos anos depois.

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Legenda da foto, A documentação encontrada no lixo sobre a Revolução Cultural chinesa foi um tesouro para os historiadores

No seu estudo agora famoso, The Tucson Garbage Project ("O projeto do lixoslottrackerTucson",slottrackertradução livre), Rathje e seus colegas vasculharam aterros sanitários, escavando e classificando grandes pilhasslottrackerresíduos descartados pelos moradores da cidade que fica no Estado americano do Arizona.

Ele também comparou (mediante permissão) o conteúdo das latasslottrackerlixoslottrackerindivíduos com o que eles informavamslottrackerquestionários sobre seus hábitosslottrackercomida e bebida — e descobriu que as pessoas claramente minimizam a quantidadeslottrackeralimentos não saudáveis eslottrackerálcool que elas consomem.

Nas décadas que se seguiram, a garbologia também viria a ajudar os pesquisadores políticos e historiadores frente à inexistência ou difícil acesso às fontes oficiaisslottrackerinformação.

Lixo histórico

Na décadaslottracker1990 e no início dos anos 2000, pesquisadores perceberam que eles poderiam desvendar a história da Revolução Cultural chinesa pesquisando pilhasslottrackerresíduosslottrackerpapel jogadas fora por autoridades ou moradores locais.

Jeremy Brown, historiador da Universidade Simon Fraser, no Canadá, foi um desses pesquisadores. Frustrado pelo acesso limitado que lhe foi concedido aos arquivos oficiais, ele ia todos os finsslottrackersemana aos mercadosslottrackerpulgasslottrackerTianjin, no norte da China, à caçaslottrackerresmasslottrackerdocumentos descartados e agrupados para venda.

Quando os vendedores dos mercadosslottrackerpulgas souberam o tiposlottrackercoisas que ele estava procurando, eles passaram a procurarslottrackerpilhasslottrackerlixo. Graças aos esforços desses comerciantes, Brown conseguiu adquirir documentos que demonstravam, por exemplo, como a deportaçãoslottrackerpessoas da área urbana para a zona rural havia sido orquestrada pelos governos locais.

"Foi uma grande descoberta que nunca teria sido possível sem os mercadosslottrackerpulgas, sem essas coisas que estavam a caminho da destruição", ele conta.

Mais recentemente, a garbologia ajudou outras pessoas que tentavam pesquisar sobre um país ainda mais fechado e enigmático: a Coreia do Norte. Em fevereiro, o jornal inglês The Guardian noticiou que o professor sul-coreano Kang Dong-wan havia recolhido maisslottracker1,4 mil embalagensslottrackerprodutos norte-coreanos, levadas pela água ao longo do litoral da Coreia do Sul.

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Legenda da foto, As embalagensslottrackerprodutos na Coreia do Norte podem ter mudado nos últimos anos, pelo menos a julgar pelas embalagensslottrackerdoces

O interessante dessa pesquisa é que as embalagensslottrackerdoces mais recentes eram coloridas e sofisticadas, indicando mudanças culturais sutisslottrackerum país onde a vida diária sofre fortes restrições.

Enquanto isso, o arqueólogo Grzegorz Kiarszys, da UniversidadeslottrackerSzczecin, na Polônia, vasculhou o lixo encontradoslottrackervoltaslottrackeralgumas bases táticas abandonadasslottrackerarmas nucleares soviéticas, esperando encontrar indicações sobre as atividades secretas realizadas no local.

Ele afirma que técnicas remotas, como fotografias aéreas e varreduras a laser, alémslottrackerimagens públicasslottrackersatélites dos anos 1960 e 1970, ajudaram-no a estudar alguns desses locais. Mas foi através da pesquisa do lixo encontrado nas antigas bases que ele conseguiu formar um panoramaslottrackercomo era a vida das pessoas que moravam ali.

Os resíduos são,slottrackergrande parte, domésticos. Há muitas lâminasslottrackerbarbear, batons, máscaras e sacosslottrackerleiteslottrackerpó vazios — alémslottrackerbrinquedos, já que as famílias dos soldados haviam sido destacadas para esses locais. Curiosamente, ele encontrou brinquedos relativamente caros, como peçasslottrackerLego, que não eram disponíveis para o públicoslottrackergeral durante a era comunista na Polônia.

Crédito, Grzegorz Kiarszys

Legenda da foto, Antiga bota deixada para trás pelos moradores soviéticosslottrackeruma instalação nuclear do tempo da Guerra Fria na Polônia

"Parece que as autoridades soviéticas tinham algum acesso a moeda estrangeira", ele conta.

O lixo, embora seja rapidamente esquecido pelos que o produzem, inevitavelmente age como uma expressão um tanto grosseira da sociedade. Leila Papoli-Yazdi, arqueóloga da Universidade Linnaeus, na Suécia, usou a garbologia para melhor compreender a demografia das pessoas que vivem na capital iraniana, Teerã.

Pesquisando o lixo doméstico que é descartado nos cestos colocados nas esquinas da cidade, ela conseguiu detectar diferenças claras entre os diversos bairros. Havia, por exemplo, amplas evidênciasslottrackerusoslottrackerdrogas nos bairrosslottrackerrenda mais baixa.

Em uma região, ela eslottrackerequipe se surpreenderam ao encontrar uma quantidade incomumslottrackerpapel nos sacosslottrackerlixo que elas examinaram. Ocorre que a população local havia mudado nos últimos anos e agora representava um gruposlottrackerindivíduos da classe média que haviam sido malsucedidos, mas eram mais propensos a ler jornais que os moradores das classes mais baixas.

"Os novos moradores, principalmente pessoas com formação, mas sem emprego, incluíam professores, trabalhadores desempregados [e] comerciantes falidos [que] não tinham mais condiçõesslottrackeralugar uma casa nos bairros mais caros, devido à crise econômica da última década", escreveu Papoli-Yazdislottrackerum estudoslottracker2021 descrevendo seu trabalho.

Lixo comercial

Paralelamente a esses estudos acadêmicos, a garbologia tornou-se um instrumento atraente para as empresas.

Nos anos 1970, havia uma marcaslottrackeriogurtes popular no Reino Unido chamada Ski, que enfrentava a concorrência das marcas rivais Prize e Cool Country. Stephen Logue, empresário que foi gerenteslottrackerprodutos da Ski, relembra como a empresa contratou um escritório chamado Auditores da Grã-Bretanha (AGB) para conduzir uma "auditoriaslottrackercestosslottrackerlixo"slottrackermilharesslottrackerresidências.

As pessoas eram pagas para colocar embalagensslottrackerdiversos produtos domésticos, incluindo iogurtes,slottrackerum cesto separado na horaslottrackerjogar fora. Analistas recolhiam regularmente os cestos e inspecionavam seu conteúdo, para ver quais marcas tinham maior consumo que outras.

"Tudo era feito às claras", afirma Logue. Ele observa que o fatoslottrackerque as pessoas sabiam que seu lixo seria examinado pode ter feito com que elas fossem mais seletivas sobre o que colocar no cesto separado, mas esse efeito talvez diminuísse ao longo do tempo.

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Legenda da foto, Nosso lixo fornece indicações profundas sobre os nossos hábitosslottrackercompra

De qualquer forma, Logue conseguiu os dados que queria. "Conseguimos ver que a Ski estava indo bem", relembra ele.

Rastrear as compras das pessoas ficou muito mais fácil com o surgimento dos códigosslottrackerbarras e cartõesslottrackerfidelidade, que permitem que os varejistas registrem cada produto vendido.

As compras online oferecem dados ainda mais específicos. Mas, para quem trabalhaslottrackermarketing, a garbologia também oferece uma interessante visão realista.

Datha Damron-Martinez, professoraslottrackermarketing aposentada da Universidade Estadual TrumanslottrackerMissouri, nos Estados Unidos, afirma que, no seu trabalho como consultora, ocasionalmente ela costumava propor o uso da garbologia como formaslottrackerpesquisaslottrackerobservação para empresas que quisessem conhecer mais sobre as tendênciasslottrackerconsumoslottrackeruma população alvo.

Ela eslottrackercolega Katherine Jackson também usaram a garbologia como instrumentoslottrackerensino,slottrackerque os alunos traziam cestosslottrackerlixo dos seus quartos. Outros alunos, que não sabiam a quem pertencia o lixo, examinavam os cestos para tentar deduzir qual tiposlottrackerpessoa havia jogado fora aquelas coisas específicas.

Damron-Martinez conta que frequentemente ficava surpresa com a quantidadeslottrackerrevelações que o processo trazia. Ela relembra um casoslottrackerque a namoradaslottrackerum aluno havia colocado seu próprio lixo ao cesto sem o conhecimento dele.

"Os alunos pegaram o lixo e disseram 'isso tem que ser o lixoslottrackerduas pessoas, por este motivo'", relembra Damron-Martinez.

Mas vasculhar o lixo tentando conseguir uma vantagem competitiva no mercado nem sempre é uma boa estratégia. Em 2001, a multinacional Procter & Gamble (P&G) suspendeu um projetoslottracker"mergulho no lixo" que pretendia conseguir informações sobre a Unilever,slottrackerconcorrente no setorslottrackerprodutos para os cabelos.

Crédito, Jeremiah Mock

Legenda da foto, Mudançasslottrackerhábitos e dependências químicas das pessoas podem ser deduzidas por meioslottrackercigarros e vaporizadores

Embora a P&G insistisseslottrackerafirmar que não havia desrespeitado nenhuma lei, a empresa admitiu que a atividade estava "fora da nossa política rigorosaslottrackerobtençãoslottrackerinformações comerciais dos concorrentes".

Lixo acumulado e tóxico

Pode haver um ponto perturbador sobre a garbologia, além do espectroslottrackerespionagem. Ela chama a atenção para a enorme quantidadeslottrackerlixo disponível, esperando para ser escavado ou simplesmente retirado e analisado.

O antropólogo Eriksen argumenta que as gigantescas pilhasslottrackerlixo que hoje sujam o planeta são sintomas do que ele chamaslottracker"modernidade superaquecida".

"Tudo vem se acelerando", explica ele — do comércio até o lixo. "Existe algo sobre a formaslottrackerque a civilização global está sendo administrada — ou não está sendo administrada — que nos mostra que existem muitas coisas que estão foraslottrackercontrole."

Particularmente, as comunidades mais remotas e tradicionais às vezes produzem muito menos lixo. Um estudoslottrackerAnn Marie Wolf, diretora-executiva do InstitutoslottrackerPesquisa Ambiental SonoraslottrackerTucson, no Arizona (Estados Unidos), e suas colegas analisouslottracker2003 os resíduos descartados pelo povo nativo americano Tohono O'odham.

Os pesquisadores concluíram que eles representavam menosslottrackerum terço da média americanaslottrackerlixo sólido diárioslottrackercada pessoa. E também continham muito menos material perigoso que o habitualslottrackeroutras partes do país.

Quem também calculou a ubiquidade e a toxicidade do lixo à nossa volta foi o antropólogoslottrackersaúde Jeremiah Mock, da Universidade da CalifórniaslottrackerSão Francisco, nos Estados Unidos. Ele nem precisou vasculhar o cestoslottrackerlixoslottrackeralguém. Mock simplesmente andou pelos estacionamentos no lado externo das escolas, recolhendo pontasslottrackercigarros e vaporizadores.

"Para minha surpresa, comecei a encontrar cápsulas e tampasslottrackerJuul (tiposlottrackercigarro eletrônico) com muita rapidez e por toda parte", relata ele. Um estudoslottracker2019 descreveu como esses produtos representam cercaslottrackerum quinto do lixo relacionado ao fumo que ele encontrouslottracker12 escolasslottrackerensino médio da Califórnia.

Mock se lembraslottrackerlevar para audiências públicas sacos do lixo que havia recolhido,slottrackerforma que os legisladores locais pudessem ver por si próprios. Enquanto eles observavam, o odor dos fluidosslottrackervaporização emanavaslottrackerdentro dos sacos: "Era literalmente tangível, eles olhavam as coisas e ficavam horrorizados", relembra Mock.

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Legenda da foto, Mesmoslottrackervideogames, como Animal Crossing, as pessoas descartam objetos indesejados que merecem ser investigados

Em 2019, muitas cidades da Califórnia proibiram a vendaslottrackerJuul eslottrackeroutros produtosslottrackervaporização. A pesquisaslottrackerMock continua e ele afirma que permanece preocupado com o volumeslottrackerlixo relativo ao fumo que segue encontrando, especialmente considerando como ele pode ser perigoso. As pontasslottrackercigarro podem conter substâncias químicas tóxicas, que incluem formaldeído, arsênio e chumbo.

"Quando você olha os milharesslottrackeritens que encontramos jogados no lixo, é algo realmente espantoso", afirma ele. "Porque eles estãoslottrackertoda parte."

Lixo virtual

As pessoas agora enchemslottrackerlixo até os espaços virtuais. Jared Hansen, candidato ao grauslottrackerPhDslottrackerjornalismo e comunicação na UniversidadeslottrackerOregon, nos Estados Unidos, passou horas vagueando pelo jogo online Animal Crossing, procurando coisas que as pessoas jogaram fora — no ciberespaço.

Graças a uma função que permite explorar cidades virtuais visitadas por outros jogadores sem interferir concretamente no jogo, Hansen conseguiu documentar exemplosslottrackeritens do jogo que as pessoas aparentemente perderam ou descartaram.

"Havia evidências espalhadas entre as árvoresslottrackeruma busca anterior para capturar uma abelha", escreveu eleslottrackerum estudo publicadoslottracker2021. Ele se referia às diminutas colmeias digitais descobertas por ele, entre outros itens descartadosslottrackerum pomar no jogo.

De forma geral, suas descobertas refletem os longos esforços das pessoas que jogam Animal Crossing para adquirir objetos digitais e progredir no jogo. O lixo, escasso e associado a tarefas específicas, indica o comportamento parcimoniososlottrackeruma sociedade cuidadosa, argumenta ele, acrescentando que ele agora observa itens virtuais descartadosslottrackeroutros jogos multijogador onlineslottrackeroutra forma.

"Fico atento aos itens descartados que ninguém quer", afirma ele. "Por que isso está sendo desprezado?"

Prestar atenção é o que realmente importa atualmente com relação ao lixo, já que quase ninguém pensa duas vezes sobre ele. A garbologia é fascinante pelo que pode dizer sobre uma pessoa ou uma sociedade. Mas,slottrackeroutro nível, mais fundamental, é uma das poucas formas que temosslottrackercombater o imenso volume e complexidade das montanhasslottrackerlixo que estamos construindo.

Os garbologistas estão entre as poucas pessoas que se preocupamslottrackerexaminar essa massa descartada e esquecida. São eles que se ocupamslottrackerobservar o quanto todos nós jogamos fora e perguntar: "O que significa tudo isso?".

Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site da BBC Future.

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