'Por que a guerra?': as cartas que Einstein e Freud trocaram há 90 anos :bet35 65

Legenda do áudio, 'Por que a guerra?': as cartas que Einstein e Freud trocaram há 90 anos

Também ressentiabet35 65"juventude e energia que permitem a ele apoiar tantas causas com tanto vigor".

Ele mesmo confessou a Einstein "a inveja que não tenho medobet35 65possuir", desculpando-se pelo fatobet35 65que, como físico, Einstein gozava do statusbet35 65autoridadebet35 65seu campo, enquanto ele, como psicanalista, tinha que aceitar que até ignorantes se atreviam a opinar sobrebet35 65obra.

Um desses ignorantes foi o próprio Einstein, que — quando foi procurado — se recusou a apoiar a candidatura ao Prêmio Nobel que Freud tanto ansiava.

"Apesarbet35 65minha admiração pelas realizações engenhosasbet35 65Freud, hesitobet35 65intervir neste caso. Não consegui me convencer da validade da teoriabet35 65Freud", respondeu o lendário físicobet35 651928.

A opiniãobet35 65Einstein sobre a psicanálise melhoraria mais tarde, e ele comunicou isso a Freud quando o parabenizou por seu 80º aniversário.

"Devo dizer a você como fiquei feliz ao saberbet35 65sua mudançabet35 65opinião", escreveu Freud.

"É claro que sempre soube que você me 'admirava' apenas por cortesia e dava muito pouco valor a qualquer umabet35 65minhas doutrinas. "

A missão

A impressãobet35 65Freud parece insensata à luz do entusiasmo com que Einstein o havia escolhido alguns anos antes para ser seu interlocutor por carta, quando o Institutobet35 65Cooperação Intelectual convidou o renomado físico para uma troca interdisciplinarbet35 65ideias sobre política e paz com um pensadorbet35 65sua escolha.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Einstein não guardava ressentimentos

"Admiro muitobet35 65paixão por averiguar a verdade, uma paixão que passou a dominar tudo o mais embet35 65formabet35 65pensar", escreveu Einstein a Freudbet35 651931.

A missão deles era entender o incompreensível: por que a guerra?

Mas por que esta missão?

Com as feridas da Primeira Guerra Mundial ainda abertas e as economiasbet35 65todo o mundobet35 65declínio acentuado, as tensões sociais haviam se agravado e o totalitarismo se enraizado.

A ameaça à paz mundial era palpável.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Eles nem sequer imaginavam o que estava prestes a acontecer

É por isso que a Liga das Nações (uma espéciebet35 65organização precursora da ONU fundadabet35 651919 e dissolvidabet35 651946) recorreu a um dos cientistas mais influentes do mundo e pacifista perpétuo para pedir a ele que explorasse formasbet35 65alcançar a paz mundial — e ele, porbet35 65vez, convidou um dos maiores estudiosos da vida interior dos seres humanos.

Suas cartas foram publicadasbet35 65marçobet35 651933bet35 65Paris, simultaneamentebet35 65francês, inglês e alemão.

Na Alemanha, o Partido Nacional Socialista proibiubet35 65divulgação; surpreendentemente, Adolf Hitler, que acabaria levando tanto Einstein quanto Freud ao exílio, já havia chegado ao poder.

Líderes sem poder

Embet35 65carta datadabet35 6529bet35 65abrilbet35 651931, Einstein começou se referindo à "profunda devoção"bet35 65Freud "pelo grande objetivo da libertação interna e externa do homem dos males da guerra".

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Legenda da foto, Para Einstein, os conhecimentosbet35 65Freud eram valiosos na buscabet35 65uma solução

"Esta era a profunda esperançabet35 65todos aqueles que foram reverenciados como líderes morais e espirituais além dos limitesbet35 65seu próprio tempo e país,bet35 65Jesus a Goethe e Kant."

"Estou convencidobet35 65que quase todos os grandes homens que, por suas realizações, são reconhecidos como líderes (...) compartilham os mesmos ideais. Mas têm pouca influência no curso dos acontecimentos políticos. Parece que praticamente o domínio da atividade humana mais crucial para o destino das nações está inevitavelmente nas mãosbet35 65governantes políticos totalmente irresponsáveis."

Einstein prossegue argumentando que o único caminho positivo a seguir é por meio do estabelecimentobet35 65"uma associação livrebet35 65homens cujo trabalho e conquistas prévias oferecem uma garantiabet35 65sua capacidade e integridade".

E reconheceu que, "em vista das imperfeições da natureza humana", tal associação não estaria livrebet35 65todos os defeitos que muitas vezes levam à degeneração.

"Apesar desses perigos, não deveríamos fazer pelo menos uma tentativabet35 65formá-la? Me parece nada menos que um dever imperativo!"

Urgente e envolvente

No verão seguinte,bet35 6530bet35 65julhobet35 651932, Einstein escreveu novamente a Freud, convidando-o oficialmente a participar do intercâmbio do Institutobet35 65Cooperação Intelectual sobre "este problema urgente e envolvente".

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Legenda da foto, 'Chegabet35 65guerra!', cartaz do Partido Trabalhista Norueguês, 1930

"Este é o problema: existe alguma maneirabet35 65libertar a humanidade da ameaçabet35 65guerra?", escreve.

"É do conhecimento geral que, com o avanço da ciência moderna, este tema chegou a significar uma questãobet35 65vida ou morte para a civilização como a conhecemos; no entanto, apesar do zelo demonstrado, toda tentativabet35 65solução terminoubet35 65um fracasso lamentável."

O físico explica a Freud que os que tentavam abordar o problemabet35 65forma profissional e prática estavam "conscientesbet35 65sua impotência para enfrentá-lo" — e que, por isso, queriam "conhecer os pontosbet35 65vistabet35 65homens que, absortos na busca da ciência, podem ver os problemas do mundo sob a perspectiva oferecida pela distância".

No caso dele, disse Einstein, o assunto que normalmente ocupava seus pensamentos, a física, "não permite vislumbrar os lugares obscuros da vontade e do sentimento humanos",bet35 65modo que ele não podia fazer muito mais do que "limpar o terreno das soluções mais óbvias" para que Freud pudesse iluminá-lo com "seu amplo conhecimento da vida instintiva do homem".

Utopia

Na carta, o físico apresenta suas próprias ideias sobre o que poderia significar uma solução: a associação livrebet35 65homens a qual havia se referido na carta anterior, um órgão legislativo e judiciário internacional para tentar resolver todos os conflitos por consentimento mútuo.

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Legenda da foto, A Liga das Nações já existia, mas não tinha o poder necessário

Einstein reconhe, no entanto, que tal utopia enfrentaria fortes obstáculos.

"Atualmente, estamos longebet35 65ter uma organização supranacional competente para ditar veredictosbet35 65autoridade incontestável e obrigar a submissão absoluta à execuçãobet35 65seus veredictos."

"Portanto, chego ao meu primeiro axioma: a busca da segurança internacional implica na entrega incondicional por partebet35 65cada nação,bet35 65certa medida,bet35 65sua liberdadebet35 65ação, ou seja,bet35 65sua soberania, e é claro, sem sombrabet35 65dúvida, que nenhum outro caminho pode levar a tal segurança."

"O desejobet35 65poder que caracteriza a classe dominantebet35 65todas as nações é hostil a qualquer limitação da soberania nacional", acrescenta.

Mas há algo mais: "Essa sedebet35 65poder político é muitas vezes apoiada pelas atividadesbet35 65outro grupo, cujas aspirações estãobet35 65diretrizes econômicas puramente mercenárias".

"Penso especialmente nesse grupo pequeno mas determinado, ativobet35 65todas as nações, composto por indivíduos que, indiferentes às considerações e restrições sociais, consideram a guerra, a fabricação e a vendabet35 65armas simplesmente como uma ocasião para promover seus interesses pessoais e ampliarbet35 65autoridade."

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Legenda da foto, O nazismo fariabet35 65Einstein mais um imigrante nos EUA

Einstein também formulou uma sériebet35 65perguntas para moldar a discussão:

"Como é possível que esta pequena panelinha [a classe dominante] subjugue a vontade da maioria, que tanto tem a perder e a sofrer por uma guerra, a serviçobet35 65suas ambições?"

"É possível controlar a evolução mental do homem para torná-lo à prova das psicoses do ódio e da destruição?", pergunta.

"Não estou pensandobet35 65forma alguma apenas nas chamadas massas incultas."

"A experiência mostra que é sobretudo a chamada 'intelligentsia' que é mais propensa a ceder a essas desastrosas sugestões coletivas, já que o intelectual não tem contato direto com a vida bruta, mas a encontra embet35 65forma mais fácil e sintética: na página impressa."

Ele termina sugerindo a Freud quebet35 65contribuição "pode ​​abrir caminho para novos e frutíferos modosbet35 65ação".

A verdade incômoda

Poucas semanas depois,bet35 6512bet35 65setembrobet35 651932, Leon Steinig, diretor da Liga das Nações, informou a Einstein que Freud havia aceitado cooperar, embora o advertissebet35 65que o que ele tinha a dizer poderia ser pessimista demais para o gosto das pessoas, pois ele não adoçaria a incômoda verdade:

"Toda a minha vida tive que dizer às pessoas verdades difíceisbet35 65engolir. Agora que estou velho, certamente não quero enganá-los."

Einstein assegurou a Freud que o que procurava era uma resposta psicologicamente eficaz, não otimista.

Com os termos acordados, o psicanalista passou a registrar seus pensamentosbet35 65uma carta naquele mesmo mêsbet35 65setembro.

Violência e direito

Embet35 65carta, Freud começa manifestando surpresa com a pergunta que Einstein, um físico, fez a ele, um psicanalista.

"Inicialmente me assustei com o pensamentobet35 65minha (quase escrevi ‘nossa’) incapacidadebet35 65lidar com o que parecia ser um problema prático, um assunto para estadistas."

"Mas logo percebi que você havia proposta a questão não na condiçãobet35 65cientista da natureza e físico, mas como filantropo... E, a seguir, me lembrei que não fui chamado para formular propostas práticas, mas sim, para considerar como a questãobet35 65evitar a guerra se configura aos olhosbet35 65um cientista da psicologia."

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Legenda da foto, Nabet35 65idade, afirmou Freud, ele não estava lá para adoçar a realidade

Esclarecido o ponto, Freud passa a descreverbet35 65teoria da trajetória evolutiva da violência, que parte do princípio geralbet35 65que "os conflitosbet35 65interesses entre os homens são resolvidos pelo uso da violência".

"No início, numa pequena horda humana, era a superioridade da força muscular que decidia quem tinha a posse das coisas ou quem fazia prevalecerbet35 65vontade", escreve.

A força muscular é substituída pelo usobet35 65instrumentos, como as armas, que marcam "o momentobet35 65que a supremacia intelectual começa a substituir a força bruta", e o vencedor passa a ser "aquele que tinha as melhores armas ou aquele que tinha a maior habilidade no seu manejo".

Para Freud, fica claro, num primeiro estágio da trajetória evolutiva da violência, que é uma situaçãobet35 65"dominação pela violência bruta ou pela violência apoiada no intelecto".

Mas o pai da psicologia identifica uma mudança no transcurso dessa evolução.

"O caminho que levava ao reconhecimento do fatobet35 65que à força superiorbet35 65um único indivíduo, podia-se contrapor a uniãobet35 65diversos indivíduos fracos: a união faz a força."

"A violência podia ser derrotada pela união, e o poder daqueles que se uniam representa, agora, a lei,bet35 65contraposição à violência do indivíduo só. Vemos, assim, que a lei é a forçabet35 65uma comunidade."

Essa lei depende do preenchimentobet35 65um "fator psicológico", aponta Freud: "A união da maioria devia ser estável e duradoura. Se apenas fosse postabet35 65prática com o propósitobet35 65combater um indivíduo isolado e dominante, e fosse dissolvida depois da derrota deste, nada se teria realizado."

Controle central

Por fim, Freud trazbet35 65teoriabet35 65volta ao presente, dizendo que as guerras só serão evitadas "se a humanidade se unir para estabelecer uma autoridade central a qual será conferida o direitobet35 65arbitrar todos os conflitosbet35 65interesses".

"Nisto estão envolvidos claramente dois requisitos distintos: criar uma instância suprema e dotá-la do necessário poder. Uma sem a outra seria inútil."

Freud diz que "a Liga das Nações é destinada a ser uma instância dessa espécie", mas que a segunda condição não foi preenchida: "a Liga das Nações não possui poder próprio, e só pode adquiri-lo se os membros da nova união, os diferentes Estados, se dispuserem a cedê-lo. E, no momento, parecem escassas as perspectivas nesse sentido."

Crédito, Library of Congress

Legenda da foto, Carta para Einstein escrita por Freud

Freud segue ressaltando a faltabet35 65"uma ideia capazbet35 65exercer uma autoridade unificadora", e que os "ideiais nacionalistas, primordiaisbet35 65todos os países, operam na direção oposta".

" [...] Portanto, parece que qualquer esforço para substituir a força bruta pelo poderbet35 65um ideal está, nas condições atuais, fadado ao fracasso", conclui.

No entanto,bet35 65uma passagem menos pessimista do texto, ele observa:

"Entre as características psicológicas da civilização, duas aparecem como as mais importantes: o fortalecimento do intelecto, que está começando a governar a vida do instinto, e a internalização dos impulsos agressivos com todos os seus consequentes benefícios e riscos."

"Agora, a guerra vai mais enfaticamente contra a disposição psíquica que nos foi incutida pelo processobet35 65civilização; portanto, somos obrigados a ressentir a guerra, a considerá-la completamente intolerável."

A humanização

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Gustav Stresemann, ministro das Relações Exteriores da Alemanha, assinando o Pacto Briand-Kellogg, renunciando à guerrabet35 65agressãobet35 651928

Embora "não tenha sido chamado para formular propostas práticas", ele propôs um modelo.

Diferentementebet35 65Einstein, Freud era um elitista que pensava que o papel da "intelligentsia" era impor a ditadura da razão: "Se deve dar mais atenção, do que até agora se tem dado, à educaçãobet35 65um estrato superiorbet35 65homens com mentes independentes, não sucetíveis a intimidação e ansiosos por buscar a verdade, cuja missão seria abet35 65dirigir as massas dependentes."

A ideia dele era a humanização por meio da educação, e o que ele chamoubet35 65"identificação" com "qualquer coisa que leve os homens a compartilhar interesses importantes", criando assim uma "comunidadebet35 65sentimentos". Esses meios, ele observou, podiam levar à paz.

No entanto, Freud concluiu, com ambivalência e muito ceticismo, sobre as chancesbet35 65supressão dos instintos violentos e da guerra.

"O resultado destas observações,bet35 65relação ao assuntobet35 65questão, é que não há chancebet35 65que possamos suprimir as tendências agressivas da humanidade."

Quanto tempo?

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Cartão postal da União Mundialbet35 65Mulheres que dizia: 'Ser ou não ser. Desarmamento ou Desastre. Esta é a questão. Estão conscientes disso?'

No final, Freud deixou uma pergunta cujo eco é doloroso até hoje, diante do que viria a acontecer nas décadas seguintes:

"Quanto tempo temos que esperar até que o resto dos homens se tornem pacifistas?"

"Impossível dizer, mas talvez nossa esperançabet35 65que esses dois fatores — a atitude cultural e o temor justificado das consequênciasbet35 65uma guerra futura — venham a resultar, dentrobet35 65um tempo previsível,bet35 65que se ponha um término à ameaçabet35 65guerra."

"Por quais caminhos ou desvios aconteceria, é impossível adivinhar."

"Enquanto isso, podemos confiar que tudo o que contribui para o desenvolvimento cultural também está trabalhando contra a guerra."

"Espero que você me perdoe se o que eu escrevi o desapontou. Com a expressãobet35 65toda estima, subscrevo-me.

Cordialmente, Sigmund Freud."

* Você pode ler uma das cartasbet35 65Albert Einstein e Sigmund Freud (ligeiramente abreviadas) no site da Unesco (em espanhol).

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