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A vidawww cassinoSão Sebastião, padroeiro do Rio, que virou protetor dos gays:www cassino
Eternizado por relatos hagiológicos antigos, logo passou a ser venerado pelos cristãos. Acredita-se que populações se livraramwww cassinoepidemias pelo menos três vezes graças a intercessão dele.
Em 1567, foi num diawww cassinoSão Sebastião, 20www cassinojaneiro, que portugueses expulsaram os franceses que dominavam a região do Riowww cassinoJaneiro. Daí o santo ter se tornado padroeiro do lugar.
Mais recentemente, o santo foi apropriado por comunidades LGBT, que o transformaramwww cassinouma espéciewww cassinoícone gay.
Quem foi?
Autor do livro São Sebastião: o Mártir Que Desafio o Imperador Ao Se Declarar Soldadowww cassinoCristo, o padre Jeferson Mengali explica que Sebastião foi "um dos muitos soldados romanos" que acabaram "martirizados porwww cassinoféwww cassinoJesus". "É uma pena que tudo o que temos sobre esse santo é o que está nas ataswww cassinoseu martírio, escritas dois séculos mais tarde", lamenta ele.
"Conta-se que os escribas tinham ordenswww cassinocolocarem nessas atas detalhes do martírio, dando pouca ênfase a história do martirizado. E isso acontecia para assustar os cristãos, pois essas atas eram colocadas na cidade onde ocorria no martírio, para que todos pudessem conhecer as histórias e, assim, fosse desestimulada a adesão ao cristianismo" , explica o sacerdote.
Mengali conta que há três documentos antigos que fundamentam o que se sabe a respeito da vidawww cassinoSebastião: a 'Legenda Aurea', o 'Martirologio'—www cassinoregistro que teria sido feito no anowww cassino354 — e as 'Acta Santorum'.
Nesses textos, afirma-se que Sebastião teria nascido no anowww cassino250www cassinoNarbonne, cidade do império romano situada no atual sul da França. "[Diz-se também que ele] tinha feito muitos atoswww cassinoamor e caridade para com os irmãos cristãos", enfatiza o padre biógrafo.
Conforme pontua Mengali, "os detalhes do martíriowww cassinoSebastião foram elaborados" posteriormente. A primazia do relato é atribuída a Aurélio Ambrósio (340-397), influente religioso que foi arcebispowww cassinoMediolano, atual Milão.
Atribui-se a Ambrósio a autoriawww cassinoum texto registrado como sermãowww cassinonúmero 20,www cassinoque ele analisa o Salmo 118 e inclui a narrativa da mortewww cassinoSebastião.
"Sebastião foi um dos soldados romanos mártires e santos, cujo culto nasceu no século 4o. e atingiu seu auge por volta dos séculos 14 e 15", afirma Mengali. "Embora os seus martírios possam provocar algum ceticismo junto aos estudiosos atuais, certos detalhes são consistentes com atitudeswww cassinomártires cristãos seus contemporâneos."
Ele teria se alistado ao exército romano no anowww cassino283, quando vivia onde hoje é MIlão. "Ascendeu na carreira militar até se tornar capitão da guarda do imperador", conta o estudiosowww cassinohagiografias Thiago Maerki, pesquisador da Universidade Federalwww cassinoSão Paulo (Unifesp) e associado da Hagiography Society, dos Estados Unidos.
Segundo Maerki, a "finalidade do ingresso no exército era justamente ajudar os cristãos que vinham sendo aprisionados". "Ele trabalhava para auxiliar os perseguidos que estavam presos e se tornariam mártires", comenta o pesquisador. "A famawww cassinosantidadewww cassinoSebastião começou a partir disso."
Era um períodowww cassinoque ser soldado significava muitowww cassinotermoswww cassinostatus social. "Ele se tornou uma espéciewww cassinomodelowww cassinosoldado cristão, com uma ética, uma moral verdadeira no auxílio aos perseguidos e, numa atualização contemporânea, auxílio àqueles que sofrem", analisa Maerki.
As hagiografias antigas atribuem ao imperador Diocleciano (244-311) a descoberta da féwww cassinoSebastião ewww cassinocondenação à morte. "Segundo a ata do martírio do santo, escrita entre os século 4o. e 5o., Diocleciano teria afirmado algo como 'eu o tive entre os grandes no meu palácio e você agia contra mim'", relata Maerki. "Sebastião escondia isso, que era cristão, do imperador. Ele ajudava os cristãos prisioneiros às escondidas."
Duplo martírio
Os documentos antigos narram que awww cassinocondenação teria sido morrer por flechadas. "A história é que o imperador mandou que ele fosse penduradowww cassinoum postewww cassinomadeira para ser torturado com flechadas até a morte", diz o vaticanista Filipe Domingues, doutor pela Pontifícia Universidade Gregorianawww cassinoRoma e vice-diretor do Lay Centrewww cassinoRoma.
"Daí vem a imagem popular até hoje,www cassinoum santo com as flechas pelo corpo", acrescenta ele.
"A imagemwww cassinoSão Sebastião, tão conhecidawww cassinotodos nós, revela um momento importante do martírio deste grande santo", complementa Mengali. "A reprodução do martíriowww cassinoSão Sebastião, amarrado a uma árvore e atravessado por flechas, é uma imagem milhareswww cassinovezes retratadawww cassinoquadros, pinturas e esculturas por artistaswww cassinotodos os tempos."
É possível traçar uma analogia, portanto, com a própria crucificaçãowww cassinoJesus. Nesse sentido, Sebastião teria sofrido também uma "paixão", como se diz no meio religioso - isto é, um sofrimento que deveria resultarwww cassinomorte. "Mas ele não morreu nessa tortura", conta Domingues.
"O suplício das flechas não lhe tirou a vida, resguardada pela féwww cassinoCristo. As flechaswww cassinoSão Sebastião nos revelam a primeira fase das torturas que o santo enfrentou. Tendo como carrasco seus companheiroswww cassinoexército, São Sebastião suportou várias flechadaswww cassinoseu corpo sem renegar a fé", diz ainda o padre Mengali. "Quando todos pensaram que ele estivesse morto, deixaram-no amarrado para ser devorado pelos animais e aveswww cassinorapina."
Mas, fato ou lenda consolidada pelo cristianismo, o soldado teria sobrevivido. "Irenewww cassinoRoma [uma mulher cristã que depois também se tornaria santa] acabou recolhendo seu corpo com a finalidadewww cassinosepultá-lo. Mas ela percebeu que ele ainda estava vivo", narra Maerki.
"Ela o levou para a casa e começou a cuidar dele, tratando as feridas. E ele foi curado, uma cura considerada milagrosa", diz o pesquisador.
Sebastião foi então aconselhado por seus amigos a fugirwww cassinoRoma. "No entanto, ele decidiu procurar o imperador para reafirmarwww cassinofé", relata. "Acabou condenado novamente, desta vez para ser açoitado até a morte. Foi um santo que sofreu muito, praticamente um duplo martírio." Isso teria ocorridowww cassino20www cassinojaneirowww cassino286, daí a data que passou a ser celebrada pelo cristianismo.
Domingues afirma que, para ter certezawww cassinoque desta vez ele seria morto, Diocleciano ordenou que o corpo dele fosse jogado na chamada cloaca máxima, o sistemawww cassinoesgotowww cassinoRoma. "A tradição diz que isso foi feito mas que o corpo teria ficado preso numa parte específica e, depois, recuperado pelos cristãos, acabou enterrado nas catacumbas fora do centro da cidade, onde costumavam sepultar alguns cristãos", conta o vaticanista.
"Pouco antes do martírio, São Sebastião teria dito que 'anteswww cassinoser oficial do imperador, sou um soldadowww cassinoCristo'", diz Maerki. "A frase revela coragem, bravura. Mas é importante ressaltar que assim como a históriawww cassinomuitos mártires dessa época,www cassinovida está repletawww cassinolendas que se misturam com os fatos e dados verídicos."
Protetor contra epidemias
"Há toda uma construção [dewww cassinobiografia]. Há quem diga, por exemplo, que ele nunca sofreu flechadas, mas sim que a morte teria ocorrido por espancamento. Outras versões atestam que ele morreu já na primeira das condenações. É muito difícil afirmar o que é verdade e o que é lenda", prossegue o hagiólogo. "Há muitas controvérsias."
O vaticanista Domingues vê uma importância no simbolismo do ocorrido frente à própria evolução urbanísticawww cassinoRoma. "Segundo a tradição, ele foi martirizado no Palatino, que naquela época era o centrowww cassinoRoma, a colina onde ficava o palácio do imperador", comenta. "Hoje ali estão as ruínas do império e uma igreja dedicada a São Sebastião, aindawww cassinopé."
"Ou seja:www cassinoum lado, o fim daquele poder romano,www cassinooutro, a Igreja que resiste por causa do sanguewww cassinoseus mártires", compara o vaticanista.
Por contawww cassinosua hagiografia, Sebastião é visto hoje como "um defensor da Igreja, um proclamador da fé". "Justamente por ter sido insistente: teria sobrevivido à primeira tentativawww cassinomartírio, voltou e não fugiu, veiowww cassinonovo defender aquilowww cassinoque acreditava", argumenta Domingues.
Mais tarde, foi à devoção a São Sebastião que cristãos apelaram para sobreviver a epidemias.
"Venerado pelos fiéis desde a Antiguidade, muitos milagres são atribuídos a ele, mesmo enquanto ele era vivo", pontua padre Mengali. "No anowww cassino680, quando suas relíquias [seus restos mortais] foram transportadas solenemente para uma basílica, construídas por Constantino [imperador romano], cidadãos romanos sofriam com uma peste. A epidemia teria desaparecido na hora da transladação das relíquias, e esta é a razão porque os cristãos veneramwww cassinoSão Sebastião o grande padroeiro contra a peste."
Há relatos semelhantes ocorridoswww cassinoMilão,www cassino1575, ewww cassinoLisboa,www cassino1599, momentoswww cassinoque, segundo Mengali, "outras epidemias foram debeladas a partirwww cassinoquando o povo suplicou porwww cassinointercessão".
"Ele tem essa marca. Talvez devêssemos pedir ajuda para ele para sairwww cassinonossa situação atual", comenta Domingues.
Riowww cassinoJaneiro
O santo seria considerado padroeiro e protetor do Riowww cassinoJaneiro por contawww cassinoum episódio histórico do Brasil colonial. Quando franceses ocupavam a baíawww cassinoGuanabara e se tornaram aliados dos índios tupinambás, colonizadores portugueses começaram a articular uma maneirawww cassinoexpulsá-los.
"Em 1567, os portugueses e seus aliados, o grupo indígena rival dos tupinambás, os temiminós, destruíram a colônia francesa", diz Mengali.
"Segundo a lenda espalhada oralmente, já que não existe nenhum registro a respeito, São Sebastião foi vistowww cassinoespada na mão entre os portugueses, mamelucos e índios temiminós, lutando contra os franceses calvinistas e indígenas tupinambás, durante a batalha final que expulsou os franceses que ocupavam o Rio", conta o padre.
Batalha esta, vale frisar, que ocorreu no dia dedicado ao santo, 20www cassinojaneirowww cassino1567.
A devoção, então, cresceria por lá. No mesmo ano, o militar e governador-geral Estáciowww cassinoSá (1520-1567), considerado o fundador da cidadewww cassinoSão Sebastião do Riowww cassinoJaneiro, mandou erguer uma igrejinha a ele, junto ao Morro Carawww cassinoCão, atual bairro da Urca. Era pequena e simples. De taipa, cobertawww cassinosapé.
A igreja dedicada ao padroeiro seria feita entre 1578 e 1598. "Em 1922 a Igrejawww cassinoSão Sebastião foi transferida para uma nova Igreja na Tijuca, a Igrejawww cassinoSão Sebastião dos Frades Capuchinhos", conta padre Mengali. "Para lá também foram transferidoswww cassino1931 os restos mortaiswww cassinoEstáciowww cassinoSá, o marcowww cassinofundação da cidade, além do relicário com um fragmento do osso do mártir São Sebastião, juntamente com a imagem do santo trazidawww cassinoPortugal."
O biógrafo do santo explica que São Sebastião "sempre foi o padroeiro do Rio" e isso justifica seu "culto carinhoso por parte dos cariocas". "Nos tempos coloniais e nos da monarquia, a festawww cassinoSão Sebastião era celebrada com muito entusiasmo. Havia salvawww cassinotiros das fortalezas e dos navios, paradawww cassinotropaswww cassinogrande gala, cerimônias religiosas com missa solene, repiqueswww cassinosinos, foguetórios, danças populareswww cassinoplena rua", conta. "Atualmente, o povo do Rio comemora com missas e procissões a data que às vezes é confundida com a criação da cidade,www cassino1o.www cassinomarço."
O vaticanista Domingues comenta que essa ligação entre o mártir cristão e a cidade brasileira é visível inclusivewww cassinoRoma. "Existe uma tradiçãowww cassinoo arcebispo do Riowww cassinoJaneiro [atualmente, d. Orani Tempesta] celebrar na basílicawww cassinoSão Sebastião [em Roma]www cassinoocasiões especiais", recorda. "É uma coisa bonita, porque um lanço concreto e visível com o santo romano, com a igreja romana."
Ícone LGBT
Publicadowww cassinolivro, o ensaio 'Losing His Religion: San Sebastian As A Contemporary Gay Martyr' apresenta o santo como um ícone LGBT. O autor, o pesquisador norte-americano Richard Kaye, PhD pela Universidadewww cassinoPrinceton e professor no Hunter Collegewww cassinoNova York, apresenta-o como um soldado "muito amado" pelos imperadores romanoswww cassinoseu período, que o queriam sempre por perto.
O autor insinua que o santo poderia ter sido, mais do que guarda pessoal, amante dos imperadores.
A iconografia sacra, sobretudo a partir do Renascimento, passou a representá-lo como um jovem atlético — faz sentido, posto que ele era soldado e foi executado com apenas 30 anos. E, no imaginário, mostrado com as flechadaswww cassinoseu corpo, retratado sempre praticamente nu.
Kaye analisa que essa iconografia cristã "sustenta um ideal homoerótico", com o personagem "em êxtase", tal e qual um símbolo da "natureza supostamente sadomasoquista do erotismo masculino".
Na contemporaneidade, ativistas LGBT também viram no santo a representaçãowww cassinoum idealwww cassinoluta e persistência — ele era um cristão que não teve medowww cassinose assumir, assim como homossexuais hoje muitas vezes precisam ter coragem para se assumir.
O pesquisador Kaye chega a firmar que os "gayswww cassinohojewww cassinodia viram imediatamentewww cassinoSão Sebastião tanto o anúncio cálido do desejo sexual como um exemplowww cassinogay no armário que foi torturado".
Para Maerki, é importante ainda pontuar que São Sebastião "é o santo masculino mais retratado na história da arte". "E a imagem clássicawww cassinoseu corpo, seminu, resplandecendo beleza, se tornou símbolo. Historiadores e especialistas como Kaye veem nesse imaginário o corpo sendo retratado com um erotismo, uma espéciewww cassinopropaganda do desejo homossexual", analisa.
Segundo ele, os relatoswww cassinoque Sebastião mantinha "uma espéciewww cassinovínculo emocional com seus oficiais" e textos que o apresentam como "muito amado pelos imperadores" reforçam essa interpretação.
"Talvez tenha sido a junçãowww cassinotudo isso que fez com que a comunidade LGBT acabasse o escolhendo como uma espéciewww cassinomártir gay. E uma analogia é possível: se São Sebastião foi defensor dos que eram perseguidos, os cristãos perseguidos daquele tempo, que eram torturados e mortos, ele também desponta na nossa sociedade como um símbolowww cassinoluta por outra causa", compara Maerki. "Sabemos que a comunidade LGBT muitas vezes é perseguida. Ele surge como um símbolowww cassinodefesa,www cassinoproteção."
Padre Mengali lembra que a imagem do santo martirizado por flechas é uma construção posterior. "Diferente do que as pinturas mostram, São Sebastião não foi morto por flechas. Ele foi resgatado por Santa Irene e espancado até a morte a mando do imperador Diocleciano, que jogou seu corpo ferido nos esgotoswww cassinoRoma", enfatiza. "A imagemwww cassinoseu corpo seminu perfurado por flechas e aguardando o martírio foi estabelecida pelos pintores do Renascimento. A propagação dessa imagem despertou a imaginaçãowww cassinovários artistas, fazendowww cassinoSão Sebastião o santo masculino mais retratado na história da arte."
Para o biógrafo, contudo, a coragem que ele teve ao assumir frente ao imperadorwww cassinoposição como cristão é o que permite um paralelo com os homossexuaiswww cassinohojewww cassinodia, que muitas vezes também enfrentam dificuldades semelhantes para declararwww cassinoorientação sexual.
Ele percebe, contudo, um curioso ponto consagrado pelo imaginário sacro. "Por que São Sebastião, tendo sido também soldado e guerreiro, não possui a mesma simbologiawww cassinovirilidade e machismo que o Santo do Dragão?", pergunta ele.
"Olhando para a imagemwww cassinoSebastião, vemos uma imagemwww cassinofragilidade, passividade; um homem forte, mas indefeso, amarrado a uma árvore e cheiowww cassinoflechas", explica Mengali. "São Sebastião é aquele que ganha as pessoas com a palavra, aquele que convence com o diálogo, a conversa, não convence com a luta, como São Jorge. São Sebastião, se observarmos suas biografias antigas, tem poderwww cassinopersuasão, para animar cristãos indecisos e converter pagãos. Nesses temposwww cassinonegação da fé ewww cassinovalores espirituais, religiosos, humanos e sociais, São Sebastião torna-se um grande modelowww cassinoajuda para todos nós."
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