Cuidados paliativos: Os erros e mitos no tratamentosuper bet apostasdoenças graves no Brasil:super bet apostas

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Os cuidados paliativos foram parar no meiosuper bet apostasuma polêmica após diversas falassuper bet apostasdepoentes e senadores da CPI da Covid

No finalsuper bet apostassemana após a balada, Soares resolveu entender melhor o que esse talsuper bet apostaspaliativo realmente significava. "Quando finalmente compreendi, percebi que era algo óbvio, que deveria ter sido oferecido a mim desde o começo do meu tratamento", diz.

"Decidi então começar a fazer cuidados paliativos por mim mesma. Fui atrássuper bet apostasterapia, suporte espiritual e resolvi muitas questões que me causavam sofrimento", completa.

Nos últimos seis anos, Soares virou uma das vozes mais ativas do movimento paliativista brasileiro. Ela lançou os livros Enquanto Eu Respirar,super bet apostas2019, e Vida Inteira,super bet apostas2020, ambos pela Editora Sextante, cuida da contasuper bet apostasInstagram @paliativas, que tem maissuper bet apostas120 mil seguidores, e coordena a Casa Paliativa, um espaçosuper bet apostasconvivência para pacientes com enfermidades que ameaçam a vida.

"Eu posso até estar com uma doença grave. Mesmo assim, ainda vale a pena viver da melhor forma possível", raciocina.

Dez anos depois do diagnósticosuper bet apostascâncer, Soares seguesuper bet apostastratamento, mas conta que conseguiu conviver melhor com a doença graças aos cuidados palilativos.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Ana Michelle Soares estásuper bet apostas'tratamento paliativo' desde 2015

Do pouco conhecimento ao olho do furacão

Nas últimas semanas, os cuidados paliativos foram alvosuper bet apostasum intenso debate por causa da CPI da Covid. O assunto veio à tona pela primeira vez no dia 22super bet apostassetembro, quando os parlamentares que compõem a comissão ouviram o médico Pedro Benedito Batista Junior, diretor da Prevent Senior. Na ocasião, o senador Otto Alencar (PSD-BA) afirmou que a operadorasuper bet apostassaúde criou a figura do "paliatista".

"Ouvi muitos médicos dizendo, confirmando, que tiravam [o paciente com covid-19] da UTI, botavam na enfermaria e faziam a 'paliatização'. O seu hospital criou uma nova especialidade: 'paliatistas'", declarou o senador.

Ao ser perguntado o que significava esse termo, Alencar explicou: "Ao contráriosuper bet apostasfazer o tratamento correto dentro da UTI [...], o que acontecia? O paciente ficava sete dias. 'Esse aqui não vai ter jeito, vai para a enfermaria e vai tomar paliativos'. Por isso, chama-se 'paliatização' [...] Acredito que é um absurdo…"

No mesmo dia e nas outras reuniões que se seguiram, membros da CPI e os próprios depoentes fizeram uma sériesuper bet apostasoutras afirmações relacionadas a esse tópico. Alguns chegaram a dizer,super bet apostasforma equivocada, que cuidados paliativos só são ofertados à beira da morte e que a prática é similar à eutanásia.

O tema voltou a esquentar na sessão do dia 7super bet apostasoutubro, quando o advogado Tadeu Fredericosuper bet apostasAndrade,super bet apostas65 anos, compareceu à comissão e prestou seu relato após ficar internado com covid-19 num hospital da Prevent Senior e ouvir falarsuper bet apostascuidados paliativos.

Após toda essa exposição inesperada, entidades como a Academia Nacionalsuper bet apostasCuidados Paliativos (ANCP) soltaram notassuper bet apostasrepúdio às alegações e às formas como essa especialidade foi tratada. Parte desse material, inclusive, foi lido na própria CPI pelo senador Humberto Costa (PT-PE) na sessão do dia 29super bet apostassetembro.

Crédito, Pedro França/Agência Senado

Legenda da foto, Senador Otto Alencar disse que a Prevent Senior criou a figura do 'paliatista'

"Como o Brasil não tem política ou financiamento público e privado sobre os cuidados paliativos, o sofrimento dos pacientes acaba sempre relegado a um segundo plano", protesta o geriatra Douglas Henrique Crispim, presidente da ANCP.

"E há uma percepção absolutamente errada, quase uma lenda urbana, do que é ser paliativista. Muitos acham que a gente só é chamado na horasuper bet apostassedar o paciente, para ele morrer. Isso vem da faltasuper bet apostasconhecimento técnico sobre o assunto", completa a médica Ana Claudia Arantes, fundadora da Casa Humana, uma instituição que trabalha com cuidados paliativos, e autora dos livros A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver e Histórias Lindassuper bet apostasMorrer, ambos lançados pela Editora Sextante.

Dias depois daquela fala inicial,super bet apostas22/9, Otto Alencar disse à coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folhasuper bet apostasS. Paulo, que não se expressou bem e foi mal interpretado ao falar dos cuidados paliativos. A BBC News Brasil também procurou diretamente a assessoriasuper bet apostasimprensa do senador para que ele tivesse a oportunidadesuper bet apostasdar o seu pontosuper bet apostasvista sobre a questão, mas não recebemos uma resposta até a publicação desta reportagem.

Mas é possível aproveitar a polêmica criada na CPI e a proximidade com o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, comemoradosuper bet apostas9super bet apostasoutubrosuper bet apostas2021, para desfazer alguns mitos e explicarsuper bet apostasuma vez por todas o que é essa especialidade.

O que são os cuidados paliativos?

Em resumo, cuidados paliativos são uma área que lida com o sofrimento gerado pelo diagnóstico e pelo tratamentosuper bet apostasuma doença que ameaça a vida.

"A enfermidade envolve várias dimensõessuper bet apostassofrimento, da dor física às aflições espirituais e existenciais", acrescenta Crispim, que também é médico assistente do Núcleosuper bet apostasCuidados Paliativos do Hospital das Clínicassuper bet apostasSão Paulo.

"Muitas vezes, o paciente morre na UTI [Unidadesuper bet apostasTerapia Intensiva], longesuper bet apostasseus familiares e submetido a procedimentos que causam angústia e não vão mais salvar a vida dele", aponta.

O paliativista atua junto do enfermo esuper bet apostastoda asuper bet apostasfamília para aliviar possíveis focossuper bet apostasaflição e garantir o mínimosuper bet apostasbem-estar, dignidade, autonomia e independência neste momento.

Para Crispim, os profissionaissuper bet apostassaúde ainda carregam uma noção muito equivocada do que é cuidarsuper bet apostasalguém.

"A nossa medicina é condicionada a entregar três coisas como valor: exames, medicamentos e procedimentos", diz.

"Mas há um limitesuper bet apostasaté onde a medicina vai e nós podemos, sim, prover um outro tiposuper bet apostascuidado, que aproxima e conecta as pessoas sem 'abandonar' o paciente", completa.

"A sociedade tem um entendimentosuper bet apostasque fazer intervenções é sempre bom e deixarsuper bet apostasfazer é ruim. No cuidado paliativo, nós também prescrevemos tratamentos e procedimentos, mas nosso objetivo principal não é mais o controle da doença ou a cura", resume Arantes.

Que fique claro: a decisão sobre fazer ou não determinado tratamento dependesuper bet apostasuma conversa franca e honesta, que envolve toda a equipe médica, o paciente (se ele estiver consciente) e a família. A partir dessa reunião, é possível chegar a um consenso e tomar uma decisãosuper bet apostasconjunto sobre o melhor caminho a seguir.

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Legenda da foto, A realizaçãosuper bet apostascuidados paliativos depende do diálogo entre profissionais da saúde, paciente e familiares

O que não são cuidados paliativos?

Ao contrário do que foi dito na CPI, os cuidados paliativos, quando bem feitos e conduzidos, não tem nada a ver com eutanásia, ou com deixar o paciente morrer sem oferecer a ele o melhor tratamento.

"O pensamento é justamente o contrário: os cuidados paliativos são a principal forma que o Brasil tem para combater a eutanásia, que inclusive é uma prática ilegal no país", diferencia Crispim.

"Nosso trabalho é discutir os tratamentos disponíveis para aquele caso e pensar, seguindo a evidência científica, as opções terapêuticas que não vão funcionar e podem até aumentar o sofrimento", complementa.

Vale dizer aqui que a eutanásia é, por definição, uma ação ou uma omissão com a única finalidadesuper bet apostasabreviar a vidasuper bet apostasalguém.

Os cuidados paliativos, reforça Crispim, tentam trazer alíviosuper bet apostastodas as fases da doença e podem ser empregadossuper bet apostasparalelo à terapia-padrão.

Eles só são indicados no fim da vida?

Arantes lamenta que, no Brasil, a equipesuper bet apostascuidados paliativos só seja chamada nos últimos dias, quando não há mais muita coisa a ser feita.

"Infelizmente, a maioria dos brasileiros morrem doentes e mal cuidados", critica a médica.

O ideal, segundo o pontosuper bet apostasvista dela, é contar com o suportesuper bet apostasespecialistas na área desde o início, no momentosuper bet apostasque é feito o diagnóstico.

"O diasuper bet apostasque você pega o resultadosuper bet apostasum exame e sabe que está com uma doença que ameaçasuper bet apostasvida marca o início do sofrimento", diz.

E existem pesquisas mostrando que a aplicação precoce dos cuidados paliativos pode fazer toda a diferença.

Um estudo feitosuper bet apostas2015 no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, nos Estados Unidos, comparou dois grupossuper bet apostaspacientes com câncer avançado. O primeiro recebeu cuidados paliativos logo após o diagnóstico, enquanto o segundo esperou três meses antessuper bet apostasiniciar esse tiposuper bet apostascuidado.

Os resultados mostram que a primeira turma apresentou uma taxasuper bet apostassobrevivência após um ano relativamente maiorsuper bet apostascomparação com os outros indivíduos.

E os benefícios não se limitam aos pacientes: os próprios cuidadores apresentam melhor qualidadesuper bet apostasvida e menos taxassuper bet apostassintomas depressivos quando as terapias são iniciadas com antecedência.

Essas e outras evidências fizeram a Sociedade Americanasuper bet apostasOncologia Clínica (Asco, na siglasuper bet apostasinglês) mudar, a partirsuper bet apostas2016, suas diretrizes e indicar os cuidados paliativos como parte integrante do tratamento do câncer.

"Quanto antes a integração paliativa ocorrer, melhor os pacientes se sentirão, maior será o temposuper bet apostassobrevivência deles e mais fácil será tolerar todos os medicamentos", definiu a médica Vyjeyanthi Periyakoil, professora da Universidade Stanford e uma das autoras da recomendação.

Que tiposuper bet apostasdoenças demandam a atençãosuper bet apostasum paliativista?

Engana-se quem pensa que os indivíduos com câncer são os únicos beneficiados pelos cuidados paliativos.

"Pacientes com doença renal, pulmonar, cardíaca, enfim, qualquer uma que ameaça a continuidade da vida, podem se beneficiar", resume Arantes.

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Legenda da foto, Os cuidados paliativos podem ser ofertados a qualquer paciente que lida com uma doença que ameaça a vida

Que profissionais podem atuar nessa área?

A chave para uma equipe paliativista bem-sucedida está na multidisciplinaridade e nas diferentes formações dos profissionais

"O time básico é composto por médico, enfermeiro, psicólogo e assistente social", lista Crispim.

"Mas serviços mais especializados também contam com terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, odontologista e fisioterapeuta", acrescenta.

Na visão do especialista, cada um desses profissionais pode atuarsuper bet apostasuma forma diferente, aliviando diversos tipossuper bet apostasdor e sofrimento que podem surgir pelo caminho.

Essa é uma especialidade nova na medicina?

No formato atual, o paliativismo surgiu entre o final dos anos 1960 e o início dos 1970 no Reino Unido.

A pioneira da área é a britânica Cicely Saunders (1918-2005). Ela se formousuper bet apostasenfermagem, serviço social e medicina com o objetivosuper bet apostasaliviar o sofrimento humano.

Em 1967, Saunders fundou o St. Christopher's Hospice,super bet apostasLondres, que fornece cuidado integral ao paciente com doença grave.

De acordo com o site da ANCP, a enfermeira, assistente social e médica se notabilizou pela frase "ainda há muito a fazer", que era repetida toda vez que um paciente dizia ter ouvidosuper bet apostasprofissionaissuper bet apostassaúde que "não há mais nada a fazer".

Outra referência na área foi Elisabeth Kübler-Ross (1926-2004), uma psiquiatra suíça que escreveu o livro Sobre a Morte ou o Morrer (Editora WWF).

Mas o conceitosuper bet apostascuidado integral do sofrimento é bem mais antigo que isso. "Até o início do século 20, o médico era a pessoa que acompanhava o paciente, até porque não havia muita coisa a ser feita na maioria dos casos", explica Arantes.

O nome paliativo, aliás, vem do latim pallium, que era o nome do manto usado por cavaleiros como proteção das chuvas ao longo das viagens.

Legenda da foto, Cicely Saunders é considerada uma das figuras pioneiras nos cuidados paliativos modernos

Tratar a dor é o único foco dos cuidados paliativos?

Essa costuma ser a primeira missão dos paliativistas, mas não a única.

"A pessoa que está com dor não consegue sequer pensar nas outras dimensõessuper bet apostassofrimento", destaca Soares.

Nos dias atuais, a medicina tem à disposição alguns remédios para acabar com os incômodos físicos. O desafio, claro, é saber usá-los na dose e no momento certo.

"A dor chega a atrapalhar o próprio tratamento, já que ela causa ansiedade e depressão e interfere diretamente na qualidadesuper bet apostasvida", nota a escritora e ativista.

Quando esse deixasuper bet apostasser o incômodo principal, a equipesuper bet apostascuidados paliativos consegue atuar com mais tranquilidadesuper bet apostasoutros aspectos importantes.

"É nessa hora que eles perguntam as outras dores que estamos sentindo. Isso envolve uma sériesuper bet apostasoutros fatores, que vão desde questões existenciais, como qual o propósito da vida e o que há depois da morte, até coisas práticas, como os direitos do paciente e o transporte até o hospital", detalha Soares.

Nessa seara, entra também uma discussão sobre estigmas e chavões muito comuns nesse momentosuper bet apostasmaior debilidade.

"Ouvimos muitosuper bet apostasoutras pessoas que precisamos ter fé para melhorar. Daí, quando não melhoramos, ficamos com aquela sensaçãosuper bet apostasque estamos sendo castigados por uma força divina e não merecemos a cura", aponta Soares.

"Outra coisa vergonhosa é usar palavras bélicas para definir o tratamentosuper bet apostasuma doença. Nos acostumamos a ouvir que a pessoa 'perdeu a batalha' contra o câncer, como se ela fosse fracassada", acrescenta Arantes.

"Se a cura fosse tão fácil assim, não teríamos tanta gente estudando o assunto há décadas", completa.

Ainda na questão dos preconceitos e mitos, o médico Douglas Henrique Crispim, presidente da ANCP, fez um pedido especial pouco antessuper bet apostasencerrar a entrevista para esta reportagem. "Por favor, não usem aquela imagem clássicasuper bet apostasuma mão sobre a outra para ilustrar os cuidados paliativos", disse à BBC News Brasil.

"Nós precisamos mostrar que a morte faz parte da vida, e é possível buscar dignidade e bem-estar mesmo num momento tão difícil", completou.

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