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Depressão: 'Pessoas olham a própria vida como se fosse uma empresa a ser medida pelos resultados', diz psicanalista:topbet365 com
As causas daquilo que faz sofrer deixaramtopbet365 comimportar, e uma listatopbet365 comsintomas passou a servir respostas onde deveria haver mais perguntas.
"Depressão e ansiedade acabam sendo duas formastopbet365 comsofrer que vão compactando a narrativa, a tal ponto que o sujeito acaba se resumindo a 'eu sou um depressivo'. Faz parte da depressão essa demissãotopbet365 comcontartopbet365 comprópria história e dividi-la com o outro", afirma,topbet365 comentrevista à BBC News Brasil.
Isso trouxe consequências.
"Durante 40 anos a gente olhou pra depressão como meramente um efeitotopbet365 comdéficittopbet365 comneurotransmissores. Portanto, não fazia diferença como você fala datopbet365 comvida, pra quem, como você se entende. Agora estamos pagando a conta desses anos que, entre outras coisas, não investiram no que podemos chamartopbet365 cominstâncias protetivas."
Se há uma profilaxia para a depressão, ela precisa passar pelo cuidado consigo e com os próprios limites, explica o autor.
"Não precisamostopbet365 comum batalhãotopbet365 compsicólogos, psicanalistas, psiquiatras, especialistastopbet365 comsintomas. Precisamostopbet365 commuita gente atenta ao sofrimento,topbet365 compráticas que transmitam para as pessoas que elas podem se cuidar e se prevenir, cada qual do seu jeito".
Confira os principais trechos da entrevista:
topbet365 com BBC News Brasil - Como a depressão chegou ao postotopbet365 comdiagnóstico mais frequente para se descrever as formastopbet365 comsofrimento mentaltopbet365 comnossa época?
topbet365 com Christian Dunker - Existem várias condições para que a gente eleja uma determinada formatopbet365 comsofrimento como aquela que melhor nos representa. Isso aconteceu ao longo da História com a histeria, a hipocondria e a melancolia. Dá a impressãotopbet365 comque essa palavra vai representando cada vez mais gente até que se esgota e precisa ser substituída por outra, pois passa a representar tantas variantestopbet365 comsofrimento que perdetopbet365 comeficáciatopbet365 comtermos das gramáticastopbet365 comreconhecimento.
"Depressão" foi eleita, e não outra, principalmente porque desde os anos 70 ela é uma formatopbet365 comsofrimento onde o conflito não aparece como muito fundamental, mas, sim o jogotopbet365 comintensidades: nossos afetos, ânimos, nossa motivação. Isso passa a ser muito valorizado justamente nesse momento históricotopbet365 comque as pessoas começam a olhar paratopbet365 comprópria vida como se ela fosse uma empresa, como se ela pudesse ser medida pelos resultados; a gente entra numa culturatopbet365 comavaliacionismo.
Os anos 70 inventam a ideia do no limits [não há limites],topbet365 comque a gente pode e deve ser feliz, como diz a definiçãotopbet365 com"saúde" pela OMS: o mais completo estadotopbet365 combem-estar bio, psíquico e social. Se isso não é uma idealização do que alguém pode esperar da vida, então não sei o que é!
Em comparação com isso, aqueles que têm outro modotopbet365 comfuncionamento, que estãotopbet365 comoutro tempo, que não conseguem fazer frente à lógica do produzir e consumir, ganham visibilidade, porque é como se estivessem ofendendo não só a si mesmos e aos familiares, mas a todos nós e ao sistema. Alguém que se recusa a sair da cama, alguém que perdeu a vontade é alguém que perdeu o desejo numa culturatopbet365 comque o desejo é farto, livre e identificado com o consumo; daí a visibilidade dessa formatopbet365 comsofrimento.
topbet365 com BBC News Brasil - Quais as consequências desse apagamento do conflito?
topbet365 com Dunker - Tem teorias que valorizam o conflito, mas há também aquelas que vão dizer "olha, o conflito não é tão importante". Acho que essas outras maneirastopbet365 compensar são adequadas ao momento atual. Vamos lembrartopbet365 com1989, anotopbet365 comque o murotopbet365 comBerlim cai. É o fim das utopias, da Guerra Fria,topbet365 comum mundotopbet365 comque a gente tinha uma geografia muito claratopbet365 comdireita e esquerda, Ocidente e oriente. Esse é o mundo do conflito.
Essa premissa vai sendo reduzida e aparece uma nova forma, que diz assim: no fundo, o conflito só existe pra quem não sabe gerenciar as coisas e não sabe se organizar. Porquetopbet365 comuma vidatopbet365 comestruturatopbet365 comlistas,topbet365 comque o objetivo é relativamente simples, o conflito que você tem é local, como realizar tarefas e entregar resultados. Se a gente se orienta pra isso, não tem motivo pra se perguntar o porquê dessa tarefa ou daquela outra; o foco é no resultado, no fim. Com isso, a gente perde o foco no processo. Se você entregar o resultado, está bom.
topbet365 com BBC News Brasil - Como isso aparece no dia a dia?
topbet365 com Dunker - Se for pra virar a noite pra entregar a pauta, você vira a noite; se for pra trabalhar no fimtopbet365 comsemana, você trabalha; se for pra prejudicar alguém, você faz isso também. Ou seja, a gente foi criando um esquematopbet365 comrelações profundamente ofensivo pra nosso cuidadotopbet365 comsi e para nossa subjetividade. A desativação do conflito deu muito resultado porque fez as empresas descobrirem que ao aumentar o sofrimento das pessoas, você aumenta o resultado e a performance.
Mas isso também foi acelerado pela linguagem digital e a formação das comunidades virtuais. Se estou tendo um conflito com você, eu dou um delete, um unfollow, cancelo.
São dois procedimentos básicos que têm muito a ver com a emergência da depressão: diante da contrariedade, module a realidade: então, mudetopbet365 compaís,topbet365 comcasa,topbet365 comrelacionamento etopbet365 comambiente. O segundo é altere a paisagem mental: tome uma coisa, cheire outra, tome outra pra dormir, acordar, transar... Se você tiver uma boa realidade construída, tudo vai ficar bem. Não, tudo vai ficar deprimido!
topbet365 com BBC News Brasil - Por que a narrativa contemporânea da depressão é marcada pela individualização do sofrimento, como "aquele que fracassa sozinho", "fica à margem" e "não performa suficientemente"?
topbet365 com Dunker - A depressão tem um mecanismo importante que é a autoavaliação. Freud falava que o supereu observa, julga e pune. O supereu é uma interiorizaçãotopbet365 comuma certa versão da lei, frequentemente patológica e obscena. É uma versão da lei que é atopbet365 comlei.
Deleuze, Foucault e vários críticos apontaram o momentotopbet365 comque você não precisa maistopbet365 comum feitor te ameaçando e falando alto com você. Pelo contrário, o gestor é soft, ameno, tem valores humanísticos. Mas ele sabe ativartopbet365 comvocê essa autoavaliação que já estátopbet365 comtodos nós, mas vamos dizer, tem a preferência do deprimido.
"Estou falando com ela agora, será que está sendo interessante?". Quando me autoavalio, não estou mais com você, estou nesse circuito superegoico. Isso produz cansaço porque é como você levar uma vida dupla: estou com as pessoas e estou na paralela com essa contabilidade íntima. A gente sabe que o cansaço abre-se para uma correlação com a depressão.
Nesse contexto, a ansiedade é como fazer valer essa leitopbet365 comque "eu controlo". Eu controlo fora. Se não controlo, é porque não tenho os meios, o dinheiro, o poder nem a fama pra fazer isso. E eu controlo dentro, tomando uma pílula, meditando.
Essa ideia da controlabilidade vai transformar minha relação com o desejo, ainda a ser nomeado, numa relação com metas e coisas que posso contabilizar. Isso é terrível porque voltando ao processo depressivo, vou começar a me relacionar com meu desejo transformando-otopbet365 comdemandas, tarefas. Você começa a se perguntar cronicamente "mas o que será que eu quero?" e começa a se responder numa via tipicamente depressiva que é "eu não quero isso, eu não quero aquilo lá também".
Isso funciona como uma inibição do desejo e já não consigo sair da cama. Estou me produzindo uma inibição no desejo porque o desejo me provoca ansiedade, já que ela está ligada a métricas que não alcanço. Disso decorre um rebaixamento do eu, um sentimentotopbet365 cominferioridade e a progressão dessa culpabilização que tão frequentemente caracteriza o depressivo.
Tem ainda a experiência com o prazer. Um depressivo cruza uma certa fronteira quando começa a perceber que tem um problema na capacidadetopbet365 comsentir prazer. Ele toma mesmo vinho, dança com mesma mulher, vai ao mesmo jogo, lê o mesmo livro e não tem aquela satisfação que teve algum dia. Muitas vezes isso é dado pela dificuldade do depressivotopbet365 comsustentar cadeias mais extensastopbet365 comsatisfação, que envolvem você ir encontrando satisfação durante o processo e não só no fim. Uma coisa característica são os prazeres rápidos, curtos e que estão à mão.
E aí você vai ter a coligação mórbida e tão frequente do depressivo com o álcool e com certas dependências, como atopbet365 compornografia.
topbet365 com BBC News Brasil - No livro você aborda o quanto o conceito do que chamamostopbet365 comansiedade também foi passando por uma perda da historicidade.
topbet365 com Dunker - Sim, e provavelmente a depressão e a ansiedade são uma coisa só. São partestopbet365 comum mesmo processotopbet365 comque você tem sujeitos que estão mais próximostopbet365 comum polo outopbet365 comoutro, mas a grande maioria trafega entre "eu me aproximo do desejo, isso me dá uma crisetopbet365 comansiedade" e "eu recuo do desejo e daí faço uma crise depressiva". Pra sair da depressão, eu volto para a ansiedade. São muitas as fórmulas que combinam essas duas coisas.
Para a psicanálise, a ansiedade é uma forma específica da angústia, e angústia tem uma dupla função: ela pode ser o iníciotopbet365 comum desejo, ou o pontotopbet365 comrecuo. Encontrei a angústia: eu vou pra frente e me arrisco, ou eu volto e pelo menos protejo meu eutopbet365 comsofrer. Esse circuito fica mais compreensível se a gente juntar as coisas.
Mas o DSM [Manual Diagnóstico e Estatísticotopbet365 comTranstornos Mentais, sistematopbet365 comclassificação utilizado pela psiquiatria] separou e isso faz parte do universo que criou a depressão, ou seja, a ideiatopbet365 comque os nossos transtornos mentais já não têm mais estrutura narrativa, têm estruturatopbet365 comlista. Tal e tal sintoma, então é depressão. Tal e tal sintoma, então é ansiedade. Qual é a causa? Não importa.
Depressão e ansiedade acabam sendo duas formastopbet365 comsofrer que vão compactando a narrativa, a tal ponto que o sujeito acaba se resumindo a "eu sou um depressivo". Faz parte da depressão esse déficit narrativo, essa demissãotopbet365 comcontartopbet365 comprópria história,topbet365 comvida, e dividi-la com o outro.
topbet365 com BBC News Brasil - Há alertas sobre a incidênciatopbet365 comdepressão durante e no pós-pandemia. Você acha que estamos discutindo as perdas o Brasil está vivendo?
topbet365 com Dunker - Se por um lado o descaso na condução da crise sanitária pelo governo, o desdém pelo luto e a ausênciatopbet365 comreverência com pessoas que pertenciam à cultura constituem uma tragédia particular brasileira, por outro marcam a negação do luto, que é uma das vias pelas quais a depressão também se instala.
Tipicamente o sujeito diz "ah, não perdi nada, eu só ganhei. Isso são números, são curvas, isso aí não me afeta". Mas afetatopbet365 comum outro jeito, isso volta como uma depressão inexplicável. Vamos ver os lutos que você deixou pelo caminho.
No começo da pandemia no Brasil, os primeiros dadostopbet365 compesquisa foramtopbet365 comaumento massivotopbet365 comdepressão, mas, na clínica, curiosamente isso não se confirmou tanto assim. Há casostopbet365 comexceção, como quem está na frentetopbet365 combatalha ou os jornalistas; aí eu vejo realmente um aumento substancialtopbet365 comdepressão e ansiedade porque ligados ao contexto.
Em outro grupo muito extenso, a gente tem vidas que diminuíram atopbet365 comaceleração e isso sempre tem um valor terapêutico para o depressivo, porque ele está lutando contra a autoavaliação e um atraso crônicotopbet365 comrelação ao tempo do mundo. Estou sugerindo que muitos depressivos foram protegidos datopbet365 comdepressão pela quarentena, pelo "ficatopbet365 comcasa".
topbet365 com BBC News Brasil - Da mesma forma, muito tem se falado sobre depressão entre crianças e adolescentes.
topbet365 com Dunker - Uma criançatopbet365 com4, 5 anos que não se dá bem com a tela e que estava nesse momentotopbet365 comdescoberta real do outro tridimensional. Ela teve acesso a um novo brinquedo e perdeu. Quando volta?
E você vai ter no outro lado jovens que estão no momentotopbet365 com"vou sairtopbet365 comcasa, estou começando um novo momentotopbet365 comvida, me formando, entrando na faculdade". Você tinha uma grande idealização numa cultura já marcada por um forte sentimentotopbet365 comdesempenho e felicidade obrigatória. "Uhu, entrei na faculdade! Mas isso não é uma faculdade. É uma telinha,topbet365 comque o cara aparecetopbet365 comveztopbet365 comquando, nem olha na minha cara. Não é o que foi prometido". Você vai encontrar aí alguns elementos propícios para quadros ansiosos e depressivos porque não há partilha com o outro.
Vou acrescentar um grupo a estes que você falou: o dos idosos,topbet365 comque você tem,topbet365 comfato, perdas que incitam a processos depressivos. Perdas reais, sem condiçãotopbet365 comelaboração do luto. Dependendo, claro, da condiçãotopbet365 comcada um, os idosos enfrentam situaçõestopbet365 comque um ano a menos não tem reposição.
topbet365 com BBC News Brasil - Pensando nessa incidência tão massiva da depressão, qual a importância das políticas públicastopbet365 comprevenção?
topbet365 com Dunker - Durante 40 anos a gente olhou pra depressão como meramente um efeitotopbet365 comdéficittopbet365 comneurotransmissores. Portanto, não fazia diferença como você fala datopbet365 comvida, pra quem, como você se entende. Agora estamos pagando a contatopbet365 com40 anos que, entre outras coisas, não investiram no que podemos chamartopbet365 cominstâncias protetivas.
Tem que olhar para as situaçõestopbet365 comsofrimento das pessoas. O sofrimento mal tratado vira sintoma. Não precisamostopbet365 comum batalhãotopbet365 compsicólogos, psicanalistas, psiquiatras, especialistastopbet365 comsintomas. Precisamostopbet365 commuita gente atenta ao sofrimento,topbet365 compráticas que transmitam para as pessoas que elas podem se cuidar e se prevenir da formaçãotopbet365 comsintomas, cada qual do seu jeito.
Veja como é difícil inocular uma saúde pública que não seja regra geral. Esse processotopbet365 comencontrar os próprios mecanismostopbet365 comproteção ainda não entrou na nossa cultura. A gente tem uma culturatopbet365 com"vá à academia", "coma verde", mas quanto a cuidartopbet365 comsi, as pessoas não sabem por onde começar.
Comece pela atenção ao sofrimento. Não é normal todo o sofrimento. Esse é suportável? De onde ele vem? Professores, pais, todo mundo tem implicação nisso. Esse processotopbet365 comatenção ao sofrimento envolve, por exemplo, atenção a processostopbet365 comisolamento. Nem sempre alguém que está num quarto jogando videogame estátopbet365 comisolamento, mas, às vezes está. Às vezes está fazendo isso para não ver os outros, e não como uma mediação para estar com os outros.
Mas tem que ir lá ver, conversar, investigar, porque você não vai bater o olho e ver que tem um problema. Isso tem a ver com como as pessoas narram, nomeiam. E evitar nomeações fáceis como "isso é uma depressão": vai tomar antidepressivo. Remédio sem palavra não é bom. Palavra,topbet365 comrelação, protege. Principalmente quando a relação consegue produzir certos efeitos protetivos, como intimidade (confiança, porto seguro) e comunalidade (pertenço a um coletivo, um grupo, uma família).
topbet365 com BBC News Brasil - No livro você destaca a importância que o significante depressão adquiriu a partir da Crisetopbet365 com1929. Qual a relação entre grandes crises econômicas e a depressão na saúde mental?
topbet365 com Dunker - Aparentemente o significante depressão foi antes usado na economia e depois na psicologia. Ele existia, mas adquiriu grande popularidade depois que as pessoas interpretaram um estadotopbet365 commundo - faltatopbet365 comemprego, inflação, perdatopbet365 comvalor, decaimento - como isso é depressão. Não vamos ignorar as condições que temostopbet365 comlinguagem, trabalho e desejo. O anotopbet365 com1973 é quando pela primeira vez se aplicatopbet365 comum país - no Chiletopbet365 comPinochet - as ideias do neoliberalismo da escola austríaca. Depois vieram Margaret Thatcher e Ronald Reagan e isso se tornou indiscutível - "a economia é isso, essa é a lei geral, você tem que aceitar". Isso foi até 2008.
Acho que podemos datar o reinado da depressãotopbet365 com1973 a 2008. Não que o neoliberalismo tenha passado - pelo contrário, está mais vivo e exigindo maistopbet365 comcada umtopbet365 comnós -, mas, porque,topbet365 com2008, parece que começamos a nos dar contatopbet365 comque não está certo você impingir sofrimento ao outro para produzir mais e indefinidamente.
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