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'Sem tributar especulação, oportunidades iguais não bastam contra desigualdades': a visãoMichael Sandel, filósofo estrelaHarvard:
Sandel, no entanto, ataca essa ideia e as muitas falácias que, na avaliação dele, esse tema esconde.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida à BBC News Mundo, serviçoespanhol da BBC.
BBC News Mundo - O que háerrado com a meritocracia?
Michael Sandel - De certa forma, a meritocracia é uma ideia atraente porque promete que, se todos tiverem oportunidades iguais, os vencedores merecem vencer. Mas a meritocracia tem um lado obscuro.
Existem dois problemas com a meritocracia. Um é que realmente não vivemosacordo com os ideais meritocráticos que professamos ou proclamamos, porque as oportunidades não são realmente as mesmas.
Os pais ricos podem passar seus privilégios aos filhos, não (necessariamente) deixando grandes propriedades, mas dando-lhes vantagens educacionais e culturais para serem admitidos nas universidades.
BBC News Mundo - Em seu livro, você conta, por exemplo, que a grande maioria dos alunosuniversidadesprestígio como Princeton ou Yale, nos EUA, pertencem a famílias muito ricas.
Sandel - É assim. Na verdade, nas universidades da chamada Ivy League (que inclui as universidadesBrown, Columbia, Cornell, Dartmouth College, Harvard, Pensilvânia, Princeton e Yale, algumas das mais prestigiadas dos Estados Unidos), há mais alunos que pertencem ao 1% das famílias com maior rendimento do país do que aos 60% com menor renda.
Portanto, o primeiro problema com a meritocracia é que as oportunidades não são realmente iguais.
BBC News Mundo - E o segundo problema?
Sandel - O segundo problema com a meritocracia tem a ver com a atituderelação ao sucesso. A meritocracia incentiva aqueles que são bem-sucedidos a acreditar que isso se deve a seus próprios méritos e que, portanto, merecem todas as recompensas que as sociedadesmercado concedem aos vencedores.
Mas se aqueles que são bem-sucedidos acreditam que o conquistaram com suas próprias realizações, também tendem a pensar que aqueles que foram deixados para trás são responsáveis por viverem assim.
É um problemaatituderelação ao sucesso que leva a uma divisão das pessoasvencedores e perdedores. A meritocracia cria arrogância entre os vencedores e humilhação para os que ficaram para trás.
BBC News Mundo - E se a meritocracia é realmente uma coisa tão perversa, por que nas últimas décadas muitos políticos a abraçaram?
Sandel - É uma pergunta muito interessante. Durante as últimas décadas, os partidoscentro, esquerda e direita adotaram uma versão neoliberal da globalização que causou um aumento nas desigualdades.
E os partidoscentro-esquerda responderam a essas desigualdades não procurando reduzi-las diretamente por meiopolíticas econômicas, mas oferecendo a promessaque era possível ascender socialmente, o quemeu livro chamo"retórica da ascensão".
A ideia é que, se criarmos oportunidades iguais, não precisaremos nos preocupar muito com a desigualdade porque a mobilidade pode permitir que as pessoas passemempregos com remuneração estagnada para empregos melhores.
Os partidoscentro-esquerda ofereceram a retórica da ascensãovezresponder diretamente à desigualdade.
Colocandooutra forma:vezabordar diretamente a desigualdade, ofereceram a mensagemque a mobilidade individual pode ser alcançada por meio do ensino superior; eles disseram que para vencer na economia global você tinha que ir para a faculdade e obter um diploma universitário, porque o dinheiro que você ganharia dependia do que você aprendeu e estudou, e se você se esforçasse, poderia alcançá-lo.
Todas essas ideias fazem parte da retórica da ascensão, e os partidoscentro-esquerda pensaram que era uma forma inspiradoraencorajar as pessoas a melhorarem suas próprias condiçõesindivíduos, obtendo um diploma universitário.
E,certa forma, essa mensagem é inspiradora. Todos querem acreditar que se você trabalhar duro, pode melhorarcondição.
Mas embora possa ser uma mensagem inspiradoraalguma forma, por outro lado é um insulto, porque implica que se você não foi para a universidade e está passando por momentos difíceis na nova economia, a culpa do seu fracasso é só sua. E isso, insisto, é um insulto para muitos trabalhadores.
O que as elites políticas e meritocráticas esquecem é que a maioria das pessoas não possui um diploma universitário. Nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, quase 2cada 3 pessoas não têm diploma universitário.
É um erro criar uma economiaque a condição para o sucesso seja um diploma universitário, que a maioria das pessoas não possui. E isso também se aplica à Europa.
E assim os partidoscentro-esquerda perderam muitos dos eleitores da classe trabalhadora que tradicionalmente erambaseapoio. Vimos isso com o Partido Democrata nos Estados Unidos, com o Partido Trabalhista na Grã-Bretanha, com os partidos social-democratas na Europa...
Esses partidos têm se tornado cada vez mais partidos das classes profissionais, das elites com formação universitária, e vêm perdendo apoio entre os trabalhadores sem formação universitária.
BBC News Mundo - E para onde foram esses eleitores?
Sandel - Esses eleitores passaram a apoiar políticos e partidos populistas autoritários, apoiaram Donald Trump nos EUA, o brexit na Grã-Bretanha e partidos populistas autoritários na França, Espanha e outros países.
BBC News Mundo - O que exatamente a meritocracia tem a ver com a chegadaDonald Trump à Casa Branca após as eleições2016 ou com a ascensão do populismo?
Sandel - Nas últimas décadas, a divisão entre vencedores e perdedores se aprofundou, envenenando nossa política e nos separando. Essa divisão tem a verparte com as crescentes desigualdades das últimas décadas.
Mas também tem a ver com como as atitudesrelação ao sucesso mudaram com o aumento da desigualdade. Aqueles que chegaram ao topo na era da globalização passaram a acreditar que seu sucesso era todo deles porque o conquistaram por seus próprios méritos, e que os perdedores não tinham ninguém para culpar por seu fracasso, exceto eles próprios.
Isso reflete a ideia meritocrática, pois se as possibilidades forem iguais para todos, os vencedores merecem seus ganhos.
À medida que essas atitudes se firmavam, a arrogância meritocrática levou os vencedores a acreditar que seu sucesso era o resultadoseus próprios talentos e trabalho árduo, e levou à desmoralização e humilhação dos perdedores. E uma das formas mais poderosasreagir contra isso é a ação violenta e populista contra as elites.
Muitos trabalhadores sentem que as elites os desprezam, que não os respeitam, não respeitam o tipotrabalho que fazem. E isso criou raiva e ressentimento cada vez maiores entre os trabalhadores, que sabiam que estavam trabalhando duro, mas recebendo menos dinheiro, porque os salários dos trabalhadores estão estagnados há quatro décadas.
Os partidos populistas autoritários apelam para as queixas das pessoas que se sentem desprezadas por esse sistema, um ressentimento que as atitudes meritocráticasrelação ao sucesso alimentaram.
A maior parte dos ganhos da globalização foi para os 20% mais ricos, e a metade inferior dos trabalhadores não recebeu nenhum desses ganhos, nenhum. Mas não foi apenas exclusão econômica.
Também aquela sensaçãohumilhação que vemsentir que as elites te menosprezam, que consideram você o culpado do seu próprio fracasso e que se têm sucesso é porque o mereceram. Isso criou a raiva e o ressentimento para os quais figuras populistas autoritárias, como Donald Trump, apelaram.
BBC News Mundo - Donald Trump,fato, sempre criticou as elites. Mas ao mesmo tempo ele se vê como fruto da meritocracia, como um homem que se fez. É um pouco contraditório, não acha?
Sandel - Donald Trump foi um empresário que ganhou muito dinheiro. Mas a raiva e o ressentimento não são contra aqueles que aspiram a riqueza e status.
Desta forma, e apesarter muito dinheiro, Donald Trump manifestou o sentimentoressentimento contra as elites meritocráticas, pois ao longo dacarreira empresarial sempre se sentiu desprezado pelas elites financeiras, elites profissionais e elites intelectuaisNova York.
E há muita verdade nisso, ele nunca foi aceito ou respeitado pelas elitesNova York ou elites meritocráticas.
É por isso que sempre sentiu uma profunda insegurança, que vinhase sentir desprezado. E, paradoxalmente, isso permitiu-lhe, apesarrico, expressar o ressentimento que muitos trabalhadores sentiamrelação às elites meritocráticas.
BBC News Mundo - E se a meritocracia não é boa, se não funciona bem, o que devemos fazer para alcançar sociedades mais igualitárias?
Sandel - Acho que devemos nos concentrar menospreparar as pessoas para uma competição meritocrática e nos concentrar mais na dignidade do trabalho.
Devemos promover medidas e políticas que tornem a vida melhor e mais segura para os trabalhadores, independentementesuas realizações e qualificação acadêmica.
No livro, apresento várias maneiras pelas quais podemos mudar o discurso político nessa direção. E, nesse sentido, a eleiçãoJoe Biden como presidente dos EUA após derrotar Donald Trump me parece muito interessante.
Biden é o primeiro candidato democrata à Presidência36 anos sem um diplomauma prestigiosa universidade da Ivy League. O primeiro candidato democrata36 anos!
Isso mostra como nas últimas quatro décadas o Partido Democrata tem sido um reflexo do domínio das elites meritocráticas.
E acho que parte do sucessoBiden é precisamente que, por não vir da elite meritocrática, ele foi capazse conectarforma mais eficaz com os eleitores da classe trabalhadora. Durante a campanha eleitoral, por exemplo, Biden falou da necessidaderenovar a dignidade do trabalho.
Mas não me interpretem mal: não estou dizendo que devemos abandonar o projetoigualdadeoportunidades. Esse é um projeto muito importante, moral e politicamente. O erro é presumir que a criaçãomais oportunidades iguais é uma resposta suficiente às enormes desigualdadesrenda e riqueza que a globalização neoliberal trouxe.
BBC News Mundo - A pandemia do coronavírus revelou a importância fundamentalmuitos empregos que, no entanto, são mal pagos para a sociedade. Você acha que isso pode ajudar a mudar mentalidades?
Sandel - Potencialmente, sim. Pode nos ajudar a entender que o dinheiro que muitas pessoas recebem por seu trabalho não é a verdadeira medidasua contribuição para o bem comum, um equívoco e que devemos mudar.
A experiência da pandemia oferece uma possível abertura para um debate público sobre o que realmente é uma valiosa contribuição para o bem comum, para além do veredito do mercadotrabalho.
Aquelesnós que podem se dar ao luxotrabalharcasa perceberam o quanto dependemosalguns trabalhadores que muitas vezes esquecemos. Não se trata apenasquem trabalha heroicamentehospitais cuidandopacientes da covid, mas tambémentregadores, balconistas, funcionáriossupermercados, motoristascaminhão, prestadorescuidadossaúde ao domicílio, babás... Nenhum desses empregos está entre os que têm salários mais altos.
E ainda assim reconhecemos que são trabalhadores essenciais. Portanto, a experiência da pandemia pode ser o inícioum amplo debate público sobre como reconhecer a importância do trabalho e das contribuições que essas pessoas fazem à sociedade.
Dependenós, é uma questãoaberto. Mas acredito que a experiência da pandemia evidenciou as desigualdades existentesnossas sociedades e a importante contribuição daqueles que, no entanto, não obtêm as maiores recompensas do mercado.
BBC News Mundo - Então você acha que esses trabalhadores essenciais deveriam ter melhores remunerações?
Sandel - Sim. Eu acho que eles deveriam receber mais como medidaemergência durante esta pandemia. Mas também acho que eles deveriam receber um salário melhor, mesmo quando superarmos a pandemia.
O reconhecimento do papel importante dos trabalhadores essenciais durante esta pandemia deve nos levar a estabelecer um salário digno para todos os trabalhadores.
E também devemos conceder licença médica remunerada a todos os trabalhadores durante a pandemia, porque muitos deles estão colocandosaúderisco ao fazer o trabalho que fazem, enquanto o restonós podemos proteger nossa saúde ficandocasa.
Eles devem receber um salário digno, licença médica remunerada e outras medidas para mostrar o reconhecimento da sociedade sobre a importânciasua contribuição.
BBC News Mundo - Um estudo da New Economic Foundation2009 revela que alguns dos empregos mais bem pagos são socialmente muito destrutivos, quenada contribuem para o bem comum...
Sandel - É isso mesmo, e é disso que trato no capítulo 7A Tirania do Mérito. Por que, por exemplo, os executivos altamente pagos do setor financeiroWall Street ganham tanto dinheiro?
Às vezes, presumimos que as transações financeiras especulativas sãovital importância para a economia e a sociedade. Mas estudos têm mostrado, e cito alguns desses estudos no livro, que alémum certo ponto, engenharia financeira complexa e especulação não só não contribuem para a produtividade da economia, mas são na verdade um entrave à produtividade, algo que fere economia real.
E se for assim, recompensar esses executivos financeiros pagando-lhes generosamente não é consistente com a forma como se pagam as contribuições verdadeiramente valiosas para a economia e o bem comum.
BBC News Mundo - E o que você propõe?
Sandel - Proponho uma mudança na estrutura tributária. Sugiro que consideremos a introduçãoum imposto sobre transações financeiras especulativas e atividade financeira especulativa: tributar essa atividade e usar o dinheiro arrecadado para reduzir o imposto sobre o trabalho pago por trabalhadores comuns nos EUA.
A mensagem do meu livro é abrir um amplo debate público sobre o que é considerado uma contribuição verdadeiramente valiosa para a economia e o bem comum, e revisar nossa política fiscal e outras políticas do mercadotrabalho para que deem maior reconhecimento e respeito àqueles que eles fazem contribuições valiosas que atualmente são mal pagas e pouco reconhecidas.
BBC News Mundo - Muitos pais, sejam eles ricos ou pobres, ensinam aos filhos que se eles se esforçarem e trabalharem, eles atingirão seus objetivos, uma mensagem muito meritocrática. É perigoso dizer isso a eles?
Sandel - Sim e não, depende. Obviamente, os pais incentivarem os filhos a estudar e trabalhar muito é algo bom, que dá aos jovens a inspiração e a motivação para se esforçarem.
Isso é bom, mas até certo ponto. Os pais devem ser cuidadosos e combinar essa mensagem com outra. Eles devem encorajar seus filhos a trabalharem duro, mas não apenas para que eles consigam um emprego que lhes permita ganhar muito dinheiro. Devemos também promovernossos filhos o amor pela aprendizagemsi mesma.
Não devemos fazer da educação apenas um instrumentoprogresso econômico, porque isso privará nossos filhos do amoraprender pelo prazeraprender.
E outro aspecto importante que devemos incutir neles é que se eles tiverem sucesso amanhã seráparte graças aos seus próprios esforços, mas tambémparte graças aos seus professores, àcomunidade, ao seu país, aos temposque vivem, às circunstâncias, as vantagensque puderam usufruir…
Ensinar nossos filhos que seu sucesso é apenas o resultadoseus próprios esforços pode fazê-los esquecer que estãodívida com os outros, incluindocomunidade. Devemos criar filhos que tenham um sensogratidão e humildade quando são bem-sucedidos.
*Esta entrevista faz parte da versão digital do Hay Festival Cartagena, encontroescritores e pensadores que aconteceu na cidade colombiana22 a 31janeiro2021.
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