SíndromeEhlers-Danlos: 'Pareicomer há 2 anos por causadoença rara, mas não sou revoltada':

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Legenda da foto, Fernanda já precisou ser internada duas vezes por causaquadrodesnutrição severa

"É como se digeríssemos o alimento externamente e criamos um soro com aminoácidos, proteínas, lipídios, gorduras, glicose e injetamos diretamente numa veia mais grossa", explica a médica nutróloga Pâmela Finkler Richa, que acompanha a jovem semanalmente.

Mas as explicaçõesFernanda não param aí. Surdez unilateral, angiodema hereditário, câncertireoide, urticária aquagênica e fibromialgia são outros diagnósticos que ela faz questãoexplicar aos seus mais400 mil seguidores nas redes sociais, entre os perfis pessoais eseu projeto "Convivendo com Doenças Raras".

Os vídeos bem-humorados e com mensagensotimismo e incentivo àqueles que também enfrentam doenças raras chegam a passar1 milhãovisualizações no TikTok, rede onde ela faz mais sucesso.

"A curiosidade não me incomoda e recebo muitas mensagens tantoapoio quantogente que reviu questões emprópria vida ao ver a forma como lido com as coisas".

Em depoimento a BBC News Brasil, Fernanda contousua casa,Florianópolis,história e respondeu às quatro perguntas que ela mais lê diariamente.

'O que você tem?'

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Legenda da foto, Principal rede socialFernanda Martinez é o TikTok

"Desde bebê, eu já dava alguns sinaisalgo não estava bem.

Eu fui uma criança com muita dor nas pernas, braços. Já nasci com refluxo severo, surdaum ouvido. A família só foi perceber por volta dos 2 anosidade, mas os problemas já estavam lá.

Eu também tinha articulações hipermóveis, que são aquelas que se movem além do limite normal. Tinha muita facilidademe contorcer, tirar as articulações do lugar

Esses sintomas foram piorando na medidaque eu ia crescendo.

Todo mundo sabia que tinha algoerrado, mas não sabiam o que era.

Não sabia mais para onde correr, mas foi aí que eu encontrei um grupo no Facebook falando sobre a SíndromeEhlers-Danlos. Me identifiquei com os relatos e fui atrásuma geneticista. Ela fez todos os exames e confirmou.

O diagnóstico da síndrome só chegou quando eu tinha 17 anos. Mas as complicações já eram graves. Ela era a principal doençabase que eu tenho e que puxou praticamente todas as outras.

Eu já tinha lesões nas articulações, já sofria com a disautonomia, que é o sistema nervoso autônomo afetado. Já tinha problemasalimentação, com diarreia, vômitos, doresestômago.

Mas agora, com um nome para tudo que estava acontecendo, pude respirar melhor. Eu agora tinha uma explicação e poderia falar pros médicos e pros outros o que eu tinha.

Descobri que a síndrome afeta especialmente o colágeno, que atua na sustentação, é a cola do corpo. Não é que você não tem o colágeno, mas ele émá qualidade no corpo inteiro.

As articulações são mais frágeis, podem sair do lugar, os órgãos são mais frágeis, os vasos sanguíneos se rompem com facilidade.

Pra quem busca na internet, o que chama atenção na síndrome é aquiloarticulações tronchas, ou as peles soltas que puxam, elásticas. Mas não é só isso. Tem muita coisaórgão interno e outros sintomas, como aconteceu comigo."

(As SíndromesEhlers-Danlos consistem num grupocondições genéticas causada por anormalidades na produção e estruturacolágenos no corpo, presentes desde os ossos até órgãos internos. Uma classificação2017 definiu 13 tipos. AFernanda é a chamada SEDh, ou "hipermóvel", que é a mais comum e afeta principalmente articulações, ossos, músculos… Algumas das manifestações incluem fibromialgia, escoliose, fadiga crônica e problemas respiratórios, digestivos e gastrointestinais. Apesar da grande subnotificação, estima-se que 1cada 5 mil pessoas tenham a síndrome no mundo, que pode se manifestarformas mais leves ou graves.)

'Você não come nada? E a fome?'

"Não posso comer nem beber nada.

Meus órgãos e músculos internos ficaram mais fracos por causa da síndrome. O meu sistema nervoso, que coordena os movimentos peristálticos, também é afetado.

No final2016, eu comecei a ter muita dificuldade pra comer, até chegar ao pontodesnutrição severa. Passei 1 ano e meio nisso, comendo cada vez menos, tentando mudançasdieta.

Em maio 2018, eu nao aguentei mais comer e fui pra sonda.

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Legenda da foto, Fernanda Martinez emãe; alterações na saúde da jovem já eram perceptíveis na infância

Depois que coloquei a sonda, passei 1 ano e meio bem. Fiquei com mais energia, só que meu corpo começou a rejeitar tudo também que vinha pela sonda. Meu intestino não absorvia mais os nutrientes.

No fim2019, entreidesnutrição severa outra vez e fiquei internada novamente. Foi quando colocaram o soro para minha nutrição parenteral.

(A nutróloga Pâmela Finkler Richa, que acompanha Fernanda, acrescenta que a desnutrição severa fez com que a jovem desenvolvesse uma obstrução no duodeno, impedindo a passagem e absorção dos alimentos)

Já recuperei grande parte do peso, mas agora apareceu problema no fígado, onde a nutrição é metabolizada. Mas vou ter que dar um jeito nesse problema do fígado, porque nao pode voltar.

Eu não sinto fome já há um bom tempo, porque ela dependemovimentos no estômago, e o meu não faz mais.

Antes, eu tinha mais vontade psicológicacomer. Quando eu tenho vontade, eu mastigo e jogo fora, sem engolir.

Faço issomastigar mais para manter a rotina, por exemplo para acompanhar minha mãe no almoço, para ela não ficar sozinha."

(Fernanda tem um homecare montado na casa onde mora com a mãe e a avó e é acompanhada por duas enfermeiras diariamente. A nutrição parenteral ocorre num período12h por dia,noite até a manhã do outro dia)

'Como você toma banho?

"Minha urticária aquagênica, que as pessoas costumam chamar"alergia a água", apareceu quando eu tinha uns 15 anos.

Eram reações espaçadas, mas foram piorando.

Eu evito o máximo que possoágua. Tento não ficar suada, não posso entrarpiscina, no mar. Não pego chuva.

Pra tomar banho, eu uso um antialérgico, na tentativamelhorar algum sintoma. Engulo só com a saliva.

Banhocorpo inteiro, só duas vezes por semana: coça, arde, a pele fica cheiamanchinhas vermelhas. Quando está muito forte, dói bastante, como se fossem milharesagulhas entrando no corpo.

Ultimamente, tenho deixado maistomar por não suportar o comprimido do antialérgico no estômago. Então, tomo o mais rápido possível ou só banhogato, com paninho.

Mas mesmo que não tivesse a alergia, não poderia entrar no chuveiro direto. O cateter onde recebo o soro não pode ser molhado, tem que ter muito cuidado.

Não conseguiram identificar ainda se isso está diretamente ligado à síndrome, mas há relatosoutros pacientes que também têm. Assim como esse problema, há outros que ainda precisam descobrir se têm relação, como o angioedema (que causa inchaços nas extremidades do corpo, face e órgãos genitais).

A única doença que tenho certeza que não tem relação com a SíndromeEhlers-Danlos foi um câncertireoide papilífero que tive. Meus pai e avô também tiveram, éfamília. E há casospessoas que tiveram esse câncer e também desenvolveram a urticária aquagênica."

'Tem cura?'

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Legenda da foto, '99% do tempopessoas diagnosticadas com síndromes raras é tomado pela própria doença. Mas o 1% —alegria, vontades, desejos — é o que equilibra nossas vidas', conta Fernanda

"Não tem tratamento específico, vai tratando o que aparece,

Na parte gastrointestinal, não é esperado que reverta. Provavelmente, a nutrição parenteral vai continuar pro resto da minha vida.

O resto das doenças, como problemas na articulação, dá para controlar mais, com fisioterapia, para evitar que lesione ainda mais.

A reversão completa, uma cura, não tem, até o momento. O que eu posso fazer por mim é buscar qualidadevida, nao perder as coisas que gostofazer, como jogar online.

Não sou revoltada com minhas condições e busco aprender com elas.

Me apaixonei por medicina após passar por vários médicos, ainda quero fazer o curso quando puder.

Até lá, quero catalogar as doenças raras. Não contemplar todas, pois são muitas, mas cadastrar o máximo que conseguir, para ajudar quem recebeu o diagnóstico e não sabe o que aquilo quer dizer.

Não é pra substituir médico, mas pra ajudar a entender a própria doença ou explicarforma simples pras pessoas. E, se eu ajudar apenas uma pessoa, já é tarefa cumprida.

99% do tempopessoas diagnosticadas com síndromes raras é tomado pela própria doença.

Mas o 1% —alegria, vontades, desejos — é o que equilibra nossas vidas. Então, a minha necessidade também é mostrar esse 1%. Ele é tão importante quanto os 99%.

Se um dia tiver a cura, quero ser a primeira da fila."

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