Coronavírus: como o surto está espalhando antigos preconceitos sobre a China e seus hábitos culturais:gem roulette

Na França, por exemplo, relatosgem roulettehostilidades vividas por estas pessoas no transporte público,gem rouletteescolas egem rouletteunidadesgem roulettesaúde estão sendo reunidos pela hashtag #JeNeSuisPasUnVirus (#NãoSouUmVírus).

A Associaçãogem rouletteJovens Chineses na França publicougem roulettesuas redes sociais estar recebendo pedidosgem rouletteajuda psicológica por vítimasgem roulettediscriminação desde o surgimento do novo tipogem roulettecoronavírus — não sógem roulettepessoasgem rouletteorigem chinesa, mas também coreana, cambojana, vietnamita e filipina.

Na Coreia do Sul, maisgem roulette500 mil pessoas assinaram uma petição na plataforma online Blue House (criada pelo governo para receber petições dos cidadãos) exigindo que visitantes chineses sejam impedidosgem rouletteentrar no país — apesargem rouletterestrições a viagensgem roulettepessoasgem rouletteum país inteiro irem contra normas internacionais, o que foi endossado no último dia 27gem roulettecomunicado da Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmando que a entidade "não recomenda a aplicaçãogem roulettequalquer restrição no tráfico internacional,gem rouletteacordo com as evidências existentes até agora".

Xenofobiagem rouletterede

Pesquisadores consultados pela BBC News Brasil apontam que preconceitos, comogem rouletterelação a comidas consideradas exóticas consumidas na China ou a turistas saudáveis vindosgem roulettepaíses asiáticos, podem mascarar problemas concretos e até atrapalhar a tomadagem roulettedecisõesgem rouletterelação a eles — como uma vigilância sanitária eficientegem roulettemercados que vendem alimentosgem rouletteorigem animal ou a transparência na circulaçãogem roulettepassageiros por aeroportos.

"Segundo o Regulamento Sanitário Internacional, nenhum país pode tomar medidas consideradas extremas que não tenham evidências que as sustentem — por exemplo banimentogem roulettevoos, fechamentogem roulettefronteiras. Essa proteção existe para evitar impedimentos ou restrições não justificáveisgem rouletteviagem e comércio. Lutamos contra isso durante a pandemiagem rouletteinfluenzagem roulette2009, que alguns lugares estavam chamandogem roulette'gripe mexicana'", explicou à BBC News Brasil o médico sanitarista e epidemiologista brasileiro Jarbas Barbosa, atualmente diretor-assistente da Organização Pan-Americanagem rouletteSaúde (Opas), braço regional nas Américas da OMS.

"Em 2015, havia três países com transmissãogem rouletteebola na África — mas outros países estavam inclinados a considerar como caso suspeito qualquer pessoa que vinha do continente africano, mesmo que 5 mil km longe dos locaisgem roulettetransmissão."

"Esse tipogem roulettemedida (restritiva) é excessiva, não protege nenhum paísgem rouletteimportar casos e, pelo contrário, termina incitando as pessoas a não agirem com transparência — e nem os países que precisam comunicar os dados. Alémgem rouletteser ética e moralmente desaconselhável, porque induz à xenofobia", diz Barbosa, indicando quegem roulettecrises como a atual, a atuação nos aeroportos deve ser mais vigilante na saídagem roulettepassageirosgem roulettelocais com transmissão (como Wuhan, por exemplo) e, no mundo todo, deve fazer desses locais meiosgem roulettedivulgaçãogem rouletteinformações sobre sintomas e locaisgem rouletteatendimento.

Para cientistas sociais que vêm estudando especificamente a contaminaçãogem roulettequestõesgem roulettesaúde por preconceitos culturais, o episódio do novo coronavírus não é novo: é uma atualizaçãogem rouletteantigos preconceitos associados à China e à Ásia que já apareceram desdegem rouletteuma epidemiagem roulettepeste bubônica no século 19 ao surto mundial da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) no início dos anos 2000.

"A expressão 'perigo amarelo' (usada no Ocidente como designação preconceituosa contra o Leste asiático a partir do século 19) pode parecer datada, mas definitivamente vemos que algumas narrativas tradicionais contra os chineses continuam hoje —gem rouletteparticular na forma com que eles são estimatizados como bodes expiatóriosgem roulettequestões médicas", apontougem rouletteentrevista à BBC News Brasil o historiador Sören Urbansky, especialistagem rouletteRússia e China do Instituto Alemãogem rouletteHistóriagem rouletteWashington, EUA.

"Na situaçãogem rouletteagora (do coronavírus), algumas representações na mídia e falasgem roulettepolíticos ou pessoas comuns certamente têm paralelos no passado", diz Urbansky, citando como exemplo um cartum publicado por um jornal dinamarquêsgem rouletteque uma bandeira chinesa é formada por partículas representado o coronavírus.

"O mais preocupantegem rouletteconteúdos como esse é a xenofobia que podem estimular entre pessoas comuns. Nas redes sociais, você pode encontrar muitas postagens e tuítes com avisos para que não se coma comida chinesa ou pedidosgem rouletteproibiçãogem rouletteviagens."

Preconceito com hábitos alimentares

Urbansky é organizador do livro Yellow perils: China narratives in the contemporary world ("Perigo amarelo: Narrativas sobre a China no mundo contemporâneo",gem roulettetradução livre), lançadogem roulette2018, ao lado do antropólogo Franck Billé, da Universidade da Califórniagem rouletteBerkeley.

Na introdução do livro, Billé destaca que há muito a Ásia representa culturalmente "o outro" para os europeus, o que é perpetuado na cultura ocidental também contemporaneamente pela preponderância dos EUA — comogem roulettepapéis estereotipados nos filmesgem rouletteHollywood, cujo podergem rouletteinfluência é global.

Os chineses, porgem roulettevez, foram muitas vezes representantesgem rouletteestigmatizações relacionadas à Ásia como um todo. Mas, como os estudos da cultura não são uma ciência exata, o autor destaca que os ocidentais não têm "monopólio" dessas discriminações — elas variamgem roulettelocal para local e, inclusive, acontecem dentro das fronteiras da própria Ásia e China.

O livro traz capítulosgem roulettediversos autores, entre eles Christos Lynteris, antropólogo da medicina e professor na Universidade St. Andrews, no Reino Unido. Ele estuda especificamente aspectos sociaisgem rouletteepidemias e escreveu um capítulo sobre como, ao longo da história, surtos e doenças contribuíram para a estigmatização dos chineses.

"O surto do novo coronavírus trouxegem roulettevolta à tona a sinofobia (xenofobia contra a China)gem rouletteformas veladas ou abertas. A mais nociva, talvez, como no caso anteriorgem rouletteSars, seja o ódio digital e a difamação dos hábitos alimentares dos chineses", escreveu Lynteris à BBC News Brasil por email.

Um símbolo disso, diz o antropólogo, são os chamados wet markets ("mercados molhados"), usualmente caracterizados por vender animais vivos e abatidos no local — "um termo que não ajuda, porque abrange vários tiposgem roulettemercados", explica o antropólogo.

No iníciogem roulettejaneiro, a própria China informou à OMS que os primeiros casosgem roulettecoronavírus podiam ter ligação com um mercadogem roulettefrutos do mar na cidadegem rouletteWuhan.

Lynteris critica o habitual retrato desses variados mercados na mídia ocidental, com imagens "destinadas a chocar o público"gem rouletteanimais apresentados como exóticos; que misturam capturasgem roulettediferentes mercados ao redor da China apesar das diferenças locais e culturais; e que excluem "a maior parte das atividades desses mercados, que seriam absolutamente familiares (aos ocidentais)".

"Essa é uma forma sutil, mas perniciosa, através da qual até a mídia mais esclarecida estimula a sinofobia: retratando os hábitos chinesesgem roulettealimentação e consumo comogem roulettedescompasso com a modernidade; como resquícios irracionais, nojentos e patogênicosgem rouletteum passado obscuro", afirma, apontando que essa estigmatização contribui para uma pressão internacional pelo banimento desses mercados.

"O que é preciso é uma regulação melhor, mais intensa e baseadagem rouletteevidências desses mercados, e não levá-los para a ilegalidade", diz.

O consumogem rouletteanimais como cachorros, cobras e ratos atende a diferentes habitos culturais locais na China e podem ter finalidades tanto alimentícias quanto místicas. Estudiosos, porém, são cautelosos quanto ao alcance deste tipogem roulettealimentação no país.

Nas redes sociais, inclusive no Brasil, circularam fotos e vídeos do que seriam sopasgem roulettemorcegos consumidasgem rouletteWuhan — apontadas, nos boatos, como possível origem do novo coronavírus. Checagens profissionais posteriores mostraram, por exemplo, que uma dessas imagens era antiga e feitagem rouletteoutro país; tampouco foi encontrada comprovaçãogem rouletteque alguma das imagensgem roulettesopagem roulettemorcego fosse verdadeira.

Inclusive, nada menos do que 35 cientistas, a maioria da China, publicaram nesta semana um artigo no Lancet, um dos periódicosgem roulettemedicina mais importantes do mundo. No trabalho, eles frisam que não havia venda ou presençagem roulettemorcegos no mercadogem rouletteHuanan.

Estes animais entram, sim, na hipótese dos acadêmicos para a origem do coronavírus — comparando a sequência genética do vírus encontradogem roulettehumanos com uma "biblioteca"gem roulettevírus já sequenciados, os cientistas encontraram compatibilidadegem roulette88% com coronavírus encontradosgem roulettemorcegos.

No entanto, estes seriam hospedeiros do vírus, porgem roulettevez possivelmente transmitido por algum outro animal ainda indeterminado e vendido no mercadogem rouletteWuhan.

Discriminação contra as 'Chinatowns'

Sobre a época do surtogem rouletteSars, Lynteris e Sören citam relatosgem roulettequeda no comérciogem rouletteimigrantes chinesesgem roulettemetrópoles ocidentais, comogem rouletteToronto, no Canadá (o país teve o maior númerogem roulettecasos fora da Ásia, com maisgem roulette40 mortes).

Também houve casosgem rouletteconsumidores chineses saudáveis sendo impedidosgem roulettecomprar ou se hospedargem rouletteacomodações pelo mundo; ou ainda a ilustraçãogem roulettereportagens sobre a síndrome com uma enxurradagem roulettefotosgem rouletteChinatowns (bairros com muitos imigrantes chineses) e pessoas com traços asiáticos, ainda que estas não tivessem infecções.

A síndrome surgiugem roulette2002 na Província chinesagem rouletteGuangdong, ficando por meses desconhecida da comunidade internacional, o que motiva críticas à transparência do governo chinês até hoje. Com ápicegem roulette2003, ela chegou a maisgem roulette26 países e matou quase 800 pessoas ao redor do mundo.

Lynteris destaca que questõesgem roulettesaúde recentes como essa vão ao encontrogem rouletteuma noçãogem roulettecrescimento, populacional e econômico, descontrolado da China. Outros estudos no livro Yellow perils: China narratives in the contemporary world apontam para uma "ansiedade" quanto ao poder da China, perceptível também na recorrênciagem roulettepalavras como "ameaça"gem roulettepublicações científicas e leigas.

Mas, no passado, doenças e infecções eram associadas a uma outra imagem da China: agem roulettedecadência, aponta Lynteris.

No fim do século 19, uma terceira epidemiagem roulettepeste bubônica teve iníciogem rouletteHong Kong (quando era parte do Império Britânico; hoje, ela é uma Região Administrativa Especial da China).

De acordo com o antropólogo, uma extensa bibliografia já mostrou como, nesse período, publicações da imprensa e relatosgem roulettemédicos britânicos contribuíram para associar a doença às casas e aglomerações chinesas — inclusivegem roulettecomunidadesgem rouletteimigrantes no exterior.

Somaram-se a isso pressões internas e externas contra a última dinastia imperial da China, a era Qing, vista por médicos coloniais como resistente à vacinação e associada a uma ideiagem roulettedecadência da civilização chinesa egem roulettesuposta resistência a se adaptar à modernidade.

Nas Chinatowns dos EUA, por exemplo, alémgem rouletteserem encarados pelos americanos como competidoresgem roulettenegócios e postosgem roulettetrabalho, os imigrantes asiáticos passaram a ser relacionados a doenças.

"Estudo a históriagem roulettevárias comunidades da diáspora chinesa no Pacífico. Na virada do século 20, os imigrantes chineses eram vistos como mais perigosos do que outros gruposgem rouletteimigrantes — não apenas na Califórnia, mas tambémgem roulettelugares como o Extremo Oriente russo", aponta Sören.

"Por exemplo, quando um surto (de peste bubônica) eclodiugem rouletteSão Franciscogem roulette1900, apenas os chineses foram colocadosgem roulettequarentena. Naquela época, era bastante normal descrever os migrantes chineses como uma ameaça à segurança física da maioria (branca) da população."

"O que as pessoas daquela época ignoravam completamente eram vários fatores estruturais que eram as principais causas da miséria: os residentes chineses eram forçados a vivergem roulettecertos guetos étnicos que muitas vezes eram negligenciados pelas autoridades."

"Penso que o perigo hoje é que as pessoas também tendem a ignorar problemas estruturais que certamente são diferentes daqueles do passado e, ao negligenciá-los, estigmatizam completamente o povo chinês."

* Colaborou Letícia Mori, da BBC News Brasilgem rouletteSão Paulo

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