Minha entrevista - e as liçõespix bet antigovida que aprendi - com o neurologista mais famoso do mundo, Oliver Sacks, meses antespix bet antigosua morte:pix bet antigo

Crédito, M. Williams

Legenda da foto, O neurologista britânico Oliver Sacks morreu aos 82 anos,pix bet antigoagostopix bet antigo2015

pix bet antigo No depoimento a seguir, a repórter conta como foi seu encontro com Oliver Sacks - e as lições que aprendeu com ele.

Por que você está aqui? - perguntou-me Oliver Sacks, um pouco confuso.

Minha entrevista com o neurologista e escritor britânico Oliver Sacks teve um começo um pouco tenso. Ela aconteceupix bet antigonovembropix bet antigo2014, no lindo apartamento onde ele vivia,pix bet antigoNova York, com grandes janelas que se abriam para uma praça.

Como jornalista, minha missão era capturar a maneira única como Sacks via a diversidade da vida humana. E tentar mostrar como, ao ser confrontado com pessoas às voltas com doenças ou síndromes congênitas incuráveis, esse médico respondiapix bet antigoum jeito diferente.

Sim, ele percebia os enormes desafios que seus pacientes enfrentavam. Mas também se maravilhava com a inventividade, a variedadepix bet antigorespostas que nós, humanos, criamos quando certas portas, por uma razão ou outra, se fecham para nós.

Parece pouca coisa mas, ao descrever as experiências dos pacientes por esse prisma, Sacks ia, aos poucos, mudando a forma como nós, leitores, pensávamos as chamadas "deficiências". Vendo por aquele ângulo, não havia mais vítimas ou figuraspix bet antigopena.

A Mônica jornalista queria, então, levar aos quatro cantos do mundo, por meiopix bet antigoum documentáriopix bet antigorádio do Serviço Mundial da BBC, o pensamento libertador desse médico.

Mas, secretamente, uma outra Mônica naquela sala queria dizer a Oliver Sacks que ele tinha feito uma diferença enorme na vida dela.

Crédito, Arô Ribeiro

Legenda da foto, Repórter da BBC Brasil lembra o encontro com o escritor Oliver Sackspix bet antigoNova York,pix bet antigo2014

Deficiência Visual

Eu tenho uma distrofia degenerativa na retina chamada Retinose Pigmentar. Isso quer dizer que as células fotossensíveis na minha retina estão, aos poucos, morrendo. Não existe cura e não sei onde isso vai parar - mas minha visão já está bem ruim. E é possível que eu fique cega.

Pouco depoispix bet antigoouvir esse diagnóstico, há uns 18 anos, uma pessoa colocou um livro na minha mão. Era A Ilha dos Daltônicos,pix bet antigoOliver Sacks.

Esse foi o meu primeiro contato com o "olhar" do neurologista. E desde então, sigo pela vida com a voz sã e encorajadora desse homem no meu ouvido.

Sacks não entendeu, à primeira vista, por que a entrevistadora estava contando a históriapix bet antigosua família, do irmão que também tinha Retinose, do pai que sofria para aceitar a deficiência visual dos filhos.

Mas a atmosfera mudou - e a conversa passou a fluir - quando eu expliquei o efeito que A Ilha dos Daltônicos tinha tido na minha vida.

Pescaria Noturna

Agora com um sorriso na voz, Sacks começou a falar sobre o livro.

A Ilha dos Daltônicos relata uma visitapix bet antigoOliver Sacks a uma ilha remota no Pacífico - Pingelap - onde grande parte da população tem uma síndrome congênita que afeta seus olhos chamada Acromatopsia. Como eu, esses ilhéus têm extrema sensibilidade à luz. Outra característica da síndrome é o daltonismo - ou seja, não conseguem ver cores.

"Eles usam chapéus para proteger os olhos da luminosidade, mas à noite se transformam. São os pescadores noturnospix bet antigoPingelap. Toda a pesca na ilha fica a cargo dessa cultura particularpix bet antigodeficientes - maspix bet antigocerta forma, eficientes - com visão alterada", disse Sacks.

O grupopix bet antigo"eficientes" também dominava uma técnica particularpix bet antigobordado, lembrou Sacks.

"Para olhos normais,pix bet antigocondições normaispix bet antigoluminosidade, seus bordados epix bet antigoarte parecem massaspix bet antigocor caóticas e sem signiticado. Mas quando a noite cai e todos nós deixamospix bet antigover por meio dos cones (células fotossensíveis que usamos para enxergar durante o dia), usando apenas os bastonetes (células fotossensíveis que usamos para enxergar à noite), você pode ver lindos padrões e imagenspix bet antigotermospix bet antigoluminosidade e brilho."

Crédito, Cortesia Universidade Columbia

Legenda da foto, Oliver Sacks ficou conhecido internacionalmente por seus vários bestsellers.

Deficiência ou eficiência?

"Cheguei (à ilha) todo arrogante, pensando, 'eu tenho visão normal, consigo ver todas as cores, coitada dessa gente'. Mas me via conversando com meia dúziapix bet antigopessoas para quem (o coitado) era eu. Eles achavam que eu estava sendo ofuscado por essa coisa superficial que eu chamavapix bet antigo'cor', algo provavelmente sem importância. E enquanto isso, eu deixavapix bet antigoperceber a real essência visual do mundo: luminosidade, textura, profundidade, etc."

Enquanto Sacks recordava suas descobertas na ilha Pingelap, eu ia sentindo a força libertadora daquele pensamento, a mesma que sentira ao ler seu livro, tantos anos atrás.

"Seu livro foi uma revelação para mim", eu disse.

"Se você me permite perguntar, como épix bet antigovisão? Como você descreveria seu mundo visual?"

Experiência compartilhada

Quando descrevi minhas estratégias para viver com cada vez menos visão, descobri, surpresa, que Oliver Sacks conhecia meus "truques". Cegopix bet antigoum olho por contapix bet antigoum tumor e parcialmente surdo devido à idade, agora era ele quem me contava suas experiências.

Ele também andava no lado da rua onde havia sombra. E se assustava quando,pix bet antigorepente, uma pessoa surgia no seu reduzido campopix bet antigovisão.

"Sou cegopix bet antigoum olho e tenho catarata e outros problemas no outro olho. A catarata gera uma névoa luminosa que provoca uma cegueira parcial, então eu evito luzes fortes no meu olho, embora precisepix bet antigoboa iluminação naquilo que estou olhando."

A névoa luminosa também me acompanhavapix bet antigodias ensolarados… maspix bet antigoum aspecto minha estratégia se diferenciava da dele: eu me recusava - e ainda me recuso - a usar uma bengala branca, um símbolo da deficiência visual.

"Sou bem vaidosa", confessei. "Além disso, quando estoupix bet antigoáreas cobertas, protegidas da luz, me sinto mais confortável. As pessoas oferecem ajuda, e não quero que fiquem constrangidas. Acho difícil administrar esse símbolo da cegueira."

Falei tambémpix bet antigoum sonho que tenho: possuir uma bengala que seja linda, um verdadeiro objetopix bet antigodesejo.

"Eu gostariapix bet antigoconvidar um designer incrível para criar bengalas maravilhosas, objetos bonitos que eu teria prazerpix bet antigoter comigo e que também me ajudariam a andar por aí."

Oliver Sacks me escutavapix bet antigosilêncio. De repente, se levantou e disse: "Me aguarde um momento".

Meio sem entender, fiquei ali naquela sala imensa, com paredes forradaspix bet antigolivros, um piano ao canto, a mesapix bet antigotrabalhopix bet antigoSacks ao meu lado.

Bengalas e Calçadeiras

Quando o médico voltou, ouvi um barulhinhopix bet antigomadeira batendopix bet antigomadeira. Não acreditei. "São as suas bengalas?", perguntei, rindo.

Ele também ria. "Você é jovem e bonita. Não sou nenhum dos dois e não acho que seja vaidoso. Uso bengala sem orgulho ou vergonha porque tenho dificuldadepix bet antigome equilibrar. Tenho uma coleção grande, mas aqui estão quatro delas."

Mais uma vantagempix bet antigonão se enxergar bem, pensei… todo mundo fica jovem e bonito. Ou quem sabe beleza ganhe novos significados?

O fato é, eu estava adorando aquele encontro. Me apaixonei pela irreverência e espírito lúdico do meu entrevistado.

Sacks me entregoupix bet antigobengala favorita,pix bet antigocor laranja forte, cheiapix bet antigoelásticos coloridos no punho.

"(Os elásticos) dão firmeza para as mãos e também permitem que eu coloque a bengala contra a parede sem que ela caia. Mas o principal é, tornam essa a minha bengala - não uma bengala qualquer."

Agradeci muito pelo privilégiopix bet antigoconhecer as bengalaspix bet antigoOliver Sacks. Ainda rindo, ele disse: "Isso porque você ainda não conhece minha coleçãopix bet antigocalçadeiras".

Crédito, Thinkstock

Legenda da foto, Oliver Sacks gostavapix bet antigoadmirar as árvores no outono douradopix bet antigoNova York.

Seu jeitopix bet antigonadar

Também falamos do lado mais difícil. Há anos, venho aprendendo a ver o mundopix bet antigoum jeito diferente e, na maior parte do tempo, me acho uma pessoapix bet antigosorte. Mas não consigo transferir minha vivência interior para o outro,pix bet antigoparticular, para as pessoas queridas. Sei que a minha perdapix bet antigovisão afeta minha família e, especialmente, meu pai.

Como expressar a riqueza da minha experiênciapix bet antigovida? Como falar da Mônica que minha vivência vai aos poucos moldando? Como explicar que, sim, eu não escolheria perder a visão. Mas, se essa porta se fecha, que portas estão se abrindo para mim?

Perguntei a Oliver Sacks o que ele diria a uma mãe cujo filho perdeu a visão por alguma razão.

A resposta me comoveu.

"Meu pai nadou até os 94 anos, e eu nado todos os dias. Adoro estar embaixo d'água. (Quando nado), não me sinto cego, surdo, manco e com 81 anos. Só sinto o prazerpix bet antigonadar. Temospix bet antigoencontrar nosso jeitopix bet antigonadar, aquilo que nos vem mais naturalmente e com alegria. Para cada pessoa, existe um equivalente ao nadar."

Para mim, no entanto, o momento mais poético do meu encontro com Oliver Sacks não foi capturado pelo microfone da BBC. Após a entrevista, ele me chamou para perto da janela e perguntou: "Você consegue ver as cores das árvores na praça?"

Bem, na verdade, eu não conseguia. Mas vejo as árvores agora, na minha lembrança, recriadas pelas palavras dele e vistas pelos olhos amorosos do homem que, durante anos, admirou os outonos dourados naquela praçapix bet antigoNova York.

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, O escritor lançoupix bet antigoautobiografia três meses antespix bet antigomorrer,pix bet antigo2015.

Despedida

Em uma horapix bet antigoconversa, Sacks faloupix bet antigomuita coisa. Ele continuava ativo, escrevendo e viajando, mas o ritmo era mais lento. Esse era o lado bompix bet antigoenvelhecer, explicou:

"De certa forma, fico contente por estar com 80 anos, porque (a idade) traz um sentimento paradoxalpix bet antigoliberdade e lazer. As urgênciaspix bet antigoantes já não me oprimem."

Refletindo sobre as possíveis "vantagens"pix bet antigose perder um olho, o escritor faloupix bet antigopintura e do pintor Rembrandt:

"Hoje, vivopix bet antigoum mundo totalmente plano, vejo superfícies sobrepostas umas sobre as outraspix bet antigovezpix bet antigoobjetos dispostospix bet antigoprofundidade. Isso significa que vejo o mundo como se fosse uma fotografia, ou uma fotografiapix bet antigomovimento. Acho que isso aumentou um certo prazer estético e admiração por pinturas."

"Aliás, já foi sugerido que Rembrandt e outros artistas talvez tivessem apenas um olho porque os olhos são tão divergentes que não poderiam ter sido usados simultaneamente."

Em fevereiropix bet antigo2015,pix bet antigoartigo publicado no New York Times, Oliver Sacks anunciou que tinha sido diagnosticado com um câncer terminal. Sua autobiografia, On the Move: A Life, foi lançadapix bet antigomaio. O escritor morreu três meses depois.

Losing My Sight and Learning to Swim será transmitido pelo Serviço Mundial da BBCpix bet antigoinglês no dia 19pix bet antigooutubro às 21h, horário do Brasil, e pode ser ouvido pelo site. O programa também ficará disponível para ouvir on demand ou para ser baixado como podcast.