Laços entre traficantes, caçadores e pescadores acirram violência onde dupla desapareceu na Amazônia:odds apostas

Crédito, Exército

Legenda da foto, Carneodds apostascaça e armas apreendidas pelo Exércitoodds apostasoperação na Tríplice Fronteiraodds apostas2019.

As invasões do território indígena são um problema antigo, mas se intensificaram nos últimos anos diante do "enfraquecimento da Funai", segundo pesquisadores.

Crédito, Univaja

Legenda da foto, Mapa da região do Vale do Javari

Onde fica o Vale do Javari?

Uma pesquisa realizada entre 2013 e 2014 pelo Center for International Forestry Research (Cifor), entidade baseada na Indonésia, estimou que 278 toneladasodds apostascarneodds apostascaça são vendidas por ano nas cidadesodds apostasBenjamin Constant, Tabatinga, Letícia (Colômbia) e Caballococha (Peru), na Tríplice Fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia.

Pirarucu, tracajá, queixada e anta estão entre os animais mais procurados pelos caçadores, mas a listaodds apostasespécies consumidas é extensa e inclui espécies como onça pintada e sucuri, segundo o estudo.

Enquanto um tracajá custa ao menos R$ 100 na região, um pirarucu pode ser vendido por maisodds apostasR$ 1 mil,odds apostasacordo com uma reportagem publicada pela BBCodds apostas2019.

Pela lei brasileira, no entanto, só povos indígenas e populações tradicionais podem caçar animais silvestres, e a atividade deve se voltar à subsistência dos grupos.

Crédito, Bruno Kelly/Amazônia Real

Legenda da foto, Feira Municipalodds apostasAtalaia do Norte (AM), onde é possível comprar carneodds apostascaça

Em abrilodds apostas2020, a Polícia Federalodds apostasTabatinga prendeu dez homens que haviam caçado e pescado na Terra Indígena Vale do Javari peixes e animais que somavam cercaodds apostas300 quilos, como veado, jacaré e macaco.

O que tem no Vale do Javari?

A extensão do território e a abundânciaodds apostassua fauna são chamarizes para pescadores e caçadores. Com área equivalente àodds apostasPortugal, o território abriga uma floresta bem preservada na qual vivem cercaodds apostas6 mil indígenasodds apostassete etnias, alémodds apostasmembrosodds apostasvários gruposodds apostasisolamento voluntário.

Nos últimos anos, houve vários ataques na região atribuídos a pescadores e caçadores ilegais. Os atos foram interpretados como represálias a tentativasodds apostasreprimir a ação dos grupos na terra indígena.

Entre 2018 e 2019, uma base da Funai que controla o acesso à Terra Indígena Vale do Javari foi alvejadaodds apostasoito ocasiões distintas.

Tambémodds apostas2019, o colaborador da Funai Maxciel dos Santos Pereira foi morto a tirosodds apostasTabatinga, a maior cidade da região. Meses antes, ele havia participadoodds apostasuma operação que apreendeu grande quantidadeodds apostaspesca e caça ilegal.

Não houve prisões nem condenações pelo crime.

Legenda da foto, Bruno Arújo (à esq.) e Dom Phillips estão desaparecidos desde o dia 05/06

Movimento dos Sem Rio

Os conflitos com pescadores e caçadores na região são antigos. Em 2000, um grupoodds apostascercaodds apostas300 pescadoresodds apostasAtalaia do Norte e Benjamin Constant criou o Movimento dos Sem Rio e atacou instalações da Funai com coquetéis molotov.

Parte do grupo viviaodds apostasáreas que integravam o território demarcado como terra indígena,odds apostas2001.

Muitas dessas pessoas descendemodds apostasseringueiros que chegaram à região no começo do século 20, no ciclo da borracha. A presença dos moradores, no entanto, era vista como um grave risco à sobrevivência dos indígenas isolados, pela possibilidadeodds apostasconflitos e da disseminaçãoodds apostasdoenças.

Após a criação da terra indígena, os ribeirinhos deixaram o território.

Indígenas e pesquisadores afirmam que, mesmo após se mudarem, alguns ribeirinhos continuaram entrando na terra indígena para caçar e pescar animais destinados ao comércio.

Já na época da demarcação do território, organizações alertavam para o riscoodds apostasconflitos entre indígenas e ribeirinhos.

O site do Instituto Socioambiental (ISA), entidade que colaborou com a demarcação, mantém atasodds apostasencontros entre organizações que acompanharam os trabalhos.

Crédito, Felipe Souza/ BBC Brasil

Legenda da foto, Barco do Exército patrulha rio na fronteira do Brasil com o Peru

Numa reuniãoodds apostas1998, representantes da Pastoral Indígena do Alto Solimões afirmaram que "o governo deveria acenar com alguma alternativa para a população ribeirinha".

O órgão citou ainda que já haveria na época "algum tipoodds apostasapoio das famílias (ribeirinhas) ao narcotráfico", e mencionou que "madeira e peixe saem ilegalmente da área indígena e passam 'legalmente' à fronteira".

A pastoral também alertou quanto a "ameaças reais" sofridas por indígenas envolvidos no processoodds apostasdemarcação.

Vínculos com o narcotráfico

Apesar das tensões naquela época, a demarcação da terra indígena foi seguida por uma redução expressiva nas invasões por pescadores, caçadores e madeireiros, segundo artigo publicadoodds apostas2019 pelo geólogo Conrado Octavio e pelo ecólogo Hilton Nascimento no relatório "Cercos e Resistências - Povos Indígenas Isolados na Amazônia Brasileira", do Instituto Socioambiental (ISA).

Nos últimos anos, porém, a dupla diz que a situação se deteriorou rapidamente "na esteira do processoodds apostasdesconstruçãoodds apostasdireitos e políticas públicas que tem marcado a atual conjuntura no país".

"As invasões para a exploração predatória e ilegalodds apostasrecursos naturais têm se intensificado até mesmoodds apostaslocais que contam com bases da Funai, frequentemente acompanhadasodds apostasameaças e até mesmo ataques a indígenas, servidores e membrosodds apostasinstituições que atuam na região", dizem os autores.

Crédito, Ibama

Legenda da foto, Agenteodds apostasIbama com peixes apreendidos na Tríplice Fronteiraodds apostas2019

A dupla atribui o agravamento dos conflitos principalmente ao "processoodds apostasenfraquecimento e precarização da Funai".

No governoodds apostasJair Bolsonaro (PL), a Funai teve grandes cortes no orçamento e passou a endossar propostas do presidente que sofrem grande oposição entre indígenas, como a liberação da mineraçãoodds apostasseus territórios e a agricultura mecanizadaodds apostaslarga escala.

"Sucessivos cortes orçamentários, quadro deficitárioodds apostasrecursos humanos, evasãoodds apostasservidores, além das pressões e ingerências políticas por parte das bancadas ruralista e evangélica têm impactado o órgão como um todo, com evidentes reflexos sobre a região", afirmam os autores.

Já a organização diz que vem ampliando os gastos com a proteçãoodds apostasindígenas isolados.

Em nota à BBC na qual não cita suas operações no Vale do Javari nem os ataques recentes às suas instalações na região, a Funai diz que os investimentosodds apostasaçõesodds apostasproteção a indígenas isolados eodds apostasrecente contato chegou a R$ 51,4 milhões entre 2019 e 2021.

"Os valores superamodds apostas335% o total investido entre os anosodds apostas2016 e 2018", diz a Funai, que afirma ter usado os recursos "principalmenteodds apostasaçõesodds apostasfiscalização territorial e combate à covid-19odds apostasáreas habitadas por essas populações".

Narcotráfico

O artigoodds apostasOctavio e Nascimento cita ainda o vínculoodds apostaspescadores e caçadores ilegais com o narcotráfico. A Terra Indígena Vale do Javari fica numa região que é uma das principais rotasodds apostaspassagem da cocaína destinada a cidades e portos brasileiros.

A região não tem estradas, mas é cruzada por numerosos rios, usados tanto por narcotraficantes quanto pelos contrabandistasodds apostaspeixe e carneodds apostascaça.

Segundo os autores, o narcotráfico é a "principal força econômica da região, articulando-se com várias outras atividades, como a exploração madeireira, o garimpo, a pesca (sobretudo voltada à exportação) e uma variedadeodds apostascomércios e serviços, alémodds apostasexercer influência sobre a política local e regional e agentes do poder público".

Crédito, Bruno Kelly/Amazonia Real

Legenda da foto, Base flutuanteodds apostasfiscalização da Funai na confluência dos rios Ituí-Itaquaí, no Amazonas, sofreu vários ataques armados nos últimos anos

Em entrevistaodds apostasdezembroodds apostas2021, o próprio Bruno Pereira se referiu ao agravamento das tensões no Vale do Javari.

"Trabalho lá há 11 anos e nunca vi uma situação tão difícil. Os indígenas dizem que hoje a quantidadeodds apostasinvasões é comparável à do período anterior à demarcação (em 2001)", ele afirmou.

Após ser exoneradoodds apostasum cargoodds apostaschefia na Funaiodds apostas2019, Pereira tirou uma licença do órgão e passou a trabalhar como assessor da principal associação indígena local, a União dos Povos do Vale do Javari (Univaja), ajudando-a a coibir as invasões.

Diante do que Pereira considerava uma inação dos órgãos públicos frente ao problema, ele vinha treinando os próprios indígenas a usar drones e computadores para documentar as invasões e formalizar denúncias aos órgãos oficiais.

Por causa dos trabalhos, Pereira vinha sofrendo ameaças por parteodds apostasquadrilhasodds apostascaçadores e pescadores, segundo a Unijava.

A associação diz que algumas dessas ameaças foram feitas inclusive quando Pereira visitava a região com o jornalista Dom Phillips, no inícioodds apostasjunho.

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