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Covid: novo picocasos pega profissionaissaúde esgotados e desamparados:
A percepçãoNunes corrobora o que pesquisadores da EscolaAdministraçãoEmpresas da FGV-SP escutaramprofissionaissaúde pública do país, em rodadasentrevistas que têm sido conduzidas desde abril2020. A mais recente foi publicadaoutubro2021.
"Nossa expectativa eraque os resultados seriam sempre melhores: que os profissionais iriam aprender (a lidar com a doença), que sentiriam menos medo, que as questõessaúde mental iriam se acomodar. E não é isso o que os dados mostram", explica à BBC News Brasil a pesquisadora Gabriela Lotta, professoraAdministração Pública e Governo da FGV.
O medo dos profissionaissaúde entrevistados pela pesquisa -técnicosenfermagem a médicos - frente à covid-19 se mantevepatamares acima80% ao longotodas as rodadas da pesquisa.
Também mais80% deles sentiram quesaúde mental foi afetada negativamente pela pandemia, mas menosum terço (30%) afirmou ter recebido algum tipoapoio para lidar com isso.
'Esperançanormalidade que se perdeu'
"Eles estão lácondições muito ruinssaúde física e mental, e com a sensaçãofaltaapoiopolíticas públicas e uma esperançanormalidade que se perdeu", avalia Lotta. "Uma frase que apareceumuitas respostas é: 'somos soldados largados na frente da batalha'. A sensaçãosolidão é muito forte."
E, embora tenha havido um aprendizado técnico importante sobre como prevenir, enfrentar e tratar o coronavírus, a sucessãomutações do vírus enovas ondascovid-19 faz com que a sensaçãodespreparo frente a doença continue elevada, explica Lotta.
A enfermeira Alessandra Alencar GadelhaMelo sente issoseu dia a diadois hospitais (um público e um privado)Salvador (BA), apesarjá acumular quase três décadasexperiência na profissão.
"É claro que a gente sabe lidar melhor com o pacientecovid-19 ousíndrome respiratória aguda grave. E a vacinação (em altos níveis no país) também dá um conforto. Mas sempre vem uma apreensão e ansiedade diante das novas variantes do coronavírus", diz ela.
Melo também é presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Estado da Bahia e recebe relatos diárioscolegas queixando-se da rotinaprontos-socorros lotados com pacientes com sintomascovid-19 e influenza. Ela notou, ao longo da pandemia, a deterioração da saúde física e mental dos enfermeirosseu Estado.
Até 2020, as principais queixas recebidas no sindicato eram relacionadas a atrasos salariais, explica a enfermeira. "Agora, a maioria das reclamações é por questõessaúde mental, esgotamento mental e assédio moral, (por conta de) relaçõestrabalho muito desgastadas e precarizadas."
"Nós nos contaminamos muito e adoecemos muito - houve um escancaramento das fragilidades e da precariedade da profissão. Os enfermeiros precisam ter vários vínculos trabalhistas (empregos), e quase todos esses vínculos são precários."
Os mais vulneráveis
Enfermeiros, técnicosenfermagem e agentessaúde estão entre os profissionais mais vulneráveis nas circunstâncias atuais, avalia Gabriela Lotta.
Até porque esses grupos são compostos emmaioria por mulheres, e muitos são negros, o que significa que já sofrem o pesooutras desigualdades socioeconômicas, e têm salários relativamente baixos.
"São pessoascondições piores para enfrentar a pandemia. Fazem dupla ou tripla jornada, muitas vezes não têm com quem deixar os filhos, ou têmcuidar dos próprios pais. A sobrecarga mental é ainda pior", prossegue Lotta.
O psiquiatra Helian Nunes observou, também, muita fragilidade entre um grupo ainda mais amploprofissionais.
"Já no início a gente viu que a vulnerabilidade étodo o trabalhador (envolvido no atendimento a pacientes): desde o porteiro do hospital até o motorista da ambulância", pondera.
Enfermarias, prontos-socorros e postossaúde também sofrem com uma cargatrabalho e uma carga horária crescentes, dizem os pesquisadores.
"Chamou nossa atenção o fatoos profissionaissaúde primária, como os que atendempostossaúde, mostrarem um nívelsofrimento bastante alto, maior atéquem trabalhahospitais", explica à BBC News Brasil Débora Dupas Nascimento, doutoraCiências e pesquisadoraSaúde Pública da Fiocruz Mato Grosso do Sul.
Dupas é coordenadorauma pesquisa que entrevistou 518 profissionaissaúde sul-mato-grossenses entre outubro2020 e março2021, cujos resultados foram publicadosnovembro. E mais da metade dos entrevistados apresentaram sintomas -leves a severos -ansiedade, estresse e depressão.
"A literatura já mostra que,contextos normais, profissionais da saúde já são mais suscetíveis a esses transtornos. Agora, na pandemia, isso se agravou, reduzindo o númeroprofissionais disponíveis por conta do númeroafastamentos", explica a pesquisadora.
É que o contexto atual cria uma espécieciclo vicioso: quanto mais exaustão e contágio, mais profissionais precisam ser temporariamente afastadosseus trabalhos, aumentando a pressão - e o riscoadoecimento - dos profissionais que ficam.
É comum nesses cenários, diz Dupas, que trabalhadores sejam pressionados a encurtar suas licenças médicas ou a trabalhar doentes para suprir a demanda e cumprir plantões.
"A gente tem ficado muito preocupado com esse desgaste, porque as equipes estão sobrecarregadas novamente", agrega Helian Nunes. "Não estamos favorecendo a saúde dos nossos trabalhadores, e não tem profissional sobrando no mercado."
Dois médicos intensivistas consultados pela BBC News Brasil dizem que (felizmente), até o momento, o picocasoscovid-19 não resultouaumentos drásticoscasos graves que exijam internaçõesUnidadesTerapia Intensiva (UTIs). Mas ambos dizem que suas equipes estão cansadas.
"Está todo mundo exausto. Reviver outra onda é mobilizar recursos e energias, e uma UTIcovid-19 exige o dobro ou o triplo (de esforço) do que uma UTI normal", diz o médico Matheus Alves, intensivistaBrasília. "Mas quem está na saúde vai tentar segurar, tirar forçaonde não tem. Senão, quem que vai ser? A gente torce para as vacinas darem conta e para os casos pararem no máximo nas enfermarias."
"Os colegas estão meio resignados, são gato escaldado", afirma Edino Parolo, intensivistaPorto Alegre (RS). "Mas tem várias pessoas que conheço que fazem planosmudarárea (e sairUTIs), se especializaroutras áreas. Porque ainda estão se recuperando (da experiência na pandemia)."
O alívio da pandemia vivido entre meados e o final do ano passado havia aberto uma "janelaesperança" entre profissionaissaúde primária - janela que é fechada com a atual explosãocasos, acredita Gabriela Lotta.
"Hoje eles conciliam a filatestagem para o coronavírus com a filavacinação e com a filapacientes passando mal, e tudo isso com um componente a mais: o apagãodados na saúde", diz a pesquisadora.
Embora os dados da pesquisa mais recente da FGV sejam do ano passado, "a hipótese éque esses profissionais estejam agora com um sentimento muito ruim, com a saúde mental muito abalada. E,todos os momentosque a pandemia cresceu, isso era escancarado pelos números. Agora, isso é muito mais invisibilizado".
Para Débora Dupas Nascimento, da Fiocruz, é preocupante o fatotão poucos profissionaissaúde terem acompanhamento psicológicoum momento tão difícil.
"É preciso pensarpolíticas públicas locais e nacionais para dar esse apoio a eles", argumenta. "E também é preciso haver momentoslazer, com suas famílias ouatividade física, e momentosautocuidado. Porque ele (profissional da saúde) cuida dos outros, mas não (tem podido) cuidarsi mesmo."
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