'Se eu morrer, denunciem': a mulher que morreu sem remédio na gestão do investigado Ricardo Barros:dica aposta futebol

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Ruth Mendes segura quadro com foto da irmã, Margareth, que morreudica aposta futebol2018 após passar meses sem remédio para tratar a doença rara HPN — mesmo com uma ordem judicial para ter o remédio

Segundo acusação do Ministério Público Federal (MPF) no Distrito Federal, Barros e quatro servidores emdica aposta futebolgestão "aproveitaram-se das posições que ocupavam para cometer atos ilícitosdica aposta futebolbenefíciodica aposta futebolterceiros" — as empresas Global e Oncolabor/Tuttopharma —, causando "prejuízos ao erário" e "a mortedica aposta futebolpelo menos 14 pacientes".

Uma dessas vítimas foi Margareth Maria Mendes, irmãdica aposta futebolRuth, que morreudica aposta futebol26dica aposta futebolfevereirodica aposta futebol2018 após ficar meses sem o medicamento Soliris para tratar a doença rara que tinha, a hemoglobinúria paroxística noturna (HPN).

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Ruth com a irmã no hospital; Margareth deixou para a família texto com um pedido: 'Se eu morrer pela faltadica aposta futebolmedicamentos por atraso, desejo que denunciem ao Ministério Público esse descaso com a vida'

A ação do MPF denuncia improbidade na venda do Soliris pela Oncolabor/Tuttopharma; e também no contrato fechado com a empresa Global para aquisição dos medicamentos Aldurazyme, Fabrazyme, Myozyme e Elaprase.

Ouvidos na investigação da procuradoria, funcionários do ministério relataram pressãodica aposta futebolBarros, enquanto ministro, para liberar o pagamento antecipado à Global. Logo que o contrato com a empresa foi firmado, concorrentes escreveram formalmente ao Ministério da Saúde informando que a empresa brasileira não tinha aval das fabricantes nem autorização da Anvisa para importar os remédios. A partir daí, foram meses sem que os remédios fossem efetivamente entregues, levando ao desabastecimento, adoecimento e mortedica aposta futebolpacientes.

"A sensação é que a história se repete, né? Ver essas notícias (denúnciasdica aposta futebolenvolvimentodica aposta futebolBarrosdica aposta futebolirregularidades na compra da Covaxin) traz um sentimentodica aposta futebolimpotência e indignação, uma revolta tamanha da nossa família toda", diz Ruth, para quem a ação aberta pelo MPF caminha na Justiça Federaldica aposta futebolBrasília com "lentidão".

Os contratos do ministério com a Global e a Oncolabor/Tuttopharma visavam atender a demandas judiciais vencidas por pessoas com doenças raras, obrigando o Estado a fornecer os medicamentos. Margareth era uma delas e, alémdica aposta futebolbuscar tratamento para si mesma, era representante nacional da Associação dos Familiares, Amigos e Portadoresdica aposta futebolDoenças Graves (AFAG).

Por esta atuação, Margareth, que era socióloga, participoudica aposta futebolreuniões e audiências públicasdica aposta futebolBrasília, inclusive confrontando Barros sobre a falta daqueles cinco remédios no segundo semestredica aposta futebol2017, segundo conta a irmã.

Crédito, Agência Senado

Legenda da foto, O deputado Luis Miranda colocou o nomedica aposta futebolRicardo Barros novamente no noticiário, ao acusar pressão pela compra da Covaxin; Barros diz não ter participadodica aposta futebol'qualquer negociação' referente à vacina

"Eu gostaria que ele (Barros) soubesse que aquela que esteve à frente dele ali, faleceu por responsabilidade dele, sabe?", diz Ruth à BBC News Brasil por videoconferência. "Ela tinha medida judicial, e o ministro descumpriu as ordens judiciais. Não só dela."

"As empresas Global e Oncolabor não estavam habilitadas para a compradica aposta futebolmedicamentos, e estava sendo feito um trabalho ali (no ministério) para favorecer essas empresas."

Procuradas pela reportagem, a Global e a Oncolabor (representante no Brasil da Tuttopharma) não responderam a pedidosdica aposta futebolposicionamento feitos por telefone e email. As empresas têm sede, respectivamente,dica aposta futebolBarueri (SP) e Montes Claros (MG).

A assessoriadica aposta futebolimprensa do MPF-DF afirmou que a procuradora Luciana Loureiro Oliveira, responsável pela ação civil pública, não poderia conceder entrevista por estardica aposta futebolférias.

Já o deputado federal e ex-ministro Ricardo Barros afirmoudica aposta futebolnota que "não se comprovará qualquer irregularidade" na ação do MPF, que o imbróglio envolvendo a Global e a Oncolabor/Tuttopharma "não tem relação com as mortes citadas" e quedica aposta futebolgestão promoveu "uma economia superior a R$ 5 bilhões ao sistemadica aposta futebolsaúde que puderam ser reinvestidos, implementando novos sistemasdica aposta futebolcompra"dica aposta futebolmedicamentos (leia mais trechos do posicionamentodica aposta futebolBarros abaixo).

Meses sem remédios

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Com desabastecimentodica aposta futebolremédiosdica aposta futebol2017, Margareth sofreu duplamente: como paciente e representante da Associação dos Familiares, Amigos e Portadoresdica aposta futebolDoenças Graves (AFAG)

Ruth relata quedica aposta futebolirmã foi diagnosticada com HPNdica aposta futebol2012, e morreudica aposta futebol2018 no hospital, aos 45 anosdica aposta futebolidade, por complicações da doença — e pela faltadica aposta futeboltratamento. A doença rara é causada por uma alteração genética nas células-tronco que leva a distúrbios no sangue, como a destruiçãodica aposta futebolglóbulos vermelhos. Com isso, os pacientes podem sentir muito cansaço, apresentar palidez e desenvolver consequências mais graves, como trombose.

"Desde que recebeu diagnóstico, minha irmã não ficou sem medicamentos", conta Ruth. "Mas,dica aposta futeboljunhodica aposta futebol2017, começou a ter atrasos e a partir daí ela não recebeu mais. Em novembro, ela recebeu uma dose emergencial com muita luta, mas foi só por um mês. Os sintomas foram avançando, as plaquetas foram caindo, e quando ela se internou, já não resistiu."

"Ela já sabia que, se continuasse sem medicamento, a perspectivadica aposta futebolvida era curta. Então, ela escreveu um e-mail e falou: 'Se me acontecer alguma coisa, eu mandei um e-mail, mas não é para abrir. Só se me acontecer alguma coisa'."

Depois que Margareth faleceu, suas irmãs abriram o e-mail.

Ruth enviou à reportagem um trecho do texto escrito por Margareth: "Se eu morrer pela faltadica aposta futebolmedicamentos por atraso, desejo que denunciem ao Ministério Público esse descaso com a vida".

A partida da irmã deixa Ruth até hoje "muito prostrada" e "com um remorso muito grande", segundo ela mesma descreve.

"Ao todo, éramos dez irmãos. Nossa família é muito, muito unida, graças a Deus. Ela (Margareth) é um pedaço que nos falta", diz a policial, emocionada.

Em dezembrodica aposta futebol2018, a procuradora Luciana Loureiro apresentou uma ação civil pública contra Barros, quatro ex-servidores do Ministério da Saúde e a Global.

A ação pede ressarcimento pelos danos causados à administração pública, no valordica aposta futebolR$ 19,9 milhões; edica aposta futebolR$ 100 milhões pelos danos morais às vítimas. A Oncolabor/Tuttopharma é citada diversas vezes na acusação, mas não foi acionada.

As 14 vítimas fatais da faltadica aposta futebolmedicamentos para doenças raras são listadas no documento: Alan Santos; Antônia Lucinda; Claudio Danilo; Diego Wallace; Henrique Rodrigues da Costa; Jucilene Pedrosa; Kyuken Kanashiro; Margareth Mendes; Maria das Neves; Mariadica aposta futebolLourdes; Matheusdica aposta futebolQueirós; Thainá Cabral; Valdomiro; e Wellinton Gross.

Além da HPN, os remédios que passaram por desabastecimento e problemas nos contratos entre 2017 e 2018 serviam também para condições raras como a mucopolissacaridose tipos I e II, a doençadica aposta futebolFabry e a doençadica aposta futebolPompe.

De acordo com Ruth, ver tantos pacientes sofrendo sem remédios agravou o próprio quadrodica aposta futebolsaúdedica aposta futebolMargareth.

"O emocional diminui a questão da imunidade, e às vezes ela ficava muito abalada, principalmente quando começou a ver a mortedica aposta futebolpacientes por faltadica aposta futebolmedicamentos. Isso mexeu muito com ela, ela esqueceu até dela mesma."

"Em janeiro (de 2018), ela já estava num período assimdica aposta futebolmuita, muita, muita fraqueza, muito cansaço, sabe? Teve audiências, reuniões, que ela já não conseguiu participar, mas mesmodica aposta futebollonge ela tava dando todo o suporte", conta Ruth, que diz conhecer pacientes que conseguiram sobreviver à falta dos remédios, mas até hoje sofrem com consequências do desabastecimento neste período.

"Ela era a voz dos portadoresdica aposta futeboldoenças raras no Brasil. Tanto que recebemos muitas mensagensdica aposta futebolpessoas dizendo que se sentiram órfãs com a morte dela."

O que denuncia o MPF — e como responde Ricardo Barros

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, MPF acusa improbidade administrativa na compradica aposta futebolcinco remédios para doenças raras durante gestãodica aposta futebolRicardo Barros no Ministério da Saúde

Em outubrodica aposta futebol2017, o Ministério da Saúde firmou com a Global um contrato para compra emergencialdica aposta futebolAldurazyme, Fabrazyme e Myozyme.

Logo depois, a própria fabricante destes remédios, a empresa americana Genzyme (subsidiária da multinacional francesa Sanofi-Aventis), informou ao ministério que a ganhadora do edital não possuía os lotes informados e tampouco tinha a Declaração do Detentor da Regularização do Produto (DDR) exigida pela Agência Nacionaldica aposta futebolVigilância Sanitária (Anvisa) na importação. A DDR implica na autorização, pelo fabricante do medicamento, da venda e importação por terceiros; e responsabiliza a empresa detentora pela qualidade, eficácia e segurança dos lotes importados.

Durante a cotaçãodica aposta futebolpreços, o ministério exigiu das empresas proponentes que tivessem a DDR e que fornecessem informações sobre os lotes disponíveis.

"Nenhuma medida acerca das graves denúncias da GENZYME foi adotada pelos réus. Os procedimentosdica aposta futebolcompra não foram suspensos e as denúncias não foram apuradas. Ao contrário, nos bastidores, era negociado o pagamento antecipado à GLOBAL", diz um trecho da ação civil pública.

Segundo o documento do MPF, um pagamento antecipadodica aposta futebolR$ 19,9 milhões foi efetivamente realizado, mas os medicamentos nunca chegavam. A Global prometeu entregar os remédiosdica aposta futeboldezembrodica aposta futebol2017, depoisdica aposta futeboljaneirodica aposta futebol2018, chegando então a junhodica aposta futebol2018 sem fornecer as doses. Naquele mês, a empresa firmou um acordo com a União para entregar os medicamentosdica aposta futebolforma parcelada. A essa altura, a Anvisa foi obrigada a conceder a DDR por ordem judicial.

"A uma empresa que prestou informações falsas sobre os lotes dos medicamentos emdica aposta futebolpropostadica aposta futebolfornecimento, que não apresentou a documentação exigida por lei e pelo edital (DDR), que atrasou sistematicamente a entrega destes edica aposta futeboloutros fármacos ao Ministério da Saúde, a quem foram efetuados ao menos três pagamentos antecipados, no valordica aposta futebolquase R$ 20 milhões, foi dada mais uma chance, inédita,dica aposta futebolcumprir parceladamente os acordos para fornecimentodica aposta futebolfármacosdica aposta futebolregimedica aposta futebolextrema urgência", afirma Loureiro na ação.

De outubrodica aposta futebol2017 a junhodica aposta futebol2018, a Global culpou a fabricante dos remédios e a Anvisa pela demora na liberaçãodica aposta futebolsuas pendências — e o próprio Ricardo Barros,dica aposta futebolentrevistas, atribuiu a lentidão à agência sanitária.

Na venda do medicamento Elaprase, a Global tampouco apresentou a DDR. A fabricante do remédio, a Shire, informou ao ministério que ela detinha a exclusividade para comercialização e conseguiu na Justiça que o processodica aposta futebolaquisição fosse suspenso.

Já no contrato para compra do Soliris, a história foi parecida: a Tuttopharma/Oncolabor tampouco tinha DDR e autorização da fabricante para comercializar o produto, descumprindo por meses seu compromissodica aposta futebolentregar os remédios, o que culminou com a suspensão do contrato apenasdica aposta futebolmeadosdica aposta futebol2018.

Em um comunicado do MPF, a procuradora Luciana Loureiro afirmou que as investigações revelaram que Ricardo Barros havia ordenado que todas as comprasdica aposta futebolremédios e afins determinadas por ordem judicial passassem por seu "crivo direto".

"Ele colocou-se nitidamentedica aposta futebolconfronto com a legislaçãodica aposta futebolregência (regulação sanitária), como formadica aposta futeboljustificar a opção pela aquisição dos medicamentosdica aposta futebolempresas sem nenhuma capacidadedica aposta futebolfornecê-los", disse a procuradora.

Em nota enviada pordica aposta futebolassessoriadica aposta futebolimprensa, o ex-ministro Ricardo Barros afirmou que a contrataçãodica aposta futebolempresas que não tinham históricodica aposta futebolfornecimento dos cinco remédios, e posterior contestaçãodica aposta futebolsuas fabricantes, têm a ver com "um processodica aposta futebolgestão edica aposta futebolenfrentamento aos monopólios do setor farmacêutico" no seu mandato, "especialmente na compradica aposta futebolmedicamentos para atendimentodica aposta futeboldoenças rarasdica aposta futebolcumprimento a decisões judiciais".

"A políticadica aposta futebolquebradica aposta futebolmonopólios consistiadica aposta futebolbuscar a proposta mais vantajosa aos cofres públicos,dica aposta futebolmenor preço, independentedica aposta futebolquem fosse o vendedor do medicamento", defendeu o ex-ministro.

Barros acrescentou quedica aposta futebolgestão tornou mais eficiente o Departamentodica aposta futebolCompras do ministério, economizando "bilhões aos cofres públicos" — "valores que foram reinvestidos na saúde da população".

"No caso da empresa Global, foram adotadas todas as providências pelo Ministério da Saúde para penalização da empresa e para o ressarcimento ao erário. A Global já confessou a dívida e ressarciu até agora cercadica aposta futebolR$ 2,8 milhões", concluiu o parlamentar, acrescentando que "não houve favorecimento ou qualquer atodica aposta futebolimprobidade".

Conexões com o caso Covaxin

Crédito, Alan Santos/Presidência da República

Legenda da foto, Bolsonaro olha para o líderdica aposta futebolseu governo na Câmara, Ricardo Barros; deputado diz que 'há quase 10 dias' é 'acusado por ilações e especulações levianas'

Além da menção ao nomedica aposta futebolBarros na CPI da Covid por seu colega na Câmara, Luis Claudio Miranda, há mais pontos conectando a acusaçãodica aposta futebol2018 sobre os remédios para doenças raras com as denúnciasdica aposta futebol2021 sobre a vacina indiana contra a covid-19.

Uma dessas conexões é o empresário Francisco Maximiano, dono da Precisa Medicamentos, companhia brasileira que intermediou a vendadica aposta futeboldoses da empresa indiana Bharat Biotech ao Ministério da Saúde no primeiro semestredica aposta futebol2021.

Ele também é sócio da Global, acusada na ação civil públicadica aposta futebol2018 por irregularidades no fornecimento dos medicamentos Aldurazyme, Fabrazyme, Myozyme e Elaprase.

Em outra parte da acusação dos irmãos Miranda, o ex-diretordica aposta futebollogística do Ministério da Saúde Roberto Dias foi apontado como um dos autores da pressão pela compra da Covaxin. Dias ocupou cargos na gestãodica aposta futebolCida Borghetti, esposadica aposta futebolRicardo Barros, no governo estadual do Paraná, e afirmou que já teve alguns encontros com o ex-ministrodica aposta futebolBrasília — mas negou que tenha sido indicado por Barros à diretoria do ministério na gestão atual.

Outro ponto que aproxima Barros da Covaxin é uma emenda que ele apresentoudica aposta futebolfevereiro à Medida Provisória 1.026, abrindo caminho para que vacinas aprovadas por algumas agências sanitárias do exterior fossem automaticamente permitidas no Brasil. A emenda do deputado pediu especificamente que a agência indiana fosse incluída.

"Apresento esta emenda para que os insumos e vacinas aprovadas pela agênciadica aposta futebolsaúde indiana (CDSCO) também obtenham aprovação emergencial pela ANVISA", diz o texto da emenda assinado por Barros.

Por estas conexões, o deputado e ex-ministro foi convocado à CPI da Covid, mas seu depoimento foi adiado.

Agora, Barros recorreu até o Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir que seu testemunho à CPI ocorra logo, argumentando estar "há quase 10 dias sendo acusado por ilações e especulações levianas".

"Desde o início me coloquei à disposição da CPI para prestar os esclarecimentos, quantas vezes forem necessárias. Estão impedindo a minha a garantia do direito constitucionaldica aposta futebolampla defesa", disse Barrosdica aposta futebolnota.

Jádica aposta futebolposicionamento enviado à BBC News Brasil, o deputado e líder do governo afirmou não ter participado "de qualquer negociação para a compra da Covaxin" e disse,dica aposta futebolnota, que a mençãodica aposta futebolseu nome por Jair Bolsonaro, relatada por Luis Claudio Miranda, "é uma citação não confirmada do meu nomedica aposta futeboldiálogodica aposta futebolterceiros".

Barros também afirmou que a ação civildica aposta futebol2018 à qual responde "em nada se relaciona com a aquisiçãodica aposta futebolvacinas" contra a covid-19.

"O proprietário da Global já informou que a última vez que nos encontramos foi quando eu era Ministro da Saúde,dica aposta futebol2016,dica aposta futeboluma agenda oficial e registrada nas redes do ministério", concluiu o parlamentar.

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