Os brasileiros presos por furtomelhores plataforma de apostacomida na pandemiamelhores plataforma de apostacovid:melhores plataforma de aposta

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Casosmelhores plataforma de apostafurto famélico, quando o réu furta para poder comer, estão chegando ao STF e ao STJ

Em 2020, cercamelhores plataforma de aposta19 milhõesmelhores plataforma de apostapessoas viviammelhores plataforma de apostasituaçãomelhores plataforma de apostafome no país, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da covid-19 no Brasil. Em 2018, eram 10,3 milhões. Ou seja,melhores plataforma de apostadois anos houve uma altamelhores plataforma de aposta84,4% (ou quase 9 milhõesmelhores plataforma de apostapessoas a mais).

Muitas das açõesmelhores plataforma de apostafurto famélico estão chegando a instâncias superiores da Justiça brasileira, como o Superior Tribunalmelhores plataforma de apostaJustiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Desde 2004, existe um entendimento do STFmelhores plataforma de apostaque casos como esse devem ser arquivados, seguindo o princípio da insignificância.

A norma, que não é obrigatória, orienta juízes a desconsiderar casosmelhores plataforma de apostaque o valor do furto é tão irrisório que não causa prejuízo à vítima do crime. Comida, sucata, produtosmelhores plataforma de apostahigiene pessoal e ínfimas quantiasmelhores plataforma de apostadinheiro, por exemplo, são considerados insignificantes pela Justiça.

Mas nem sempre.

Defensores ouvidos pela BBC News Brasil apontam que juízes e desembargadoresmelhores plataforma de apostadiversos tribunais pelo Brasil estão mantendo a custódia e condenando à prisão pessoas acusadasmelhores plataforma de apostafurto famélico oumelhores plataforma de apostapequenos valores.

Com os recursos dos advogados, esses processos - consideradosmelhores plataforma de apostasimples resolução na primeira instância - acabam abarrotando os tribunais superiores e causando mais lentidão à Justiça.

Legenda da foto, O Brasil 678,5 mil pessoas presas, a terceira maior população carcerária do mundo

'Uma família inteira presa'

A jovem Joana, presa pelo furtomelhores plataforma de apostadois pedaçosmelhores plataforma de apostapicanhamelhores plataforma de apostaMinas Gerais, trabalhava como faxineira, mas estava desempregada. Sua mãe, Maria, conta que a filha começou a passar necessidade ao se mudar para a casa do companheiro,melhores plataforma de apostaoutra cidade.

"Ela não me falava o que estava acontecendo, talvez por vergonha. Só soube da situação quando descobri que ela havia sido presa", diz Maria, por telefone.

Segundo o Boletimmelhores plataforma de apostaOcorrência (BO), ao tentar sair do mercado sem pagar pela carne, Joana foi parada por seguranças, que a monitoraram por meiomelhores plataforma de apostacâmeras. Os objetos foram devolvidos, mas a moça acabou presamelhores plataforma de apostaflagrante. Em seguida, policiais deixaram suas duas filhas com uma vizinha.

Joana deveria ter passado por uma audiênciamelhores plataforma de apostacustódia para ser ouvida por um juiz até 24 horas depois da detenção, como manda a lei. Porém, na pandemia, o Tribunalmelhores plataforma de apostaJustiçamelhores plataforma de apostaMinas Gerais não está realizando essas sessões na cidade - nem mesmomelhores plataforma de apostamaneira virtual. Um juizmelhores plataforma de apostaplantão determinou a prisão preventiva da jovem sem ouvirmelhores plataforma de apostahistória, apenas com base na descrição do BO.

"Se ela tivesse passado pela audiência, tenho certeza que teria sido solta imediatamente. Acredito que um juiz teria se sensibilizado ao ouvir a história", diz a defensora pública Alessa Veiga, que soube do caso ao receber um bilhetemelhores plataforma de apostaJoana durante uma visita à penitenciária. Ela pediu a liberdade da jovem como custus vulnerabilis (protetora dos interesses dos necessitados).

O juizmelhores plataforma de apostaplantão argumentou que Joana era reincidente e, por isso, decretou prisão preventiva pelo furto da carne e da lâminamelhores plataforma de apostabarbear. "Ela já estava respondendo outro processo por furto, mas ainda não foi julgada na primeira instância. Pela lei, ela ainda é ré primária, mas o juiz não considerou esse fato", diz Veiga.

O magistrado também não considerou que Joana é mãemelhores plataforma de apostaduas meninasmelhores plataforma de apostatrês e cinco anos. Em 2018, o STF decidiu que juízes podem substituir a prisão preventiva por domiciliarmelhores plataforma de apostacasos envolvendo mãesmelhores plataforma de apostacriançasmelhores plataforma de apostaaté 12 anos.

"Parece que muitas vezes a Justiça se preocupa mais com um pedaçomelhores plataforma de apostacarne do que com a vida das pessoas, atémelhores plataforma de apostacrianças. Por que os juízes não seguem as decisões e entendimentos do próprio Judiciário? Dessa forma, fica muito difícil defender as pessoas no Brasil", afirma Veiga.

"Quando uma mãe é presa, não é somente ela que entra numa prisão. São seus filhos,melhores plataforma de apostafamília. Muitas vezes, ela não recebe visitas porque o companheiro e a família têm vergonha. As unidades prisionais também não são preparadas para atender as mulheres, principalmente na questãomelhores plataforma de apostasaúde e higiene."

Após o pedido da defensora, outro juiz concedeu prisão domiciliar à jovem enquanto corre o processo - ela foi solta na semana passada depoismelhores plataforma de apostaquase três meses na cadeia. Joana não quis dar entrevista à BBC News Brasil, mas autorizoumelhores plataforma de apostamãe a falar por ela.

"Ela é uma pessoa boa, trabalhadora. Ela tem muito medomelhores plataforma de apostatermelhores plataforma de apostavoltar para aquele lugar horrível. Agora, ela estámelhores plataforma de apostacasa, com a família, as meninas ficaram muito emocionadas ao rever a mãe. Vamos ajudá-la a cuidar delas", diz Maria, que contou ter arrumado um emprego para a filhamelhores plataforma de apostaum supermercado.

Acúmulomelhores plataforma de apostaprocessos

Crédito, EPA

Legenda da foto, A fome, que crescia no Brasil na última década, acabou se agravando na pandemia

Embora o processomelhores plataforma de apostaJoana ainda esteja na primeira instância, açõesmelhores plataforma de apostafurto famélico estão ajudando a abarrotar tribunais superiores, aumentando a lentidão da Justiça. A avaliação émelhores plataforma de apostaum membro do próprio Judiciário: o ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ.

Na semana retrasada, ele reclamou publicamente que cortes inferiores não estão seguindo entendimentos jurídicos já pacificados pelo STF e pelo STJ. A crítica foi dada durante o julgamento do habeas corpusmelhores plataforma de apostaum homem acusadomelhores plataforma de apostafurtar dois steaksmelhores plataforma de apostafrango que valiam R$ 4.

"É um absurdo nós termosmelhores plataforma de apostajulgar a insignificânciamelhores plataforma de apostaum furtomelhores plataforma de apostaR$ 4. Não são só o Ministério Público (MP) e a advocacia que insistemmelhores plataforma de apostateses superadas, mas também os tribunais, que se recusam a aplicar nossos entendimentos. Não tem lógica isso. É uma brincadeira dizer que a política que estamos adotando no país e o comportamentomelhores plataforma de apostatodos nós, os chamados atores do processo, estão diminuindo a criminalidade", disse.

O ministro mostrou um levantamento com o númeromelhores plataforma de apostaações criminais distribuídas ao STJ nos últimos anos. Segundo ele,melhores plataforma de aposta2017 foram 84.256 processos e, no ano passado, 124.276 - altamelhores plataforma de aposta47%. Para este ano, ele projeta que serão 131.997 casos. O STJ tem duas turmasmelhores plataforma de apostacinco ministros para a área criminal - ou seja, cada um deles recebeu 12,4 mil ações sómelhores plataforma de aposta2020,melhores plataforma de apostamédia.

"Isso é inviável, é humanamente impossível julgar essa quantidademelhores plataforma de apostaprocessos. Não vejo discussões sobre ressocialização e prevençãomelhores plataforma de apostacrimes, só vejo criaçãomelhores plataforma de apostanovos crimes, aumentomelhores plataforma de apostapenas e dificuldademelhores plataforma de apostaprogressão (das penas). Estamos vivendo num mundo totalmente irreal, estamos num caminho completamente equivocado", criticou Reis Júnior.

O caso citado por ele foi representado pelo defensor público Flávio Aurélio Wandeck Filho, tambémmelhores plataforma de apostaMinas Gerais. Ele conta que o réu era um homem pobremelhores plataforma de apostauma cidade do interior do Estado. Monitorado por seguranças, acabou preso ao tentar sair do supermercado com os dois pedaçosmelhores plataforma de apostafrango.

A carne foi devolvida ao comércio, mas o rapaz acabou levado à delegacia. O réu disse que furtou o frango porque estava com fome. O delegado se recusou a prendê-lo, porque, além do homem ser primário, considerou R$ 4 um valor insignificante. Ainda assim, um promotor da cidade apresentou a denúncia contra o rapaz. O juiz, conhecido na região por ser bastante duro, aceitou e abriu o processo.

A Defensoria Pública entrou com pedidomelhores plataforma de apostahabeas corpus no Tribunalmelhores plataforma de apostaJustiçamelhores plataforma de apostaMinas Gerais, solicitando o arquivamento. Porém, desembargadores entenderam que a ação deveria prosseguir, mesmo com um novo posicionamento do Ministério Público a favor do trancamento.

"Há uma turma do TJ-MG que costuma não aplicar o princípiomelhores plataforma de apostainsignificância porque não concorda com ele, mesmo com o entendimento do STF. Os desembargadores dizem que o princípio não está no Código Penal, que já tem um parágrafo sobre pequenos furtos", analisa o defensor.

O caso só foi resolvido no STJ, que decidiu pelo arquivamento da ação no início desse mês.

"Um processo como esse tem um custo para o Estado. Vários servidores públicos participam da ação: promotores, juízes, desembargadores, ministros, defensores públicos, escrivães, oficiaismelhores plataforma de apostaJustiça. É muita gente e muito recurso público para julgar um furtomelhores plataforma de apostaR$ 4", diz Wandeck Filho.

Reincidência

Crédito, Dorivan Marinho/SCO/STF

Legenda da foto, Ministros do STF, como Rosa Weber e Gilmar Mendes, tendem a considerar insignificantes furtos famélicos, mesmomelhores plataforma de apostacasomelhores plataforma de apostareincidência

Nos últimos meses, o defensor público Pedro Naves Magalhães,melhores plataforma de apostaSão Paulo, atuoumelhores plataforma de apostaum casomelhores plataforma de apostafurto que chegou até o Supremo Tribunal Federal, última instância da Justiça.

Em abril, um homemmelhores plataforma de apostasituaçãomelhores plataforma de apostarua,melhores plataforma de aposta44 anos, ficou quase 30 dias preso sob a acusaçãomelhores plataforma de apostatentar furtar dois sacosmelhores plataforma de apostalixo reciclávelmelhores plataforma de apostauma cooperativamelhores plataforma de apostacatadoresmelhores plataforma de apostaSão Paulo - os objetos, avaliadosmelhores plataforma de apostaR$ 30, foram devolvidos. O réu disse que venderia o lixo furtado para comprar comida.

O Ministério Público pediu a prisão por ele ser reincidente, "mesmo que o agente não tenha logrado êxitomelhores plataforma de apostaseu plano criminoso", escreveram os promotores. Tanto o Tribunalmelhores plataforma de apostaJustiçamelhores plataforma de apostaSão Paulo quanto o STJ aceitaram a denúncia. Mas o moradormelhores plataforma de apostarua foi absolvido pela ministra Carmen Lúcia, do STF, que considerou o valor do delito insignificante.

Segundo defensores, a reincidência do réu também é um dos argumentos usados pelos juízes para não aplicar o princípio da insignificância.

"Há alguns magistrados, até no STJ e no STF, que acreditam que a insignificância não deve ser usada se o réu já tiver condenações por outros crimes. Mas há também ministros do STF, como Gilmar Mendes e Rosa Weber, que normalmente arquivam os processos: a tese deles é que a reincidência não muda a insignificância do delito", diz o defensor Flávio Aurélio Wandeck Filho,melhores plataforma de apostaMinas.

Para o defensor Pedro Naves Magalhães, o direito penal brasileiro tem um "cliente" preferencial: pessoas negras, periféricas e marginalizadas - essa parcela da população é a mais representativa dentro dos presídios, segundo dados do próprio sistema penitenciário brasileiro.

"Muitas vezes a Justiça criminaliza a pobreza, e a tendência é uma piora por causa da pandemia. A Justiça escolhemelhores plataforma de apostaquem vai ser punido. Como comparação, se você tiver uma dívida tributáriamelhores plataforma de apostaaté R$ 20 mil, sequer é processado. Mas se você furtar comida, pode ser condenado à prisão", diz Magalhães.

Segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), o Brasil tinha, no primeiro semestre do ano passado, 678.506 pessoas presas, a terceira maior população carcerária do mundo,melhores plataforma de apostanúmeros absolutos. O déficit no sistema eramelhores plataforma de aposta231.768 vagas.

Já Gustavomelhores plataforma de apostaAlmeida Ribeiro, defensor público federal com atuação no STF, acredita que prender pessoas por causamelhores plataforma de apostadelitos não-violentos e sem prejuízos à vítima pode ajudar facções criminosas que controlam os presídios.

"A pessoa vai para um presídio superlotado e insalubre. Para sobreviver, é cooptada por facções. Quando sai, tem uma dívida com o grupo e, para pagá-la, comete crimes mais graves e violentos. Ela sai pior do que entrou, sem assistência e ainda mais vulnerável. Nós vivemos num país pobre, e muita gente acaba furtando por necessidade. Esse é um problema da sociedade, não só da Justiça", diz Ribeiro.

Em março deste ano, Ribeiro defendeu um homem condenado a 2 anos e 4 mesesmelhores plataforma de apostaprisão (regime semiaberto) pelo furtomelhores plataforma de apostafios elétricos que valiam R$ 65,melhores plataforma de apostaSanta Catarina. O réu alegou que venderia os fios para comprar comida. Mas inicialmente a Justiça considerou que ele merecia a punição por ser reincidente. Os recursos da defesa chegaram ao STF, e o ministro Gilmar Mendes o absolveu, alegando que o valor do furto era insignificante.

*Os nomes foram alterados, a pedido da família.

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