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'Até o feijão nos esqueceu': o livrovbet apk1960 que poderia ter sido escrito nas favelasvbet apk2021:vbet apk
A experiênciavbet apkver os filhos com fome descrita por Carolina é vivida no Brasilvbet apk2021 por Breda Souza Pimentel,vbet apk26 anos e moradoravbet apkPetrolândia, às margens do rio São Francisco,vbet apkPernambuco.
"Tenho quatro meninos e uma menina, o mais velho tem 8 anos e a mais nova, 5 meses. Eu vivo só com meus filhos", conta a pernambucana.
"Eu trabalhavavbet apkajudantevbet apkcabeleireira, mas a moça que tinha o salão fechou, porque não estava mais tendo clientela. De lá para cá, eu vinha me sustentando com esse auxílio que tinha, mas agora eu não fui contemplada, fiquei só com meu valor do Bolsa Família, que é R$ 189."
"Eu estou vivendo só com isso, mas às vezes as pessoas me ajudam com alimentos para os meus filhos. De vezvbet apkquando, eu acho algum bico para fazer, mas é muito raro. Tem dias que não tenho nem o leite da minha bebê."
"Minha situação, a cada dia que passa, piora mais, porque sem trabalho é complicado demais. E, com criança pequena, eu não tenho com quem deixar. Os meus maiorzinhos, quando não tem comida, eu converso com eles e eles entendem. Mas os pequenos não entendem."
"A gente tenta ter um ânimo, mas não consegue, porque o desemprego está muito grandevbet apktodo lugar. É só angústia e tristeza, quem é mãe entende", conclui Breda.
O Brasil da décadavbet apk1950
A volta do Brasil ao mapa da fome, o aumento da inflação e a expansão da pobreza são marcas tristesvbet apkum anovbet apkque Carolina Mariavbet apkJesus recebeu o títulovbet apkdoutora honoris causa pela Universidade Federal do Riovbet apkJaneiro (UFRJ) e que seu best seller Quartovbet apkdespejo ganhou edição especial comemorativa pela Editora Ática, após ser traduzida para 13 idiomas.
Mas é claro que o Brasilvbet apkhoje é muito diferente daquele da décadavbet apk1950.
Por exemplo, naquela época, éramos cercavbet apk52 milhõesvbet apkbrasileiros e hoje somos maisvbet apk211 milhões. Pouco maisvbet apk36% da populaçãovbet apkentão era urbana, comparado a 85% hoje. Metade da populaçãovbet apk15 anos ou mais era analfabeta, ante menosvbet apk7%vbet apkanalfabetos atualmente.
Um levantamentovbet apk1957 contava 141 favelasvbet apkSão Paulo, com pouco maisvbet apk8 mil domicílios e cercavbet apk50 mil favelados. Em 2017, os domicíliosvbet apkfavelas na cidade eram maisvbet apk390 mil, segundo o Instituto Brasileirovbet apkGeografia e Estatística (IBGE).
Entre 1955 e 1960, a inflação no país subiu a uma médiavbet apk23% ao ano, segundo o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas. A segunda metade da décadavbet apk1950 foi marcada pela modernização industrial do país, que resultou num processo inflacionário e no aumento da desigualdade, com uma maior produçãovbet apkriqueza que não chegava para todos.
O processovbet apkindustrialização na décadavbet apk1950, que levou ao início da favelização nos grandes centros urbanos, trouxe consigo um fenômeno novo: a fome urbana. O jornal Folha da Manhã, que viria depois a se tornar a Folhavbet apkS. Paulo,vbet apkuma reportagemvbet apk1952, descrevia as recém surgidas favelas como "um ambientevbet apkmiséria, desconforto e fome".
"A fome age não apenas sobre os corpos das vítimas", escreveu Josuévbet apkCastro, autor do primeiro mapa da fome do Brasil, que deu origem ao livro Geografia da Fome,vbet apk1946.
"Consumindovbet apkcarne, corroendo seus órgãos e abrindo feridas emvbet apkpele, mas também age sobre seu espírito, sobrevbet apkestrutura mental, sobrevbet apkconduta moral. Nenhuma calamidade pode desagregar a personalidade humana tão profundamente e num sentido tão nocivo quanto a fome."
O Brasilvbet apk2021
Apesar das diferenças, há pontosvbet apkcomuns entre os dois momentos da história.
Estudo publicadovbet apkabril pela Universidade Livrevbet apkBerlim, na Alemanha, revelou que 59% dos domicílios brasileiros passaram por situaçãovbet apkinsegurança alimentar durante a pandemia.
A insegurança alimentar abrange desde a alimentaçãovbet apkmá qualidade, passando pela instabilidade no acesso a alimentos, até a fome.
Do totalvbet apk72 milhõesvbet apklares brasileiros, 15% enfrentavam insegurança alimentar grave, que acontece quando há redução da quantidadevbet apkalimentos disponíveis para as crianças.
Considerando a médiavbet apk2,9 moradores por domicílio no país, são pelo menos 31,3 milhõesvbet apkbrasileiros vivendovbet apklares onde há crianças passando fome. E esse número é apenas uma aproximação, já que os domicíliosvbet apkbaixa renda costumam ter mais moradores que a média.
A inflação acumulou altavbet apk6,1%vbet apk12 meses até março. Mas os alimentos, que representam a maior parcela do consumo dos mais pobres, subiram mais que o dobro disso: 13,87%, conforme o Índicevbet apkPreços ao Consumidor Amplo (IPCA), índice oficialvbet apkinflação do país.
Alguns itens básicos registram aumentosvbet apkpreço exorbitantes no período recente, caso do óleovbet apksoja (com 82%vbet apkaltavbet apk12 meses até março), arroz (64%), feijão preto (51%), carnes (31%), batata (25%), leite (16%) e gásvbet apkbotijão (20%).
A taxavbet apkdesemprego chegou a 14,4%vbet apkfevereiro, somando 14,4 milhõesvbet apkdesocupados, segundo o IBGE.
Esse percentual vai a 29,2% da populaçãovbet apkidadevbet apktrabalhar ou 32,6 milhõesvbet apkpessoas, considerando também aqueles que estão trabalhando menos do que gostariam, que desistiramvbet apkprocurar emprego ou que gostariamvbet apktrabalhar, mas por algum motivo (como ter que cuidar dos filhos que estão fora da escola ouvbet apkidosos, por exemplo) não estavam disponíveis. São os chamados subutilizados.
Como na décadavbet apk1950vbet apkque escrevia Carolina Mariavbet apkJesus, todos esses problemas são mais graves paras as mulheres negras.
Direitos básicos negados
"É como se o Quartovbet apkDespejo estivesse sendo reescrito novamente agora, nessas experiências que a gente tinha a esperança que mudassem ao longo desses 60 anos", diz Eliane da Conceição Silva, socióloga que estudou a violência social brasileira na obravbet apkCarolina Mariavbet apkJesusvbet apkseu doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Segundo a pesquisadora, a chamada violência social é resultadovbet apkum conjuntovbet apkdesigualdades existentes na nossa sociedade.
"É essa estrutura desigual que resultavbet apkque uma parcela significativa da população sofra com situaçõesvbet apkprivação,vbet apkviolência física e inclusivevbet apkmorte, exatamente por terem seus direitos mais básicos negados", afirma Silva.
Na obravbet apkCarolina, a fome, por exemplo, é tão presente que é como uma personagem, chamada pela autoravbet apk"a amarela", uma referência à cor da bile dos estômagos vazios.
"No caso da inflação, o que ela sente é o pouco dinheiro que ela consegue cada vez comprando menos coisas", observa.
Segundo a socióloga, Carolina faz uma reflexão sobre como a democracia se enfraquece à medidavbet apkque as pessoas não têm condiçõesvbet apkse alimentar e tem uma consciênciavbet apkque isso tem relação direta com quem está no poder.
"Ela chega a criticarvbet apkalguns momentos que os políticos, quando querem se eleger, falam do custovbet apkvida, que vão diminuir os preços, sabendo que, com isso, vão conseguir tocar o coração dos mais pobres", destaca a pesquisadora.
"Mas, depoisvbet apkeleitos, 'nos olham com olhos semicerrados e esquecem as promessas que foram feitas.'"
A inflação na décadavbet apk1950 evbet apk2021
"Antigamente era a macarronada o prato mais caro. Agora é o arroz e feijão que suplanta a macarronada. São os novos ricos. Passou para o lado dos fidalgos. Até vocês, feijão e arroz, nos abandona! Vocês que eram os amigos dos marginais, dos favelados, dos indigentes. Vejam só. Até o feijão nos esqueceu. Não está ao alcance dos infelizes que estão no quartovbet apkdespejo", escreve Carolina,vbet apk23vbet apkmaiovbet apk1958.
Irislania Emiliana Viana,vbet apk31 anos, vive com seus nove filhos e o maridovbet apkValparaísovbet apkGoiás, numa casa com apenas dois cômodos. Seu bebê tem 10 meses e a filha mais velha, 16 anos. Ela e o companheiro estão desempregados.
"Meu marido é pedreiro, mas já tem mais ou menos uns sete, oito meses que ele não consegue trabalho" conta Irislania. "Eu sempre fiqueivbet apkcasa, mas fazia uma coisinha aqui, uma coisinha ali para vender, para fazer um dinheiro a mais. Com a pandemia, eu não pude mais trabalhar por causa das crianças, está perigoso para mim e para elas".
Segundo ela, a família atualmente tem que escolher entre comer ou comprar o gásvbet apkbotijão, quevbet apkmuitas cidades do Brasil já ultrapassa os R$ 100 neste mêsvbet apkmaio.
"Estou cozinhando à lenha. A gente está sem condiçõesvbet apkcomprar gás. Quando a gente faz um dinheirinho — às vezes meu marido faz um biquinho aqui, um biquinho ali — no preço que que está o gás, ou a gente compra o gás, ou compra alimento", relata.
Irislania sente no dia a dia a redução do auxílio emergencial distribuído pelo governo federal, mas ainda assim se diz grata pela ajuda.
"Recebi o auxílio ano passado. Neste ano, veio R$ 150. É pouco, mas eu não vou reclamar não, porque pelo menos a gente consegue comer, fazer umas comprinhas."
'O Quartovbet apkDespejo ainda é uma realidade'
"O Quartovbet apkDespejo, apesarvbet apkter sido publicado há 60 anos, ainda é uma realidade", avalia Vera Eunicevbet apkJesus, professora da rede públicavbet apkSão Paulo e filhavbet apkCarolina.
"Sou professoravbet apkeducação infantil e tenho percebido como as crianças chegam à escola", conta a educadora, que dá aulas na Vila São José, no extremo Sul da capital paulista.
Ela relata, por exemplo, que tem um alunovbet apk5 anos que bate na professora e nos colegas e, quando é questionado por que, grita que está com fome.
"Depois que ele come, é outra criança. A gente sabe que ele almoça na escola e vai tomar café só no outro dia na escola. As únicas refeições que ele faz são ali."
Na pandemia, Vera Eunice e as outras professoras têm ajudado a organizar a distribuiçãovbet apkcestas básicas para as famílias mais carentes da comunidade.
"A gente marca 9h da manhã para a retirada das cestas. Quando dá 6h, já tem fila. Eu falo para eles: 'Ainda é cedo.' E eles dizem: 'Não se incomode não, a gente está bem aqui.'"
"A minha mãe era assim. Quando ela sabia que iam dar uma cesta, um arroz, um brinquedo, ela ia atrás. Nessas mesmas condições que eu vejo o povo hoje, no século 21."
Distante da Zona Sul, no Jardim Keralux, bairro do extremo Lestevbet apkSão Paulo, às margens do rio Tietê, assim como a antiga favela do Canindé, onde viveu Carolina, a realidade é semelhante.
"Com a pandemia, piorou muito a situação por aqui. Do início desse ano para cá, vemos que os poucos que tinham renda acabaram ficando sem", afirma Edinilson Bastos, diretor do Instituto União Keralux, uma organizaçãovbet apkassistência local.
Ele conta que, no ano passado, a entidade contou com a ajudavbet apkuma empresa para distribuir 950 cestas básicas por mês. Neste ano, mesmo com o aumento da procura dos moradores por alimentos, a parceria não se repetiu.
"Infelizmente, a situação se agravou para todos e as empresas que no ano passado ajudaram, neste ano também sofreram as consequências da crise. Então, estamos vivendovbet apkalgumas doações esporádicas, que não estão suprindo a demanda", lamenta.
Sucata como fontevbet apkrenda
Assim como Carolina fez na décadavbet apk1950, quem está sem renda atualmente também se vira como pode para garantir o sustento próprio e darvbet apkcomer aos filhos.
"Minha mãe sempre trabalhou muito e era muito focadavbet apkque nós estudássemos", conta Vera Eunice, atualmente com 67 anos. "Eu saía com ela para catar papel, sempre saí, minha mãe nunca me deixava."
Em 27vbet apkmaiovbet apk1958, Carolina Mariavbet apkJesus escreveuvbet apkseu diário: "Comecei a sentir a boca amarga. Pensei: já não basta as amarguras da vida? Parece que quando eu nasci o destino marcou-me para passar fome. Catei um sacovbet apkpapel."
"Ia catando tudo que encontrava. Ferro, lata, carvão, tudo serve para o favelado. O Leon pegou o papel, recebi seis cruzeiros. Pensei guardar o dinheiro para comprar feijão. Mas, vi que não podia porque o meu estômago reclamava e torturava-me", registrou naquela data a escritora.
Em 23vbet apkabrilvbet apk2021, Jessica Fernanda Santana,vbet apk30 anos e moradoravbet apkItapira, no interiorvbet apkSão Paulo, conta: "Meu marido trabalhava como lenheiro, cortando eucalipto, mas a serraria fechou com a pandemia. Agora estamos coletando sucata."
"Tenho um meninovbet apk8 anos e faz uns quatro meses que eu estou fazendo esse serviço. Nesses quatro meses, juntamos um dinheirinho e compramos uma caminhonete parcelada. Agora, eu tenho a caminhonete para catar e boto no Facebook pedindo para as pessoas me ajudarem, porque na rua não se acha, que aqui tem muito catador."
"Cato papelão, alumínio, ferro, latinha, janela,vbet apktudo um pouco. Conseguimos tirar uns R$ 1 mil por mês, mas é bem menos do que meu marido fazia como lenheiro. Então, o pessoal ajuda com mantimento. Às vezes, até posto no Facebook pedindo alimento também, porque eu morovbet apkaluguel, aí tem água, luz, tem a caminhonete para pagar. Se for depender só da sucata, não dá conta. Então, eu peço ajuda pro povo."
"Ano passado, eu recebi o auxílio, neste ano, não recebi ainda. Nem sei se vou receber, porque diz que não é todo mundo que está incluído. Se vier, vai ajudar um pouco, que é um dinheirinho a mais, que a gente não esperava. Mas,vbet apkR$ 600 para R$ 250, é muita diferença."
Poucos dias depoisvbet apkcontarvbet apkhistória por telefone à BBC News Brasil, Jessica descobriu uma doença grave e precisou deixar a coletavbet apksucata, única fontevbet apkrenda da família, enquanto o auxílio emergencial não vem.
'Hoje são milharesvbet apkCarolinas'
Para a socióloga Eliane da Conceição Silva, a repetiçãovbet apk2021vbet apkexperiências vividas por Carolina Mariavbet apkJesus da décadavbet apk1950 revela o quanto o Brasil progrediu pouco enquanto sociedade e o quanto pouco mudaram as estruturas sociais que fazem com que mulheres e negros sejam os que mais soframvbet apksituaçõesvbet apkcrise.
"O que efetivamente mudou é que essas pessoas que estão sofrendo com essa situação estão cada vez mais tendo formasvbet apkdizer o que estão passando", avalia a pesquisadora.
"Aquele silêncio, que a Carolina foi a primeira a romper, hoje já está sendo mais questionado. Vemos denúncias não sóvbet apkquem estávbet apkfora, masvbet apkdentro, através das redes sociais evbet apkoutras formasvbet apkdivulgação evbet apkprodução cultural."
Vera Eunice, a filhavbet apkCarolina, tem avaliação similar. "Vejo que hoje as comunidades têm mais Carolinas. Muitas mulheres que são mães solteiras, que trabalham, que cuidam dos seus filhos. Muitas que escrevem, muitas que estudam. Acho que esse hoje é o diferencial."
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