Governo e ruralistas pressionam por lei polêmica que beneficia desmatadores da Amazônia:betway copa

Crédito, AFP

Legenda da foto, Ambientalistas dizem que aprovação da propostabetway copaIrajá alimentaria a grilagembetway copaterras, uma das principais causas para o desmatamento na Amazônia

Já críticos dizem que a iniciativa premiaria a grilagem (apropriação ilegalbetway copaterras públicas) e estimularia a destruiçãobetway copanovas áreasbetway copafloresta.

A proposta poderia abrir caminho para a privatização atébetway copaáreas derrubadas atualmente, quando o desmatamento na Amazônia registra seus maiores índicesbetway copa12 anos.

Há outra proposta semelhantebetway copatramitação na Câmara dos Deputados, o PL 2.633/2020, mas ruralistas e o governo têm dado preferência ao Projetobetway copaLei 510/2021,betway copaautoria do senador Irajá Abreu (PSD-TO), filho da também senadora Kátia Abreu (PSD-TO), ex-ministra da Agricultura no governo Dilma Rousseff.

A proposta está no plenário do Senado, pronta para ser votada. Em 25betway copamarço, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS) esteve na Casa e defendeu a aprovação do projeto.

Sem destinação definida

O PL510/2021 trata dos critérios para a privatizaçãobetway copaterras públicas federais não destinadas. A expressão significa que essas terras pertencem à União mas não tiveram uma destinação definida, como virarem parques nacionais ou assentamentos para reforma agrária, por exemplo.

Terras públicas não destinadas são alvos preferenciaisbetway copagrileiros, que as invadem apostando que um dia elas acabarão se tornandobetway copapropriedade e que eles poderão lucrar com a venda dos lotes.

A proposta teria validadebetway copatodo o território nacional, mas seu impacto seria maior na Amazônia, que concentra a maior parte das terras públicas não destinadas no país.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Preservação da Amazônia é considerada crucial para atenuar as mudanças climáticas, pois a florestabetway copapé armazena grande quantidadebetway copacarbono

Segundo o Ministério da Agricultura, na Amazônia, essas áreas somam cercabetway copa57 milhõesbetway copahectares, ou pouco mais do que o território da França.

Pedidobetway coparejeição

Na última semana, 40 parlamentares alemães enviaram aos presidentes do Congresso brasileiro uma carta pedindo a rejeição a três projetosbetway copalei que, segundo o grupo, elevariam o desmatamento e a violência contra povos indígenas no Brasil.

A proposta sobre regularização fundiária é uma das três, ao ladobetway copaum projeto que regulamentaria a mineraçãobetway copaterras indígenas ebetway copauma proposta para alterar regrasbetway copalicenciamento ambiental.

A iniciativa alemã se soma a uma sériebetway copaqueixas sobre o desmatamento no Brasil por partebetway copaautoridades estrangeiras, que consideram a preservação da Amazônia central para o combate às mudanças climáticas.

No fimbetway copamarço, o Departamentobetway copaEstado dos EUA afirmou a jornalistasbetway copaWashington que espera ver uma redução no ritmobetway copadestruição na Amazônia ainda neste ano e que não descarta impor sanções contra o Brasil se o país não se empenhar no tema.

O desmatamento na região também tem sido usado por países europeus como argumento para frear as negociações do acordobetway copalivre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.

Facilidades para privatizar terras públicas

O texto do Projetobetway copaLei 510/2021 se baseia numa Medida Provisória (MP) editada pelo presidente Jair Bolsonarobetway copa2019, que caducou por não ter sido aprovada no Congresso dentro do prazo.

Mas a proposta apresentada pelo senador Irajá vai além da MP e gera facilidades adicionais para a privatizaçãobetway copaterras públicas desmatadas ilegalmente.

Pela lei atual, só podem ser privatizadas sem licitação áreas públicas desmatadas até 22betway copadezembrobetway copa2011. Pela propostabetway copaIrajá, o prazo seria prorrogadobetway copatrês anos, até dezembrobetway copa2014.

Entre as condições exigidas para a privatização citadas na proposta do senador estão:

- a ocupação da terra ser "mansa e pacífica" (exercida sem oposição ebetway copaforma contínua);

- não haver no local trabalhadoresbetway copacondições análogas à escravidão;

- a área não estar embargada por contabetway copainfração ambiental;

- existir na área "cultura efetiva" (qualquer atividade "agropecuária, agroindustrial, extrativa, florestal, pesqueira,betway copaturismo ou outra atividade similar que envolva a exploração do solo") desde antesbetway copadezembrobetway copa2014.

Normalmente, mudanças na leibetway coparegularização fundiária buscam postergar o chamado marco temporal das ocupações. Marco temporal é o prazo até o qual áreas públicas ocupadas podem ser privatizadas. Ou seja, postergando-se o marco temporal, amplia-se a quantidadebetway copapessoas capazesbetway coparegularizar suas ocupações.

A propostabetway copaIrajá, porém, inova ao criar uma brecha para a regularizaçãobetway copaterras ocupadas mesmo após o marco temporal estabelecido no próprio projetobetway copalei, que é dezembrobetway copa2014. Áreas desmatadas após esse prazo também poderiam ser regularizadas, desde que esses terrenos não suscitem "interesse público e social".

Crédito, Agência Senado

Legenda da foto, Autor da proposta, Irajá Abreu (PSD-TO) é filho da ex-ministra e também senadora Katia Abreu (PSD-TO)

Isso porque um trecho do projeto diz que as áreas rurais que não cumpram os requisitos para regularização ainda assim "poderão ser alienadas (vendidas) por meiobetway copalicitação pública, no limitebetway copadois mil e quinhentos hectares, garantindo-se o direitobetway copapreferência à pessoa natural ocupante do imóvel".

Para Brenda Brito, pesquisadora do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), a brecha na proposta do senador "busca atender todo mundo que teve pedidos (de regularização) rejeitados ou venha a ter".

"Se isso passa, o marco temporal da ocupação (dezembrobetway copa2014) pouco importa, pois até quem ocupar uma área hoje poderá conseguir o título", afirma Brito, doutorabetway copaCiência do Direito com ênfasebetway copadireito ambiental pela Stanford University (EUA).

Questionado pela BBC News Brasil, Irajá confirmou que a proposta permitiria a legalizaçãobetway copaterras desmatadas após 2014.

Em resposta por escrito às perguntas enviadas, ele afirmou que o projeto busca atender "milharesbetway copafamíliasbetway copaprodutores que aceitaram o desafio proposto pelo governobetway copaocupar áreas não povoadas (na Amazônia) na décadabetway copa1970 e até hoje, passados maisbetway copa50 anos, não receberam os títulosbetway copasuas propriedades."

Segundo o senador, "147 mil famíliasbetway copapequenos produtores aguardam desde a décadabetway copa1970 os títulos definitivosbetway copasuas propriedades para financiarem suas atividades como custeio e investimentos".

A BBC então questionou: se o projeto foi pensadobetway copaquem ocupou a Amazônia na década 1970, por que permitir a regularizaçãobetway copaáreas desmatadas até os diasbetway copahoje?

A assessoriabetway copaIrajá respondeu então que o projeto "não visa exclusivamente quem recebeu terrabetway copa1970". "Isso (ocupação da Amazônia) é um processo que vem desde aquela época até hoje", disse um assessor.

Segundo Irajá, a "regularização fundiária garante empregos e renda no campo, alémbetway copapermitir que os órgãosbetway copacontrole (...) possam fiscalizar se as leis estão sendo cumpridas por seus proprietários".

"A ideia é trazer produtores e famílias para dentro da formalidade, dar dignidade, estimulando a produção formal e econômica, dando a essas pessoas os seus direitos até para poder cobrar delas as suas obrigações junto ao Estado".

Para o analista ambiental Hugo Loss, no entanto, é improvável que grandes desmatadores usem os próprios nomes para registrar os lotes a serem regularizados.

Ele afirma que, assim como já fazem hoje, muitos deverão recorrer a terceiros ("laranjas") para driblar a fiscalização.

Preços abaixo do mercado

Pela propostabetway copaIrajá Abreu, áreas desmatadas até maiobetway copa2012 poderiam ser doadas ou vendidas aos postulantes por valor entre 10% e 50% do preçobetway copatabela do Incra (Instituto Nacionalbetway copaColonização e Reforma Agrária), que são mais baixos que os preçosbetway copamercado.

Para as áreas desmatadas entre maiobetway copa2012 e dezembrobetway copa2014, seria cobrado o valor máximo da tabela do Incra.

Outra mudança na propostabetway copaIrajá trata da exigênciabetway copavistoria nas áreas a serem regularizadas, quando fiscais checam in loco se os terrenos cumprem os requisitos para a privatização.

Na legislação atual, ficam dispensadosbetway copavistoria os lotes com até 4 módulos fiscais, área que corresponde a até 400 hectaresbetway copaalgumas partes da Amazônia.

O projetobetway copaIrajá ampliaria a dispensabetway copavistoria para lotes com até 2.500 hectares, extensão que configura uma grande propriedade ruralbetway copaqualquer parte do Brasil.

A checagem sobre a databetway copaocupação do lote seria feita por imagensbetway copasatélite.

Outra mudança na proposta do senador é a possibilidadebetway copaque pessoas que já tenham outras terrasbetway copaseus nomes consigam regularizar um terreno desmatado ilegalmente, se a soma total das áreas não ultrapassar 2.500 hectares.

Hoje só quem não possui terrasbetway copaseu nome pode regularizar terrenos ocupados ilegalmente.

Segundo Irajá, a mudança busca atender pessoas que tenham recebido pequenas propriedades como herança.

"Esse produtor encarou o desafio proposto pelo governo, partiu para áreas inóspitas deixandobetway copavida para trás e merece ter o título definitivobetway copasua propriedade mesmo que tenha ao longo do caminho recebido uma herança", afirma o senador.

Mudanças sucessivas

A legislação atual já prevê formasbetway coparegularizar terras ocupadas na Amazônia - ainda que com critérios menos flexíveis.

O projeto do senador busca mudar principalmente a Lei 11.952,betway copa2009, e que foi alterada pela última vezbetway copa2017.

Para Brenda Brito, do Imazon,betway copavezbetway copaalterar a lei mais uma vez, o Congresso e o governo deveriam trabalhar para que a lei atual seja aplicada. Isso implicaria aumentar os investimentos no Incra (Instituto Nacionalbetway copaColonização e Reforma Agrária), contratando e qualificando os profissionais responsáveis pela regularização fundiária.

Nos últimos anos, porém, ela afirma que o órgão tem perdido receitas e prestígio junto ao governo.

Embora ministrosbetway copaBolsonaro digam que a regularização fundiária é uma prioridade da gestão,betway copa2019, o governo entregou um único títulobetway copapropriedade rural definitivo na Amazônia.

Em 2020, foram 553 - ainda assim bem abaixo da médiabetway copa3.190 títulos/ano, medida entre 2009 e 2020.

Brito diz ter recebido os dados com base na Leibetway copaAcesso à Informação.

Para a pesquisadora, mudanças frequentes na lei geram a expectativabetway copamudanças futuras que flexibilizem ainda mais os critériosbetway coparegularização, estimulando novos ciclosbetway copadesmatamento.

O poder da expectativa

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Desmatamento na Amazônia atingiubetway copa2020 o maior índice dos últimos 12 anos

Em artigo recente na revista acadêmica digital Amazônia Latitude, o analista ambiental Hugo Loss analisa como a expectativabetway copaganhos futuros alimenta a grilagem na Amazônia.

No texto, intitulado "Grilagem como causa do desmatamento na Amazônia", ele diz que grileiros invadem e desmatem terras com base na expectativabetway copaque lucrarão com a comercialização da área.

"Custa caro desmatar, é um investimento. E esse investimento só vale se houver expectativabetway coparecompensa", ele afirma à BBC News Brasil.

"Quando há a expectativabetway coparegularizar, há estímulo para que se invista mais (no desmatamento)", afirma.

Segundo Loss, quando autoridades defendem flexibilizar os critérios para a regularização fundiária, há tendênciabetway copaaumento no desmatamento.

Loss diz que dados do Prodes, o sistemabetway copamonitoramento do Instituto Nacionalbetway copaPesquisas Espaciais (INPE), mostram que a grilagem é a causabetway copa60% do desmatamento na Amazônia.

O analista afirma que o Brasil já dispõebetway copatecnologia eficiente para detectar o desmatamento, portanto ele não considera prioritário investirbetway copanovas técnicas.

Para ele, a ênfase deveria ser investirbetway coparecursos humanos, para investigar e desarticular quadrilhasbetway copagrileiros.

Além disso, Loss diz que "o Estado tembetway copatransmitir para a sociedade uma mensagem coesa e unívocabetway copaque o desmatamento ilegal vai ser punido".

"Na medidabetway copaque se transmite essa mensagem, a expectativa que move a grilagem tende a baixar."

A BBC News Brasil pediu à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), principal associação agropecuária brasileira, uma entrevista sobre a propostabetway copaIrajá. Em seu site, a organização defende a aprovação do projeto.

A assessoriabetway copaórgão respondeu solicitando que as perguntas fossem enviadas por escrito. A CNA, porém, não respondeu as questões.

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