De faxineiro a donoaposta ganha fiorentinalivraria: livreiro mais antigo do Rio deixa ofício após pandemia:aposta ganha fiorentina

"Já estava ruim. Quando entrou a pandemia, acabouaposta ganha fiorentinamatar", diz Germano.

Ele mesmo é um sobrevivente: passou 39 dias neste inícioaposta ganha fiorentinaano internado com 70% dos pulmões comprometidos pela covid-19, 11 delesaposta ganha fiorentinaum leitoaposta ganha fiorentinaUTI.

De volta à família, e reaprendendo aos poucos a andar, vive para contar a história da livraria, que vai ela mesma virar livro.

A livraria e os locais que não existem mais

Não se sabe a data ao certo, mas a Livraria São José foi criadaaposta ganha fiorentinaalgum momentoaposta ganha fiorentina1935, tendo sido registrada no Departamento Nacionalaposta ganha fiorentinaComércio apenasaposta ganha fiorentina1939, jáaposta ganha fiorentinaplena ditadura do Estado Novoaposta ganha fiorentinaGetúlio Vargas.

Seu primeiro endereço foi a Rua São José, no centro da capital fluminense.

"A Rua São José era a rua do centro do Rioaposta ganha fiorentinaJaneiro que arregimentava o maior númeroaposta ganha fiorentinasebos, como são chamadas as livrariasaposta ganha fiorentinalivros usados", conta Adriano Gomes Filho, pesquisador que está trabalhando na obra sobre a história da empresa.

"O lado ímpar da rua não existe mais. Foi todo demolido nos anos 1950, por conta das obrasaposta ganha fiorentinaremodelação do centro", acrescenta.

Em 1936, a livraria mudou do 35 para o número 38 da mesma rua, que seria seu endereço mais célebre. "Esse local também já não existe, foi demolido nos anos 1970."

A primeira tardeaposta ganha fiorentinaautógrafos do Brasil

A partiraposta ganha fiorentina1947, quando os empresários Carlos Ribeiro e Walter Alves da Cunha compraram a livraria, teria inícioaposta ganha fiorentinafase áurea.

No primeiro dos "Anos Dourados", como ficou conhecida a décadaaposta ganha fiorentina1950, alémaposta ganha fiorentinalivraria, a casa passou a ser também editora. Eaposta ganha fiorentina1954, Ribeiro trouxe uma inovação ao mercado editorial nacional: as tardesaposta ganha fiorentinaautógrafos com autores.

"Por incrível que pareça, até essa época, não existia o hábito no Brasilaposta ganha fiorentinaos escritores fazerem uma tarde ou noiteaposta ganha fiorentinaautógrafos. Havia um distanciamento entre a figura do escritor e o público", diz Gomes Filho, acrescentando que a novidade foi sugerida ao dono da livraria pela jornalista Eneidaaposta ganha fiorentinaMoraes, que participou desse tipoaposta ganha fiorentinaeventoaposta ganha fiorentinauma viagem a Paris, no pós-Segunda Guerra.

Eneida é descritaaposta ganha fiorentinaum artigo do jornal paraense O Liberal como "jornalista comunista e feminista", "vanguardista revolucionária na literatura, na política e no Carnaval".

A primeira das tardesaposta ganha fiorentinaautógrafos por ela inspiradas foi com Manuel Bandeira, que assinou exemplares daaposta ganha fiorentinaautobiografia Itinerárioaposta ganha fiorentinaPasárgada - nela, o poeta do Pneumotórax conclui, cotejando versos, "que a poesia é feitaaposta ganha fiorentinapequeninos nadas".

Festa Discos e a livraria como pontoaposta ganha fiorentinaencontro

As tardesaposta ganha fiorentinaautógrafos se tornaram frequentes, atraíram outros escritores e jornalistas, e levaram a São José às páginasaposta ganha fiorentinajornais e revistas.

Em 1956, Carlos Ribeiro se associou ao jornalista, escritor e tradutor Irineu Garcia e eles criaram juntos a gravadora Festa Discos, que passaria a lançar discosaposta ganha fiorentinapoesia,aposta ganha fiorentinaque os próprios autores declamavam seus versos.

O álbumaposta ganha fiorentinaestreia tinha Carlos Drummondaposta ganha fiorentinaAndradeaposta ganha fiorentinaum lado e Bandeira do outro. A coleção contou ainda com nomes como Paulo Mendesaposta ganha fiorentinaCampos, Viniciusaposta ganha fiorentinaMoraes, Cecília Meireles, Murilo Mendes, João Cabralaposta ganha fiorentinaMelo Neto e Pablo Neruda.

"Até 1955, a livraria mais importante do Rio era a José Olympio, que ficava na Rua do Ouvidor", conta Gomes Filho.

Pontoaposta ganha fiorentinaencontro dos intelectuais da época, a loja da editoraaposta ganha fiorentinamesmo nome fechou naquele ano, quando os proprietários do imóvel onde ela estava instalada interromperam o contratoaposta ganha fiorentinaaluguel para demolir o prédio e construir um novo.

"Quando houve o fechamento da José Olympio, a São José passou a ser a livraria mais importante do Rioaposta ganha fiorentinaJaneiro e, não é exagero nenhum dizer, a livraria mais importante do Brasil, por conta das tardesaposta ganha fiorentinaautógrafos, eventosaposta ganha fiorentinalançamento, da gravadora Festa e da ediçãoaposta ganha fiorentinalivros importantes", diz o pesquisador, acrescentando que, à época, o sucesso era tanto que a livraria se estendeu para os números 40 e 42 da Rua São José.

"Fora isso tudo, ela se tornou um pontoaposta ganha fiorentinaencontro", afirma.

"Por exemplo, o Drummond trabalhava no Ministério da Educação e Cultura no centro do Rio e, invariavelmente, na hora do almoço ou no final do dia, ele podia ser encontrado na São José", conta Gomes Filho, lembrando ainda que várias eleições da Academia Brasileiraaposta ganha fiorentinaLetras foram decididas ali.

Mas veio o Golpe Militaraposta ganha fiorentina1964

A épocaaposta ganha fiorentinaglórias da livraria chegaria ao fim com o golpe militaraposta ganha fiorentina1964.

Em 30aposta ganha fiorentinaabril daquele ano, um mês depoisaposta ganha fiorentinao presidente eleito João Goulart ser removido do cargo pelos militares, Carlos Ribeiro foi detido por agentes do Dops (Departamentoaposta ganha fiorentinaOrdem Política e Social) no interior da loja.

A prisão durou apenas uma noite, mas chamou atenção porque o livreiro não mantinha ligações com partidos ou grupos políticos organizados, nem editava obras políticas.

"Provavelmente foi uma formaaposta ganha fiorentinapressão dos militares, já que a São José era um dos mais importantes pontosaposta ganha fiorentinaencontroaposta ganha fiorentinaescritores, jornalistas e intelectuais, muitos delesaposta ganha fiorentinaesquerda e filiados ao PCB [Partido Comunista Brasileiro]", avalia Gomes Filho.

Após o golpe, essas reuniões se tornaram menos frequentes e passou a dominar o medo dos agentes infiltrados da Polícia do Exército, que andavam disfarçados pelos corredores da livraria, para ouvir a conversa dos simpatizantes da esquerda.

Em 1967,aposta ganha fiorentinameio a esse clima político pesado, também avança o processoaposta ganha fiorentinaespeculação imobiliária no centro do Rioaposta ganha fiorentinaJaneiro, e Ribeiro e seu sócio vendem os sobrados da Rua São José para uma construtora. Esses sobrados históricos foram demolidos, para dar lugar a um prédio comercial, que está lá até hoje.

A livraria se mudou para a Rua São José, 70, mas já não era a mesma,aposta ganha fiorentinameio ao avanço da repressão, da censura e com a edição do AI-5 (Ato Institucional nº 5), que endureceu o regime e tornou ainda mais difícil a convivência pública dos intelectuais.

De funcionários a donos

Em 1975, o sobrado da Rua São José foi novamente vendido, para a mesma empresaaposta ganha fiorentinaengenharia que levou ao chão seu endereço mais célebre. A livraria então se mudaria para um imóvel alugado, na Rua do Carmo, 61.

"O Carlos, que era livreiro na Rua São José desde 1921 - ele começou trabalhando na Livraria Quaresma -, com a mudança para a Rua do Carmo fica muito abatido, depressivo e triste", conta Gomes Filho. "E aí, a livraria volta a ser só sebo e entra num processoaposta ganha fiorentinadecadência."

As tardesaposta ganha fiorentinaautógrafo no centro deram lugar a noitesaposta ganha fiorentinaautógrafos nas livrarias da Zona Sul. E então Ribeiro, já muito doente, decidiu passar o negócio para trêsaposta ganha fiorentinaseus funcionários: Carlos Vieira, José Germano da Silva e Adelbino Espínola.

"Entrei na livrariaaposta ganha fiorentina1952, mas só fui registradoaposta ganha fiorentina1954, porqueaposta ganha fiorentina1952 eu não tinha idade para tirar Carteiraaposta ganha fiorentinaTrabalhoaposta ganha fiorentinaMenor", conta Germano.

O faxineiroaposta ganha fiorentina12 anos

Morador então da Pavuna, bairro da Zona Norte do Rio, distante cercaaposta ganha fiorentina30 km do centro, Germano perdeu o pai aos 5 anos. Seu padrasto era capatazaposta ganha fiorentinaum grileiro, tomando contaaposta ganha fiorentinaum canavial na região.

Contratado como faxineiro e entregador, o meninoaposta ganha fiorentina12 anos saíaaposta ganha fiorentinacasa às 4h da manhã, tomava o trem Maria Fumaça até a Praça da Bandeira, que atravessava para pegar o bonde até a Praça XV.

Germano virou Germano porque quando entrou para a Livraria São José, na Rua São José, já trabalhavam lá outros três Josés. "Quando o patrão gritava 'seu José', todo mundo respondia 'eu, eu'. Aí passei a ser Germano", conta o livreiro.

Ao fim da décadaaposta ganha fiorentina1960, o funcionário que entrou menino virou atendente do balcão. E, ao longo da década seguinte, tomou gosto pela seção jurídica, muito prestigiada devido à proximidade da livraria com o Fórumaposta ganha fiorentinaJustiça do Rio e a Faculdade Nacionalaposta ganha fiorentinaDireito da UFRJ (Universidade Federal do Rioaposta ganha fiorentinaJaneiro).

Entre os clientes famosos estiveram os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) José Carlos Moreira Alves, aposentadoaposta ganha fiorentina2003, e Luiz Fux.

Germano lembra ainda do juiz Eliézer Rosa, da 8a. Vara Criminal do Rio ("Primeiro que o criminoso, buscava no infrator o homem, que a este era mister recuperar e restituir ao convívio social", diz um textoaposta ganha fiorentinaelogio ao magistrado).

"Eu tinha amigos que diziam 'Poxa, Germano, você é formadoaposta ganha fiorentinadireito? Vejo você aí, conversando com juiz, com ministro, como se fosse um advogado'. Eu dizia 'não, é que gostoaposta ganha fiorentinaler as orelhas dos livros'", conta o livreiro, entre risos.

A luta contra o aluguel

Com a doençaaposta ganha fiorentinaCarlos Ribeiro, seus filhos decidiram se desfazer do negócio. Germano, Vieira e Adelbino se organizaram então para comprar a livraria. A venda foi feita por 1 milhãoaposta ganha fiorentinacruzeiros, com cada funcionário dando 150 milaposta ganha fiorentinaentrada, com dinheiro dos seus fundosaposta ganha fiorentinagarantia.

O restante foi pagoaposta ganha fiorentinasuaves prestações mensais a perderaposta ganha fiorentinavista.

Carlos Ribeiro morreuaposta ganha fiorentina1993, mas a São José permaneceu na Rua do Carmo, tocada por seus antigos funcionários, durante 30 anos. Em 2004, com o aumento do aluguel, a loja se mudou novamente, para um imóvel menor, na Rua Primeiroaposta ganha fiorentinaMarço, onde funcionou até 2014.

"Então, mais uma vez, veio a questão imobiliária", conta Gomes Filho. "O Rioaposta ganha fiorentinaJaneiro ficou muito caro, por causaaposta ganha fiorentinaCopa do Mundo,aposta ganha fiorentinaOlimpíada, tudo encareceu."

Último sócio remanescente da loja, Germano então se mudou para uma sala comercial, no quarto andaraposta ganha fiorentinaum edifício da Rua da Quitanda, contando com a venda online pelo site Estante Virtual.

"O movimentoaposta ganha fiorentinaloja é uma coisa, oaposta ganha fiorentinasala é outra. Quem é que vai saber que a livraria estava no quarto andar da Rua da Quitanda? Ninguém sabia, mesmo a gente botando no site, pagando anúncio", lamenta Germano.

"Começou a ficar ruim o negócio para mim, eu ia láaposta ganha fiorentinamanhã, ficava até umas 16h, era eu sozinho, não vendia nada. Só gastando, pagando aluguel. Aí eu disse à minha filha: 'Melhor a gente acabar com isso aqui e eu viver da aposentadoria, porque a livraria agora não está dando mais nada'."

E então veio a pandemia

O que já estava ruim, ficou ainda pior com a crise do coronavírus. "Eu não vendi mais nada. Durante 30 dias, eu não vendi um livro", conta Germano.

E então, no começo deste ano, o livreiro caiu doente, vítima do vírus. "Fiquei 39 dias internado, com 70% do meu pulmão tomado. Só no CTI, eu fiquei 11 dias, entre lá e cá", lembra. "Mas o homem láaposta ganha fiorentinacima disse: 'Não, ainda não está na horaaposta ganha fiorentinavocê vir para cá, vamos deixar você sofrer mais um pouco aí embaixo'. Então eu tive alta e vim para casa."

Enquanto Germano se recuperava, coube à filha vender o acervo restante e entregar a sala da Rua da Quitanda, pondo fim à históriaaposta ganha fiorentina85 anos da Livraria São José.

Para o pesquisador Adriano Gomes Filho, a história da Livraria São José foi uma históriaaposta ganha fiorentinasobrevivênciaaposta ganha fiorentinameio ao avanço da especulação imobiliária no Rioaposta ganha fiorentinaJaneiro.

"Em nenhum dos endereços onde ela funcionou, sobrou o prédio original. Foi tudo demolido", diz Gomes Filho. "Todas as mudançasaposta ganha fiorentinalocal da livraria foram relacionadas à especulação imobiliária ou ao aumento dos aluguéis. Foi assimaposta ganha fiorentina2004, quando ela sai da Rua do Carmo. Eaposta ganha fiorentina2014, quando o Rio se tornou impraticável, e ela foi reduzida a uma sala comercial."

"O fim da Livraria São José tem uma carga simbólica muito grande", avalia o pesquisador. "É o fim da última remanescente aqui no Rioaposta ganha fiorentinaJaneiro dessas livrarias mais tradicionais. E é uma pena, porque as novas gerações não têm ideia da importância que ela teve."

"Eu ia fazer quase 70 anosaposta ganha fiorentinaLivraria São José", lamenta Germano.

"Minha vida toda foi ali na livraria. Então eu tenho saudade. Mas não posso abaixar a cabeça, não. Tenho que ficar bem orgulhoso, porque o que eu fiz pela Livraria São José é coisa muito rara, entrar como faxineiro e chegar a dono da livraria. E uma livraria que era mundialmente famosa. Eu não vou dizer a você que eu não tenho saudade, claro que eu tenho."

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