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Carta dos economistas: ‘Mercado achava que Guedes seria Margaret Thatcher do Brasil, ficou claro que não', diz ex-ministro:
"Os mercados se encantaram com a ideiaque Paulo Guedes era o Posto Ipiranga", diz Nóbrega. "Um economistaformação adequada,visão liberal, até ultraliberal, agora com poderes dados pelo presidente para fazer o que fosse possível e necessário. Os mercados compraram essa lorota."
"Alguns mais entusiasmados acharam que o Paulo Guedes poderia ser a versão brasileira da Margaret Thatcher, e agora ficou claro que não é assim", afirma Nóbrega, citando a ex-primeira-ministra do Reino Unido, que ocupou o cargo entre 1979 e 1990, implantando diversas reformas liberais neste período.
"O que a gente viu, com o tempo, foi o Paulo Guedes sendo desmoralizado, desautorizado. Aí começa a descrença da tese, que todos [do mercado] aceitavam,que o Posto Ipiranga iria resolver os problemas do país."
A carta dos economistas
Publicada no domingo (21/3), com a notícia antecipada pelo colunista Merval Pereira, do jornal O Globo, a carta dos economistas reuniu inicialmente 200 assinaturas.
Aberta posteriormente para novas adesões, o documento já ultrapassava na terça-feira (23/3) as 1.500 assinaturas, ganhando o apoionomespeso, incluindo banqueiros, investidores e empresários, como Roberto Setúbal e Pedro Moreira Salles (Itaú), Jose Olympio Pereira (Credit Suisse), Armínio Fraga e Fabio Barbosa (Gávea Investimentos), Luís Stuhlberger (Verde Asset Management) e Horácio Lafer Piva (Klabin).
"Não é razoável esperar a recuperação da atividade econômicauma epidemia descontrolada", escrevem os signatários da carta, contrapondo o discurso do presidente Jair Bolsonaroque seriam as medidasdistanciamento social que estariam prejudicando a atividade econômica. "Não há mais tempo para perderdebates estéreis e notícias falsas."
Ainda conforme a missiva, "a vacinaçãomassa é condição para a recuperação econômica e redução dos óbitos" e "a necessidadeadotar um lockdown nacional ou regional deveria ser avaliada". Os economistas enfatizaram ainda a necessidade do auxílio emergencial para apoiar a população mais vulnerável durante a vigência das medidasdistanciamento social.
Cansaço com a 'inépcia do governo'
Segundo Mailson da Nóbrega, a união dos economistas, banqueiros e ex-ministrostorno da carta partiu da constatação "da incompetência do governobem conduzir as açõesresposta à crise sanitária da covid-19".
"As sugestões não têm nenhuma novidade", constata o ex-ministro. "Sugerir que se use máscara, que se busque comprar mais vacina, que se adote o distanciamento social. Portanto, a carta é um chamamento das pessoas, da sociedade, a fazer pressões", avalia.
Questionado sobre por que a mobilização ocorre somente agora, quando o país já conta quase 300 mil mortos pelo coronavírus, o economista afirma que "cada ação tem o seu tempo".
"Acho que as pessoas foram se cansando da inépcia do governo. Se cansando das campanhas contra medidascombate à pandemia", diz Nóbrega. "Aí um grupoeconomistas que já se reunia para discutir assuntosinteresse do país, inclusive sobre a covid-19 e o agravamento recente da crise, resolveu designar uma equipecinco deles [Marco Bonomo, Cláudio Frischtak, Sandra Rios, Paulo Ribeiro e Thomas Conti], que produziu essa carta."
O ex-ministro, no entanto, vê com descrença a possiblidadeo documento provocar uma mudança na atitudeBolsonaro. "Particularmente não vejo nenhuma chanceo presidente mudar o seu comportamento", diz Nóbrega.
As declarações do mandatário no próprio domingo, após a divulgação da carta, parecem corroborar a percepção do economista.
"Alguns no Brasil querem que eu decrete um lockdown, me chamamnegacionista outer um discurso agressivo. Respeitem a ciência, [lockdown] não deu certo. Não estou afrontando ninguém, estou seguindo a OMS. Não pode transformar os pobresmais pobres", disse Bolsonaro, contrariando estudos diversos e a experiência internacional, que apontam o lockdown como uma medida efetiva para redução do númerocasos e mortes pela covid-19.
'Auxílio emergencialR$ 250 é adequado'
Apesarnão medir palavras para criticar Bolsonaro, o ex-ministro da Fazenda é bem menos duro quando avalia a atuação do ministro da Economia na pandemia.
"Paulo Guedes tem tido uma atitude minimamente responsável. É um dos pouco ministros do Bolsonaro que usam máscara. E tem repetido a importância da vacinaçãomassa", afirma.
"A crítica dos economistas não se refere à condução da economia, mas à condução irresponsável, incompetente, das ações para combater a covid", avalia. "A percepção que busca-se alertar é que não há possibilidaderecuperação da economia,sair da recessão, sem ações para evitar o descontrole da pandemia que agora se observatodo o país."
Para Nóbrega, não era papel da pasta da Economia ter uma atuação mais enfática na compra das vacinas pelo governo. "Claro, o ministro poderia ter aconselhado como uma visão pessoal. Mas, normalmente, isso não é função do Ministério da Economia", afirma.
O ex-ministro também considera acertada a redução do auxílio emergencialR$ 6002020, para um valor médioR$ 2502021.
"Há vários estudos mostrando que o valorR$ 600, embora seja relativamente baixo, parece ter sido excessivo para grande parte dos beneficiários", diz Nóbrega. "O Brasil gastou 7% a 8% do PIB [com o pagamento do benefício emergencial2020], o que indica que foi um gasto excessivo. Portanto, o auxílio médioR$ 250 que foi aprovado me parece adequado."
'BC acertousubir juros e hiperinflação não volta'
O economista também avalia que o Banco Central acertou ao subir a taxa básicajuros0,75 ponto percentual na última reunião do Copom (ComitêPolítica Monetária), mesmo com a atividade econômica ainda patinando.
"Quando se lê a ata do Copom, a declaração do dia da reunião, se vê que os 75 pontos foram adequados, porque o objetivo do Banco Central é evitar o contágio da inflação2022 pela inflação atual. E ele está conseguindo isso."
Nóbrega, que foi ministro durante o período da hiperinflação do fim dos anos 1980, descarta o retorno do descontrole inflacionário no país.
"O Plano Real venceu definitivamente o processo inflacionário brasileiro. Nós estamos, desde 1994, completando agora 27 anosestabilidade", afirma. "Nesse período, o país desenvolveu instituições que permitem um maior controle da inflação. Criamos o ComitêPolítica Monetária. Utilizamos um métodobuscar o cumprimento da metainflação, importando as melhores técnicas nesse sentido. Portanto acho que o Brasil não corre o riscocair no processo hiperinflacionário nos próximos anos, talvez próximas décadas."
Para o economista, a alta da inflação atual é resultadouma combinação da desvalorização do real, frutouma percepçãodeterioração das contas públicas, com o aumento generalizado dos preços das commodities, resultado da recuperação da China e do mundo.
Nesse cenário, o ex-ministro critica as ações intervencionistasBolsonaro, na tentativaconter o aumentopreços.
"Isso reflete um despreparo do presidente para entender certos fenômenos econômicos e o fatoele só pensar nareeleição", avalia Nóbrega.
"A intervenção dele na Petrobras, que não foi diferente da adotada no governo Dilma, teve por objetivo evitar um aumento do diesel e, com isso, a perdaapoio dos caminhoneiros. Uma ação caótica, irresponsável até,um certo modo."
Guedes atua como 'animadorauditório'
Neste mêsmarço, marcado por sucessivos recordes diáriosmortes pelo coronavírus, pelo colapso das UTIs (unidadesterapia intensiva)todo o país e pelo temoriminente esgotamento dos medicamentos necessários para intubaçãopacientes graves, o ministro Paulo Guedes voltou a dar declarações aparentemente desconectadas da realidade do país.
Durante evento no Congresso no dia 11março, disse que "a economia voltouV e está começando a decolarnovo". Euma live no dia seguinte, afirmou que o "Brasil vai ser a maior fronteirainvestimentos2021".
Em novembro2020, quando vários especialistas já alertavam para uma provável piora da pandemia após as festasfimano, o secretárioPolítica Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, disse que considerava "baixíssima" a probabilidadeuma segunda onda do coronavírus no país.
"Vários estados já atingiram ou estão próximosatingir imunidaderebanho", disse Sachsida. "Acho baixíssima a probabilidadesegunda onda. Não apenas isso. Acho que os dados que temos mostram algo concreto, que é a força da retomada econômica."
Questionado se a faltaum diagnóstico objetivo da equipe econômica sobre a situação do Brasil é um problema, Nóbrega avalia que "a equipe é competente o suficiente para fazer bons diagnósticos".
"Acredito que eles tenham bons diagnósticos. O que difere disso é a ação que o ministro Paulo Guedes adota, vez por outra, assumindo [o papel de] uma espécieanimadorauditório. Aquele sujeito que chama todos a serem otimistas, que as coisas vão dar certo", observa.
"Isso tem alguma valiaalguns momentos, mas não como ação sistemática. Porque o ministro começa a se desmoralizar quando suas projeções otimistas não se confirmam", avalia.
"Quem não se lembra da promessaobter R$ 1 trilhãoreceitas com a privatização das empresas estatais, R$ 1 trilhão com a vendaimóveis do patrimônio da União. Da ideiaque a economia estava decolando, que era uma recuperaçãoV. Nada disso se confirmou. Mas o ministro continua achando que ele tem esse papel. E aí, não tem o que fazer."
Apesar da debandadaauxiliares e dos constantes questionamentos sobre a continuidadeGuedes no governo, Mailson da Nóbrega aposta que o ministro fica.
"Acho que ele vai continuar, essa é a tendência. Em outras circunstâncias, quem estivesse no lugar dele já teria pedido demissão. Pela desautorização do presidente, pelos reveses que ele tem sofrido. Mas o ministro parece incorporar a ideiamissão. Ele tem a missão'salvar o país dos socialdemocratas', como ele fala."
"Ao decidir ficar no governo, ele começa a se submeter a baixar a cabeça às pressões do presidente", avalia Nóbrega. "Eu diria que hoje manda mais o presidente do que o Posto Ipiranga na economia."
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