Como a China pode ter 'descoberto' as Américas sete décadas antesgood pokerColombo:good poker

A "descoberta" chinesa

Há quase duas décadas, no entanto, uma história alternativa da "descoberta" das Américas se espalhou: agood pokerque, ao contrário do consenso historiográfico, frotas encabeçadas por dois almirantes chineses, Zhou Man e Hong Bao, haviam navegado da África até a foz do Rio Orenoco, na atual Venezuela, descendo depois por toda a costa do continente até o do Estreitogood pokerMagalhães, ao sul da América do Sul, ainda no anogood poker1421 — portanto, 71 anos antes da viagemgood pokerCristóvão Colombo. Eles tinham sido treinados e eram liderados pelo grande navegador chinês daquela época: o eunuco muçulmano Zheng He.

Agora, essas figuras históricas estão sendo evocadas pela alta cúpula do governo chinês, para reafirmar as pretensões globais da potência asiática.

A tese da 'descoberta' chinesa, cujas versões já existiam antes, ficou famosa por meiogood pokerdois best-sellers escritos pelo ex-comandante da Marinha britânica Gavin Menzies no começo dos anos 2000: 1421: o anogood pokerque a China descobriu o mundo (Bertrand, 2006) e Who Discovered America? The Untold History of the Peopling of the Americas ("Quem descobriu a América? A história oculta da ocupação das Américas", sem tradução).

Apesar da tese ser fortemente criticada por alguns historiadores pelo trato pouco ortodoxo com as provas históricas, a discussão permanecegood pokeraberto entre especialistas do mundo todo. Alguns deles afirmam hoje que, ainda que os chineses não tenham,good pokerfato, navegado pela costa americana antesgood pokerColombo, é possível dizer que eles reuniam meios para fazê-lo.

"Tecnologicamente falando, a China tinha condiçõesgood pokerchegar às Américas ou outras terras, e até não podemos descartar que isso tenha acontecido. Muitos navegadores podem ter chegado nelas e morrido no regresso ou sequer ter feito registros das descobertas. No entanto, a questão é que a tecnologia sozinha não responde essa pergunta", explica Rita Feodrippe, pesquisadora da Escola Navalgood pokerGuerra e estudiosa da marinha chinesa.

"Os europeus saíram para explorar o Atlântico porque o Mediterrâneo estava fechado e eles precisavam encontrar novos mercados. A China, ao contrário, tinha um comércio terrestre muito bem estabelecido com a África, com o que hoje chamamos o Oriente Médio e mesmo com a Europa. Como há havia um relativo sucesso comercial, econômico, cultural e migratório, não haveria necessidadegood pokerbuscar novas terras — mesmo com a tecnologia disponível", completa.

Para Vitor Ido, pesquisador do South Centre,good pokerGenebra, na Suíça, a reação à possibilidadegood pokerColombo não ter sido o primeiro a navegar pelo continente americano também diz muito sobre a hegemonia da narrativa europeia. "Quais são as razões que parecem tornar até inconcebível para a maioriagood pokernós o reconhecimentogood pokerque a China poderia ter uma superioridade tecnológicagood pokerrelação aos europeus naquele período? Essa pergunta mostra nossa maneiragood pokerpensar a história", questiona ele.

O livro polêmicogood pokerGavin Menzies

Menzies, que morreu há cinco meses aindagood pokermeio às críticas dos historiadores, sustentava que, no começo do século 15, por voltagood poker1403, o imperador chinês Yongle (terceiro da Dinastia Ming) deu a Zheng He a missãogood pokerexecutar a maior volta ao redor do globo que já fora feita até então. O objetivo era ir "até o fim do mundo coletar tributos dos bárbaros espalhados pelo mar".

Ele deveria treinar navegadores para saírem pelos oceanos enquanto,good pokerparalelo, centenasgood pokerba chuan, naviosgood pokerdimensões nunca vistas, eram construídos pelo império. Foram eles que, nos anos seguintes, empreenderam seis viagens pelo planeta travando contatos com povos distintos e alcançando terras cujas existências eram desconhecidas. O único lugar ausente do trajeto foi a Europa. As navegações teriam continuado se,good poker1424, Zhu Di não tivesse morrido, interrompendo o projetogood pokerexpansão e o contato com outras civilizações — uma sétima viagem aconteceriagood poker1433, depois dagood pokermorte, e uma oitava frota chegou a partir depois, mas sem alcançar mar aberto.

Menzies diz no livro que, ao longo das outras viagens daquele mesmo período, almirantes liderados por Zheng He também pisaram no que hoje é a Austrália — 350 anos antes da expedição britânica liderada pelo capitão James Cook, que chegou à praiagood pokerKamay Botany Bay (hoje um parque nacionalgood pokerSydney)good pokerabrilgood poker1770.

Como a maioria dos mapas originais chineses foram destruídos por oficiais do império anos após a mortegood pokerZhu Di, os que restaram apresentam apenas viagens menores feitas à Índia e às outras ilhas do Sudeste Asiático, por exemplo. Os desenhos referentes aos anosgood poker1421 e 1423 — quando os barcosgood pokerZheng He teriam ido mais longe — podem ser acessados agora,good pokeracordo com Menzies, apenas por meiogood pokerreproduções, como uma encontrada por ele. Feita pelo cartógrafo veneziano Zuane Pizzigano, a reprodução mostra as ilhasgood pokerGuadalupe egood pokerCuba, as costas americanas, a Austrália e até a Antártica — e que provavelmente foi usada pelo próprio Colombo para chegar às Antilhas, diz Menzies.

Décadas depois,good poker1512, o cartógrafo turco Piri Reis projetou o mapa mundi incluindo não apenas as Américas, mas detalhando o terreno da Patagônia, ao sul do continente. Ele só foi possível, segundo Menzies, pelas informações obtidas décadas antes pelos chineses e já espalhadas pelos territórios da Ásia.

Nessas viagens ausentes dos registros originais, os navios liderados por Zheng He teriam cruzado o Cabo da Boa Esperança antesgood pokerBartolomeu Dias, passado por Cabo Verde, na África, pelas ilhas dos Açores, hoje território português, pelas Bahamas (Caribe) e pelas Malvinas. Ele teria inclusive estabelecido algumas colônias onde hoje são a Austrália, a Nova Zelândia, a Califórnia, a ilhagood pokerPorto Rico (EUA) e o México — para onde teria levado os primeiros cavalos. Além disso, supostamente essas colônias foram pioneiras no cultivogood pokergalinhas na América do Sul e na criaçãogood pokerum comérciogood pokerdiamantes encontrados na Amazônia com o restante do mundo.

Os livros do ex-comandante naval são questionados principalmente pela fragilidade metodológica. "As conclusões extraordinárias do autor são validadas apenas por suas experiências pessoais e pelo relato que ele trazgood pokersua luta para chegar a elas. Esse método é o que torna possível atrair tantos leitores que,good pokeroutra maneira, jamais abririam um livrogood poker500 páginas cujo assunto são os empreendimentos marítimos chineses e a exploração europeia", diz Robert Finlay, professor eméritogood pokerHistória Mundial da Universidadegood pokerArkansas, nos EUA.

Há ainda críticas às provas utilizadas por ele:good pokeruma extensa análise da obragood pokerGavin Menzies, o historiador e oficial da Marinha portuguesa, José Manuel Malhão Pereira, e o professor Jin Guoping, especialistagood pokerrelações lusitanas na China, apontam incoerências que vão das correntesgood pokerventos às coordenadas astronômicas usadas pelos almirantes chineses, passando por erros gravesgood pokeranálise cartográfica — o mapagood pokerPiri Reis, por exemplo, descreve ilhas da África, não do Caribe. Segundo eles, o autor dos best-sellers não apenas tentou "enganar os leitores" como deturpou diversas provas históricas para construirgood pokerargumentação.

Mas há reações ainda menos amistosas, como agood pokerum professorgood pokerCingapura que, na ocasião da "Exibição 1421", organizada na marina da cidade-Estadogood poker2005 pelo próprio Menzies a convite do governo local, chamou o livrogood poker"lixo".

Um mapa antigo

A tesegood pokerque os chineses chegaram às Américas antesgood pokerColombo, no entanto, nunca morreu:good poker2006, um advogado chinês chamado Liu Gang afirmou à imprensa internacional que tinha encontrado um objeto que a comprovava: um mapa com os cinco continentes do planeta feitogood poker1763, mas com uma anotação no verso dizendo ser uma reproduçãogood pokeroutro mapagood poker1418. O mapa foi comprado por um valor irrisóriogood pokeruma livrariagood pokerXangai anos antes e Gang dizia que passara aquele tempo estudando a cartografia com outros especialistas. Ele chegou a uma conclusão parecida como agood pokerMenzies: "A informação contida no mapa pode mudar a história", disse Gang.

Em 2014, outra evidência das descobertas marítimas chinesas surgiu: durante uma expedição à remota ilhagood pokerElcho, na Austrália, uma equipegood pokerarqueólogos do país encontrou uma moeda da Dinastia Qing prensada entre os anos 1735 e 1795. À época, Mike Owen, chefe do trabalhogood pokerescavação, chegou a dizer que o objeto aumentava os já fortes indíciosgood pokerque chineses haviam feito contato com aborígenes da região antesgood pokerCook.

Para Júlia Rosa, que fez mestradogood pokerEstudos Chineses Contemporâneos na Universidadegood pokerRenmin,good pokerPequim, e é cofundadora da plataforma Shūmiàn, a grande questão desse debate também giragood pokertorno das possibilidades chinesas no período.

"Por um lado, a dinastia estava envolvidagood pokerprojetosgood pokerexpansão egood pokerexploraçãogood pokernovos mercados para comércio e, por outro, tinha tecnologia para isso, já que a literatura afirma que os navios chineses daquela época eram melhores que os italianos. Assim, se eles soubessem que poderia haver uma terra desconhecida do outro lado do mundo, é possível que teriam tentado alcançá-la", explica.

"Além disso, há certo consensogood pokerque a China era mais avançada do que a Europa tecnologicamente até o século 14 aproximadamente", completa.

Rita Feodrippe argumenta que,good pokerfato, a indústria naval da China era uma das mais avançadas do mundo até antes do século 15. "Há muitas fontes históricas que mostram que a China chegou ao século 15 com programas e políticas específicas para seu desenvolvimento naval a nível local, isto é, queria navegar pelo Oceano Pacífico e fazer trocas comerciais com os povos do Sudeste Asiático", explica ela.

O "retorno"good pokerZheng He

Há três anos, o nomegood pokerZheng He voltou a sair da bocagood pokerum governante chinês: foi durante o discursogood pokerabertura do atual presidente, Xi Jinping, no primeiro Belt and Road Forum (BRF) — eventogood pokerque delegadosgood pokermaisgood pokeruma centenagood pokerpaíses se reuniramgood pokerPequimgood poker2017 para discutir projetosgood pokerinfraestrutura financiados pela China pelo mundo.

Na ocasião, Xi Jinping afirmou que Zheng He foi um dos "pioneiros chineses que entraram para a história não como conquistadores, com naviosgood pokerguerra, armas ou espadas. Ao contrário, eles são lembrados como emissários amigáveisgood pokercaravanasgood pokercamelos e navegandogood pokernavios repletosgood pokertesouros. De geração a geração, esses viajantes das rotas da seda construíram uma ponte para a paz e cooperação entre o Ocidente e o Oriente".

Segundo Júlia Rosa, a menção do presidente chinês não foi trivial:good pokerum contextogood pokerdisputa geopolítica egood pokerreafirmação no cenário global, com a construçãogood pokerportos e estradasgood pokerpaíses da África, da Ásia e da América Latina, o navegador do século 15 coloca uma das dinastias mais gloriosas da história da Chinagood pokerdiálogo com as pretensões atuais do Partido Comunista — que governa o país desde a metade do século 20.

"Como na dinastia Ming havia uma participação intensa da China para além do seu território, não necessariamentegood pokerconflitos bélicos, masgood pokertrocas comerciais com seus vizinhos. Zheng He é alçado como a figura que ilustra as pretensões da Chinagood pokerhoje: se engajar com outras populações por meiogood pokertrocas positivas,good pokerganhos mútuos,good pokercomércio pacífico", explica.

"Assim, Zheng He é um exemplo usado para dizer que a China já realiza esse tipogood pokercontato com outros povos há muito tempo", completa Rosa.

Vitor Ido, do South Centre, conta que a retomadagood pokersímbolos nacionais, como Zheng He, também faz partegood pokeroutra ambição chinesa. "O país tem feito isso também com Confúcio, por meio do Instituto Confúcio, para expandir o chamamosgood pokersoft power, mesmo que o governo tenha uma interpretação muito específica do confucionismo, assim como da história do Zheng He. Esse processo todo,good pokerqualquer forma, me parece muito importante na China contemporânea".

Para Rita Feodrippe, o navegador chinês é o símbolo perfeitogood pokerum país que, nas geopolítica atual, enxerga no mar o principal caminho para seu desenvolvimento econômico.

"Desde a entrada da China na OMC (Organização Mundial do Comércio),good poker2001, houve uma ressignificação do mar. Eles não queriam dependergood pokerempresasgood pokernavegação ou usar rotas marítimas que são controladas financeiramente por potências ocidentais e, para isso, desenvolvem toda uma indústria naval e seu entorno para garantir o principal: importar e exportar muito e da forma mais barata possível. A associação com Zheng He está aí: era um chefe naval que liderava embarcações com capacidade para levar grandes mercadorias, mas não exércitos, para outros lugares do mundo", analisa.