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'É assustador: tem um movimento contra uma vacina que nem existe ainda', diz Miguel Nicolelis:
Em conversa com a BBC News Brasil, realizada por telefone na última sexta-feira (4/9), o cientista falou sobre a nova obra, comentou sobre discursos negacionistas atuais, reafirmou a importânciaseu projeto com os exoesqueletos e disse que, pela primeira vez na vida, não assistiu a um jogofutebol que terminou com seu Palmeiras campeão — ele é fanático torcedor.
BBC News Brasil - Comecemos pelo seu novo livro: como explicarforma simples o poder do cérebro humano?
Miguel Nicolelis - O cérebro humano na verdade é o centrotoda a cosmologia humana, a única ferramenta disponível ao ser humano para construir uma interpretação da realidade.
Toda a história da nossa civilização é totalmente dependente do tipobiologia que rege o funcionamento do cérebro, porque foi essa biologia que deu origem às decisões e interpretações da realidade.
É atravésnosso cérebro que a nossa espécie interpreta o universo, tudo o que existe ao redor e cria a narrativa do que é o mundo e o que envolve a nossa existência.
A partir do cérebro humano foram criadas as abstrações humanasalta complexidade, as religiões, os mitos, os sistemas políticos e econômicos que definiram a trajetórianossa espécie — e tudo o que foi determinante para o bem e para o mal depende, dependeu e vai dependercomo nosso cérebro funciona. É ele que rege essa produçãoabstrações mentais que se transformaramcoisas mais importantes do que a própria vida humana.
BBC News Brasil - Como vimos durante a pandemia…
Nicolelis - Como vimos durante a pandemia, quando as pessoas passaram a falar que a gente precisa defender a economiaprimeiro lugar. Mas o que é a economia? A economia é um sistematrocarelações sociais estabelecidas pela mente humana para agilizar nossa capacidadeviver. Mas se estivermos mortos, as abelhas e os elefantes não têm um sistema econômico. Só nós criamos algo assim.
BBC News Brasil - Essa inversãovalores é culpa do cérebro humano?
Nicolelis - É culpa do fatoque o cérebro humano tem várias fragilidades. E uma delas é a fraquezaser facilmente sincronizado com outras mentes humanas, com outros indivíduos, por meio dessas abstrações que eu chamovírus.
O cérebro é um criadoruniversos. Para quem é religioso, o cérebro criou divindades e disseminou mensagens para milhõespessoas para quem essas divindades estão acima da vida humana. Um número muito grandeseres humanos, mais90%, passou a aceitar isso como verdade absoluta. É o mesmo com o culto dos mercados, o deus dinheiro.
Para as pessoas que fazem parte dessa redecérebros, o culto ao dinheiro é mais relevante do que a sobrevivência da espécie. Daí surge esse fenômeno da criatura que começa a devorar o criador.
BBC News Brasil - Em seu livro você aborda as implicações do mundo digital sobre nossos cérebros. Estamos nos tornando mais burros?
Nicolelis - [Este mundo] está certamente esculpindo o nosso cérebro, porque passou a ser um elemento primordial no processoevoluçãonossa mente. O cérebro é plástico, quer dizer que ele se autorremodela continuamente. Imagina você desde a infância imerso na lógica digital, que não é a lógicafuncionamentonosso cérebro — nosso cérebro é analógico.
O digital tem grande dificuldadereproduzir o analógico. Nossa imersão no mundo digital e o fatoque, para você ter recompensas e estímulos digitais, você temjogar o jogo digital, estar nas redes sociais, ter um microcomputador ou um tablet, tudo isso está ligado a essa lógica digital.
Nosso cérebro está interpretando issoque maneira? Opa, o modo antigojogar não está mais dando certo, preciso me adaptar. Isso significa reduzir ou, no limite, eliminar atributos da mente humana que foram importantes para a gente chegar onde a gente chegou: empatia humana, intuição, criatividade, pensar fora da caixa, inteligência.
Tudo isso está sendo atrofiado, com a nossa capacidaderelacionamento socialalta escala,detrimentonossos comportamentos robóticos artificiais.
BBC News Brasil - É um achatamento do cérebro?
Nicolelis - Eu chamariaremodelagem.
BBC News Brasil - Essa remodelagem está se acelerandoum tempo como o atual, quando a pandemia precipitou uma sériemudanças no dia a dia, naturalizando reuniões online, teletrabalho e uma vida 100% conectada?
Nicolelis - As empresas estão economizando luz, espaço físico, aluguel, internet… Olha o que aconteceu: as pessoas estão ficandoum grauansiedade,angústia,tensão.
Elas estão trabalhando mais do que trabalhavam, não têm mais o convívio humano que é fundamental — porque nós somos animais sociais por excelência, construímos a nossa civilização por causa da extrema facilidadetecer relações sociais.
Nós só sobrevivemos porque aprendemos a caçargrupo, eu digo isso no livro. Mas aí o sujeito temtrabalhar enquanto cuida dos filhos, da casa, paga a luz, a internet, o aluguel. Todo o ônus do trabalho. Os meiosprodução não são mais o foco, o grande embate é sobre informação e conhecimento.
E quem dominar a informação e o conhecimento vai dominar a espécie humana. Quem dominar como esses apps são criados, quem estiver por trás do desenho deles, vai impor sistemascontrole à humanidade nunca antes conseguidos. Hoje nossa vida não está sendo só monitorada, ela está sendo guiada — e a vasta maioria dos seres humanos não se dá conta disso.
BBC News Brasil - Como ocorre esse monitoramento?
Nicolelis - Somos provedoresgraçanossos dados comportamentais para grandes empresas do Vale do Silício usarem esses troços para estudarem as melhores formasmarketing.
Eles pegam da gente as coisas grátis e vendem informações comportamentais humanas. Por que o [aplicativowebconferências] Zoom subiu? Porque ele coletou a maior quantidadeinformação humana,interações humanas, nesse tempopandemia. Facebook, Twitter, Instagram, todos coletam [informações]. Você compra um livro na Amazon e,repente, chegam sugestões50 livros.
BBC News Brasil - Voltando à questão da covid-19, como é seu envolvimento no Consórcio Nordeste?
Nicolelis - As pessoas não sabem, mas eu comecei minha carreira na USP [UniversidadeSão Paulo] estudando dados epidemiológicosum bactéria, devido a uma resistência a múltiplos antibióticos que começou a explodir no Hospital das Clínicas.
Durante quatro anos [a partir1982] eu produzi vários trabalhos mostrando como bactérias trocavam pedaços, padrõesresistência a múltiplos antibióticos pelas diferentes UTIs do HC. Isso é extremamente irônico. Tantos anos depois eu comecei a reler meus trabalhos para lembrartodas as ferramentas que eu utilizei na época, e agora estudar a covid.
BBC News Brasil - Essa tem sidorotina desde março?
Nicolelis - Minha salaestar virou o QG do comitê [científico]. Mas as reuniões são todas online. Eu não recebi ninguém aqui, faz seis meses que ninguém vem aqui. Fui no jogo do Palmeiras [3 a 1 contra o Guaraní do Paraguai, pela primeira fase da Copa Libertadores, no Allianz Parque] e aí no dia 12 acabou a festa.
Quando tomamos posse [do comitê] no começoabril, criamos nove subcomitês temáticos e uma salasituação virtual para monitorar toda a epidemia. Como a gente sabiacara que o Brasil não ia ter capacidadetestagem, adotamos um aplicativo chamado Monitora covid-19, que estava sendo finalizado pelo governo da Bahia.
Por meio dele, as pessoas podem autorreferenciar os sintomas, e aquelas classificadas como tendo alto riscocovid passaram a receber consultas por telemedicina, podendo ser encaminhadas a um hospital ou UPA, ou serem orientadas a fazer isolamentocasa. Já passamos250 mil downloads do app e mais160 mil consultas por telemedicina foram realizadas. Isso foi decisivo, salvou muitas vidas. Passamos a sugerir toda a sortemedidas.
Não temos poder operacional, mas a gente faz sugestões e recomendações, publicamos boletins. As maiores recomendações foram lockdownscidades e criaçãobrigadas emergenciaissaúde.
BBC News Brasil - Como funcionam essas brigadas?
Nicolelis - São gruposagentessaúde que passaram a ir nas casas e locaistrabalho para quebrar a transmissão do vírus lá. Elas examinam, testam e decidem se as pessoas precisam se isolar. Você não consegue quebrar a transmissãohospital,leitoUTI.
Claro que temter UTI, mas essa não pode ser a única estratégia como o Brasil fez. Temir a campo. (...)
BBC News Brasil - Como você vê o negacionismo científico aflorado por essa pandemia, muitas vezes até endossado pelo presidente da República — seja não utilizando máscaraspúblico, seja não reconhecendo a necessidadeque todos se vacinem, seja menosprezando a letalidade do coronavírus?
Nicolelis - É assustador. O negacionismo científico está conosco há muito tempo. Não foi à toa que [o astrônomo polonês Nicolau] Copérnico só publicouteoria [o heliocentrismo] três dias antesmorrer [em 1543]. Ele sabia que na hora que aquilo saísse ele estaria frito.
Mas [o negacionismo] se propagou rapidamente nos Estados Unidos nos últimos anos, e como sempre nós importamos tudo aquilo que não presta para o Brasil. E agora está assustador porque tem um movimento contra uma vacina que nem existe ainda.
Curiosamente, a gente ouviu nos últimos dias o inominável presidente [em uma referência a Jair Bolsonaro] alegar que é uma coisa espontânea, decisão pessoal [se vacinar ou não], isso quando estamos no meiouma pandemia que daqui a pouco vai matar um milhãopessoas no mundo.
É assustador, e não se trata só do presidente falando isso, hoje tem até secretárioSaúde, não do governo federal, tem médico falando um absurdo desses.
BBC News Brasil - É difícil ser cientista no Brasil?
Nicolelis - Quando eu comecei, ser cientista era basicamente ser o nonsense, um cara sem sentido, ignorado. A única imagem que se tinha era aHollywood, um cara louco. Quando eu fui embora (do Brasil),1989, cientista era uma coisa como que não fede e não cheira.
Masrepente o Brasil teve uma renascença científica com os investimentos nas universidades federais retomando2003, o programa Ciência sem Fronteiras… O que aconteceu com a pandemia? De repente cientistastodas as partes começaram a aparecertudo que é lugar na mídia.
E o Brasil tomou um choque: nós temos cientistas. Mas a relação ainda é ambígua. Como o conhecimento científico básico da sociedade brasileira é pequeno, os cientistas ainda são vistos com certo ardesconfiança. Mas no cômpito geral, neste momento, a ciência e a saúde pública saíram do fundo do quintal e são vistos como as únicas esperanças para sair desta condição.
BBC News Brasil - Como deve ser a relação da política com a ciência — e vice-versa?
Nicolelis - No Brasil e no mundo todo ela é tensa, sempre foi tensa. Veja o que aconteceu nos Estados Unidos. O Dr. [Anthony] Fauci [chefe do Instituto NacionalAlergia e Doenças Infecciosas] primeiro se transformouherói nacional. Mas quando ele começou a falar coisas que iam contra a experiência política do [presidente Donald] Trump, ele basicamente foi afastado da linhafrente, sumiu, não dá mais entrevistas para as grandes TVs americanas.
Foi criada uma tensão do que a ciência preconiza e do que a experiência política deseja. Isso é bem diferente da Alemanha, onde o cientista-chefe do Instituto Robert Koch diz que vai dormir e acorda com a [chanceler federal] Angela Merkel ao telefone.
E ela o ouve. No Brasil, essa relaçãoaconselhamento científico com a classe política, dirigentes e gestores públicos não é tradição. Aqui isso nunca ocorreu. Então os políticos não têm experiênciadialogar com cientistas e vice-versa.
E uma relação sendo construída, um namoro que ainda não virou noivado. Por isso fiquei surpreso quando os nove governadores do Nordeste decidiram criar esse comitê e o fatoque, seis meses depois, ainda estamos aqui. Mas não é fácil, evidentemente, porque a experiência política sempre tem prioridade. Só que quando a política batefrente com a biologia, a biologia ganhagoleada. Repito isso sempre. Às vezes funciona, mas nem sempre é trivial convencer um gestorque certas coisas têmser feitas.
BBC News Brasil - Na abertura da Copa2014, o pontapé inicial foi dado por um pacienteseu projeto mais conhecido. O chute foi dado por um paraplégico utilizando um exoesqueleto controlado pelo cérebro dele. Houve muita repercussão e não foram poucas as críticas da importância do projeto…
Nicolelis - No Brasil teve gente indo para cimamim,nossa equipe, dizendo "que isso, gastar dinheiro para fazer paraplégico andar, isso é prioridade? Não é melhor dar cadeirarodas para todo mundo". E eu pensando: não acredito.
Na China, os caras mostraram que a audiência do chute na Copa atingiu 1,2 bilhãopessoas no mundo. É a maior audiênciademonstração públicaciência da história. O pouso na LuaNeil Armstrong atingiu 400 milhõespessoas.
BBC News Brasil - As pesquisas continuam?
Nicolelis - Fizemos a demonstração2014 e continuamos a seguir os pacientes. Um mês depois tivemos a feliz surpresadocumentar que eles estavam começando a ter uma recuperação neurológica nunca antes documentada, readquirindo sensibilidade nos membros inferiores abaixo da lesão.
De repente começaram a relatar a voltasensibilidade nas pernas,controle na bexiga, movimentosmúsculos mesmo na perna como um todo.
Movimentos voluntários controlados pela mente delas, sugerindo que o treinamento que a gente tinha feito por seis meses com interface cérebro-máquina estava produzindo uma reorganização do cérebro e permitindo que o cérebro encontrasse caminhos alternativos pra mandar sinaiscontrole motor para baixo dos membros para eles se moverem e recebessem sinais vindo da periferia. Porquetoda lesão medular, (ou) na vasta maioria delas, do pontovista anatômico, a pessoa não perde todos os nervos. Você tem uma fração pequena que sobra conectado.
Mantivemos o treinamento até o final2018, publicamos uma sérietrabalhos. No ano passado publicamos outro artigo mostrando que três pacientes não precisavam mais do exoesqueleto, apenas o apoiouma descarga elétrica na superfície da pele e o apoioum suporte [como um andador para idosos] e espero nas próximas semanas termos mais novidades.
BBC News Brasil - Então o projeto prossegue?
Nicolelis - Acabou oficialmente no que tange à parte brasileira porque acabou o financiamento. E não houve como buscar mais. Acabou oficialmentedezembro2018. Mas temos montanhasdados e laboratórios implementando nosso método ao redor do mundo. Então posso dizer que aquele chute2014 foi o pontapé inicialverdade. As pessoas não tinham a dimensão.
BBC News Brasil - E o Palmeiras? Como está acompanhar o futebol nesses tempospandemia e estádios vazios?
Nicolelis - A coisa está crítica, está muito ruim. Eu não tenho seguido o futebol porque acho um absurdo a gente estar jogando bola. Não era para ter jogo.
O título [do Campeonato Paulista, decidido8agosto] pela primeira vez eu não viminha vida. Neste ano eu ignorei completamente. Mas o fatoter ganho, contra o Corinthians, não me perturbou. Só que não devia estar tendo futeboljeito nenhum, é ridículo o que estamos fazendo. Não vejo graça. Não tenho nenhuma voliçãoassistir a jogo. E eu adoro futebol.
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