Museu Nacional: De dinossauros nunca identificados a línguas extintas, o que a ciência perde com o incêndio:estratégia roleta

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Paleontólogos lamentam a perdaestratégia roletaamostras raras - casoestratégia roletaum fóssil quase completoestratégia roletaum pequeno crocodilo - que ainda seriam identificadas

O fóssil estudado por Beatriz chegou a ser comercializado por traficantesestratégia roletafósseis da região, conhecidos como "peixeiros", mas foi apreendido pela Polícia Federal e passou a integrar o acervo do Museu.

Ele ainda não havia sido nomeado e identificado. Antes disso, precisava passar por uma preparação mecânica e química para ser manuseado - até porque, havia sofrido modificações feitas pelos traficantes, para vendê-lo mais caro.

"Ainda tenho alguma esperançaestratégia roletaque ele esteja lá, já que ficava na Ala Sul, que pegou fogo por último. Mas eu usei uma camadaestratégia roletaresina para protegê-lo, que não suporta temperaturas muito altas. Os ossos também são muito frágeis, se dilatam e se estraçalham no calor."

Administrado pela Universidade Federal do Rioestratégia roletaJaneiro (UFRJ), o Museu Nacional tinha um dos mais ricos acervosestratégia roletaantropologia e história natural da América Latina, com maisestratégia roleta20 milhõesestratégia roletaitens.

Muitos deles eram exemplares únicos, como fósseis humanos eestratégia roletadinossauros, múmias e utensíliosestratégia roletacivilizações antigas.

Como parte da universidade, a instituição abrigava seis cursosestratégia roletapós-graduação e a produção acadêmicaestratégia roletadezenasestratégia roletapesquisadores vindosestratégia roletatodo o país, nas áreasestratégia roletaBotânica, Zoologia, Linguística, Arqueologia, Antropologia social e Geologia.

Crédito, Museu Nacional | UFRJ

Legenda da foto, Fósseis e esqueletos no acervo do Museu ainda precisavam ter dados revisados e descritos - espécies novas provavelmente estão entre as perdas

Muitas das pesquisas, no entanto, dependiam da consulta ao acervo do Museu que foi parcialmente destruído pelo fogo.

Alémestratégia roletafósseis como o do pequeno crocodilo pré-histórico, registrosestratégia roletaculturas indígenas extintas no país e coleções inteirasestratégia roletaanimais brasileiros podem ter se perdido. E, com eles, parte da ciência do país.

Animais perdidos antesestratégia roletaserem identificados

O biólogo Geovane Souza foiestratégia roletaLondrina, no Paraná, para o Rioestratégia roletaJaneiro, para perseguir o sonhoestratégia roletatrabalhar com dinossauros no Brasil.

"Era o que eu queria desde criança, e só poderia fazer isso no Museu Nacional", disse à BBC News Brasil.

Ele gosta,estratégia roletaespecial, dos grandes herbívoros Titanossauros, que chegavam a ter seis metros e altura e 20estratégia roletacomprimento - e foram os maiores, já descobertos, a habitar a América do Sul.

No Brasil, foram descobertas onze espécies da famíliaestratégia roletatitãs, como o Adamantissauro, o Brasilotitan e o Maxakalissauro - este último, exposto no Museu Nacional.

Em seu primeiro anoestratégia roletamestrado, Geovane preparava o terreno para estudar a fundo fósseisestratégia roletatitanossauros recuperados no Mato Grosso, nas margens do rio Confusão,estratégia roletaexpediçõesestratégia roleta2003 e 2006.

"O sítioestratégia roletaonde eles vieram era um aglomeradoestratégia roletavários indivíduos que morreram e cujos ossos ficaram juntos. Já sabíamos que entre eles havia pelo menos uma espécie novaestratégia roletaTitanossauro, mas poderíamos ter até três", explica.

Geovane iria analisar as ossadas para conseguir informações como a velocidadeestratégia roletaque estes animais cresciam,estratégia roletadieta eestratégia roletaidade quando morreram. Durante um ano, ele preparou lâminas com finas fatias dos ossos, que seriam examinadas no microscópio.

Nesta terça-feira, seguindo seu cronogramaestratégia roletaprodução, ele começaria a fotografá-las. O incêndio significa que ele não tem nenhum registro do material.

"A coordenação do curso já disse que vai me amparar legalmente, mas não dá para continuar minha pesquisa, porque não tenho mais material", afirma.

Crédito, Maurílio Oliveira

Legenda da foto, Titanossauros brasileiros Austroposeidon, Maxakalisaurus e Gondwantitan, cujo 'retrato familiar' era montado por bióloga com o acervo do Museu Nacional

Pelo menos um terço das quase 30 espéciesestratégia roletadinossauros descobertas no Brasil, segundo Geovane, estava no Museu. Ainda não se sabe o que pode ter sobrevivido ao fogo.

"É fundamental que as pessoas saibam que aquela instituição não era só um local para a visitação. Ela trazia muito para a ciência brasileira. E esse erro também é dos cientistas. Nós não divulgamos isso o suficiente."

Famíliaestratégia roletadinos gigantes que ficará incompleta

Na noite do incêndio, a bióloga Kamila Bandeira permaneceu do ladoestratégia roletafora do Museu Nacional até 1h da manhã.

Em 2016, Kamila conclui seu mestrado, que era a identificação do maior dinossauro já descrito no Brasil até hoje, o Austroposeidon magnificus. Hoje com 28 anos, está vinculada ao museu desde os 14, quando começou um estágio voluntárioestratégia roletainiciação científica no setorestratégia roletapaleovertebrados.

Kamila agora está desenvolvendoestratégia roletateseestratégia roletadoutorado, que ela descreve como um "retratoestratégia roletafamília" dos Titanossauros, grupo ao qual pertencem dois dos dinossauros do Museu Nacional, provavelmente destruídos: o Maxakalisaurus topai e o Gondwanatitan faustoi, "um nanico", segundo descreve.

Sua pesquisa pretendia descrever a relação evolutiva entre os dinossauros desse grupo, com foco nos da América Latina. "Será que os brasileiros eram mais aparentados entre si? Estudos prévios já tinham mostrado que o Gondwanatitan era mais próximoestratégia roletaespécies da Argentina, por exemplo."

Kamila estava investigando outros titanossaurosestratégia roletaoutras instituições. Tinha deixado o Maxakalisaurus topai e o Gondwanatitan faustoi por último porque eles "eramestratégia roletacasa".

"Não sei quantas informações novas precisariam ser atualizadas dessas espécies, e talvez o mundo nunca saiba. Muita coisa sobre a anatomia desses animais ficouestratégia roletabranco. Faz muito tempo que eles foram descritos."

"Agora não vou ter um retratoestratégia roletafamília completo. Vão faltar integrantes."

Insetos únicos no mundo

Para pesquisadoresestratégia roletaáreas como a entomologia - o estudoestratégia roletainsetos -, a perdaestratégia roletaespécimes (peças individuais)estratégia roletaborboletas e besouros que estavam no Museu também é considerada catastrófica, mesmo que eles ainda existam na natureza.

"Alguns dos espécimes que estavam lá foram usados para descrever aqueles animais pela primeira vez. Isso quer dizer que qualquer pessoa que está estudando estas espécies tem que revisar aquele exemplar inicial", explica o entomólogo Marcus Guidoti à BBC News Brasil.

Crédito, Museu Nacional | UFRJ

Legenda da foto, Perdaestratégia roletacoleçõesestratégia roletainsetos abrigadas pelo Museu podem prejudicar pesquisas para além do Brasil

"Se perdemos esses exemplares, mesmo que tenhamos fotos, a identidade dessas espécies fica inacessível na prática."

Marcus é especialistaestratégia roletauma famíliaestratégia roletainsetos chamada Tingidae, que tem algumas espécies usadas como controle naturalestratégia roletapragas agrícolasestratégia roletapaíses como a Austrália.

O Museu Nacional abrigava uma coleçãoestratégia roletainsetos que, segundo ele, era uma das melhores do mundo.

"Vi muitas coleçõesestratégia roletaoutros países e posso garantir que parte daquele material só era encontrado aqui, na coleção Oscar Monte. Todo mundo que tinha dúvidas precisava ir lá ou mandar o material para lá. Não sei o que vamos fazer agora."

A informação é corroborada por outros especialistas como Simeão Moraes, entomólogo e pesquisador da Unicamp, especialistaestratégia roletamariposas e borboletas. "Ali havia espécies raras, coletadasestratégia roletaambientes que já não existem mais, provavelmente até extintas, o que torna essa perda irreparável."

De acordo com as informações que circulam entre os pesquisadores, os armários onde ficavam as coleçõesestratégia roletainsetos se quebraram e foram queimados quando o terceiro andar, onde estavam, desabou.

Crédito, Museu Nacional | UFRJ

Legenda da foto, Andar onde ficavam insetos e outros animais invertebrados no Museu desabou; acervo pode ter sido completamente destruído

"Oscar Monte, o autor da coleção, faleceu na décadaestratégia roleta1940, e desde então não havia surgido no Brasil ninguém que trabalhasse com essa famíliaestratégia roletainsetosestratégia roletaforma consistente. Eu sou o primeiro", afirma.

"Por isso, minha pesquisa foi muito afetada. Eu dependo muitoestratégia roletacoleçõesestratégia roletareferência como aquela. Não sei o que será da pesquisa em Tingidae não só no Brasil, mas na América do Sul inteira."

Línguas desaparecidas para sempre

Para a antropóloga Adriana Facina, a perda do acervo do Museu Nacional "é comparável à perdaestratégia roletauma pessoa querida".

"No caso da áreaestratégia roletaAntropologia Social, perdemos cadernosestratégia roletacampo, entrevistas, fotografias, trabalhos desde os anos 1960. São histórias eestratégia roletanarrativasestratégia roletapesquisadores que estudavam populações indígenas, camponeses, principalmente no Nordestes, migrantes", disse à BBC News Brasil.

"O setorestratégia roletalinguística perdeu registrosestratégia roletalínguas indígenas que não têm mais falantes vivos. Perdemos para sempre."

Ainda não se sabe a extensão dos danos causados pelo incêndio, mas, no arquivosestratégia roletaLinguística, havia gravaçõesestratégia roletacantos indígenas feitas no final dos anos 1950, além dos únicos registros da localizaçãoestratégia roletatodas as etnias brasileiras feitos antes desta década.

Grande parte deles pertencia ao Arquivo Curt Nimuendaju, coleçãoestratégia roletamanuscritos e mapas feitos pelo etnólogo alemão Curt Unckel, que percorreu o Brasil estudando povos indígenas por maisestratégia roleta40 anos.

Crédito, Reprodução Facebook

Nas redes sociais, pesquisadores como o antropólogo Carlos Fausto examinavam as fotografias do incêndio e as imagens das redesestratégia roletaTV na esperançaestratégia roletaencontrar indíciosestratégia roletaque algo do arquivo foi preservado.

"Notem que o teto sobre o Larme e, se não me engano, sobre o CELIN onde está a coleção Nimuendaju não desabou. Não quero ser otimista, mas talvez tenha sobrado algo", disse Faustoestratégia roletaseu perfilestratégia roletaFacebook.

Parte dos registros, segundo Adriana Facina, foi digitalizada e ainda está acessível, mas não o suficiente. "Há muitos anos tentamos verbas para a digitalização desse material, mas nem sempre conseguíamos."

"Ainda não sabemos tudo o que se perdeu, mas o museu continua vivoestratégia roletanós, vamos resistir e continuar nosso trabalho. Se a perda do museu é insubstituível, ele sobreviveestratégia roletacada funcionário e pesquisador que está ali", afirma.

'Nem todo o conhecimento se perdeu'

Em meio às lamentações da comunidade científica, o egiptólogo Rennan Lemos, pesquisador-associado do Laboratórioestratégia roletaEgiptologia do Museu Nacional (Seshat), acha que é preciso manter algum otimismo.

"Várias pesquisasestratégia roletaandamentoestratégia roletamestrado e doutorado vão ser muito afetadas porque deixamosestratégia roletater o acervo. Mas precisamos deixar claro que o conhecimento não necessariamente está perdido, porque existe um trabalho incansável feito por curadores ao longo dos anos", disse à BBC News Brasil.

"Temos catálogos das coleções e já dizemos muitos modelos 3Destratégia roletafósseis e artefatos da coleção egípcia."

Crédito, Museu Nacional | UFRJ

Legenda da foto, Boa parte das múmias que estavam no Museu haviam passado por tomografias computadorizadas, diz pesquisador

O Museu abrigava corpos mumificadosestratégia roletauma tribo indígena brasileira desconhecida,estratégia roletapovos nativos da Amazônia Equatoriana eestratégia roletapaíses andinos.

Além deles, o acervo continha um sarcófagoestratégia roletauma sacerdotisa do Egito Antigo, Sha-Amun-en-su, que foi dadoestratégia roletapresente ao imperador D. Pedro 2º e jamais aberto.

"Não abrimos o sarcófago, mas sabíamos tudo sobre essa múmia, porque já havíamos feito tomografias computadorizadas dela eestratégia roletaoutras", afirma Rennan.

"Está todo mundoestratégia roletaluto e sofrendo. A materialidade das coisas se perdeu, mas o conhecimento não vai. Vamos ter que escrever as memórias dos cientistas. Precisaremos renascer das cinzas."

*Colaborou Luiza Franco, da BBC News Brasilestratégia roletaSão Paulo