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Da contaminação ao tratamento, o papel da desigualdade no atual surtowww roletafebre amarela no país:www roleta
Isso porque a febre amarela vista hoje no país é do tipo silvestre - ou seja, seu vírus é transmitido por mosquitos que vivemwww roletaambienteswww roletamata, dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Nas cidades, as infecções que têm sido registradas ocorrem após a exposição a áreaswww roletafloresta, como parques.
Desde 1942, o Brasil não tem casoswww roletafebre amarela urbana, quando o vetor é o mosquito Aedes aegypti - também transmissorwww roletadengue, chikungunya e zika. Para o Ministério da Saúde, a probabilidade da transmissão urbana da doença no Brasil é "baixíssima".
Assim, o impacto da febre amarelawww roletaáreas rurais passa a despertar a atençãowww roletapesquisadores para outro aspecto: o efeito da desigualdade sobre surtos recentes da doença, já que essas regiões apresentam indicadores socioeconômicos mais precários e distantes dos radares das autoridadeswww roletasaúde do país - recebendo bem menos atençãowww roletaprevenção e tratamento do que os grandes centros urbanos.
"A grande maioria das vítimas éwww roletaagricultores pobres", resume Paulo Buss, sanitarista e diretor do Centrowww roletaRelações Internacionais da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Não há dados oficiais que detalhem a situação socioeconômica das vítimas da doença, mas fatores como menor renda e dificuldade no acesso à saúde no campo revelam o papel da desigualdade neste cenário. Confira alguns destes fatores.
1. Rural versus urbano
Buss destaca que a exposição à febre amarela frequentemente está ligada ao trabalhowww roletaáreaswww roletamata e com rendimento inferior à média nacional, como o extrativismo.
"Existe uma clara influência do localwww roletamoradia e da ocupação na manifestação dessa enfermidade. Isso não acontece só com a febre amarela, mas também com a malária e outras doenças infecciosas", diz o sanitarista.
Outro dado que denuncia o papel da atividade econômica na vitimização pela doença éwww roletaprevalênciawww roletahomens: segundo o Ministério da Saúde, entre os casos suspeitos registrados desde julhowww roleta2017, 17% foramwww roletamulheres e 83%www roletahomens. Para especialistas, essa diferença vem justamente do contato mais frequentewww roletahomens com a mata para finswww roletatrabalho.
De fato, indicadoreswww roletarenda, alémwww roletaescolaridade ewww roletaexpectativawww roletavida, dividem o Brasil rural do urbano. Foi isso que mostrou um estudo conjunto do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, do Institutowww roletaPesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e da Fundação João Pinheiro (FJP).
Segundo essa pesquisa, considerando dados para 2010, a renda per capita da população urbana é quase três vezes maior do que a da população rural (R$ 882 e R$ 312, respectivamente); na escolaridade, 60% da população urbana com maiswww roleta18 anos concluiu o ensino fundamental, contra 26,5% da população rural; a esperançawww roletavida ao nascer, na cidade, éwww roleta74,5 anos, enquanto no campo éwww roleta71,5 anos.
Em 2017, um estudo da Diretoriawww roletaAnálisewww roletaPolíticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-DAPP), porwww roletavez, mostrou que o Noroeste mineiro, com alto númerowww roletaóbitos por febre amarela na época e baixo Índicewww roletaDesenvolvimento Humano Municipal (IDHM), teve níveis baixoswww roletacobertura vacinal contra a doença ewww roletaorçamento para lidar com crises epidemiológicas. Isso mesmo na comparação com cidades mineiras sem diagnóstico da doença.
"Ao cruzar esses dados, a intenção foi considerar a relação entre a desigualdade e o não privilegiamentowww roletaações públicaswww roletasaúde. Em Minas Gerais, no ano passado, vimos a priorização da vacinação nas regiões metropolitanaswww roletaBelo Horizonte, Juizwww roletaFora e Uberlândia, por exemplo", aponta Danielle Sanches, pesquisadora da FGV-DAPP.
"Tambémwww roletaoutros Estados, como no Rio ewww roletaSão Paulo, vimos a escolha por vacinar mais nas regiões metropolitanas. É importante vacinar nesses locais pela concentração populacional, mas é preciso uma conscientização diante da corrida indiscriminada aos postos. A população alvo da imunização contra a febre amarela são os moradoreswww roletaáreas rurais."
Para a pesquisadora, uma explicação para tais decisões dos governos está no poderwww roletapressão dos moradoreswww roletaáreas urbanas - e da imprensa, concentrada nessas áreas.
2. Acesso à saúde fora dos grandes centros
O estudo da FGV-DAPP mostrou também que os municípios com baixo IDHM no noroestewww roletaMinas não contavamwww roletaseu quadro com infectologistas - especialistas médicos cruciais no diagnóstico e tratamento da febre amarela.
"Sobretudo no acesso à saúde, as desigualdades entre as áreas urbanas e rurais se manifestam", diz Sanches.
O acesso à saúde fora dos grandes centros marca há décadas os debates sobre as deficiências do atendimento médico no Brasil. Para Carolina Batista, diretora médica para América Latina da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na siglawww roletainglês), essas dificuldades não se limitam ao enfrentamentowww roletalongas distâncias.
"Pessoas que vivemwww roletazonas rurais têm um acesso muito inferior a serviços especializados ewww roletareferência, a ferramentaswww roletadiagnósticos, medicamentos específicos, entre outros. Em comparação às áreas metropolitanas, isso é extremamente desigual. Mas, ao mesmo tempo que isso impõe um grande desafio, demonstra a enorme pluralidade que temos no nosso país, o que exige pensar o sistemawww roletasaúdewww roletaforma inovadora", aponta a médica.
"No caso da febre amarela, populações rurais são afetadas duplamente. Uma primeira carga vem da própria exposição a vetoreswww roletauma doença potencialmente grave como a febre amarela; e uma segunda, do acesso limitado à saúde".
Para o sanitarista Paulo Buss, os efeitos da desigualdade na febre amarela se tornam mais evidentes após a contaminação.
"Na prevenção, por meio da vacina, excepcionalmente se mitiga a desigualdade no pegar a febre amarela. Mas, depois que se adquire a febre amarela, a letalidade é dependente dos recursos tecnológicos disponíveis, como materiais para hidratação, equipamentos para lidar com um choque hemorrágico e uma UTI. Uma vez adquirida a enfermidade, a desigualdade se torna muito expressiva", diz Buss.
3. Ocupação desordenada
Condições precáriaswww roletaacesso à moradia também podem contribuir com a exposição à febre amarela na medidawww roletaque a ocupação desordenada da terra acaba avançando sobre as florestas.
"A entrada na franja das florestas, sem um planejamento, acaba expondo a população às áreaswww roletacirculação do vírus por meio do mosquito que transmite a febre amarela silvestre. Isso significa uma penetraçãowww roletaecossistemas aos quais a população humana não está acostumada,www roletaum contextowww roletamudanças climáticas", diz Buss.
Para os especialistas, é justamente essta tendênciawww roletaocupação que explica o avanço das fronteiraswww roletacirculação da febre amarela. Há uma década, a febre amarela era considerada endêmica (com incidência constantewww roletadeterminado agrupamento ou região) apenas na região amazônica, o que fazia dali uma área com recomendação permanente para a vacinação. A partirwww roleta2015, observou-se uma expansão da doença para o Centro-Oeste e, posteriormente, para o Sudeste.
Hoje, o Ministério da Saúde considera mais vulneráveis as populaçõeswww roletaáreas recém-afetadas pelo vírus e que vêm recebendo a chamada vacinaçãowww roletabloqueio. Mas, justamente pelo avanço da doença, a pasta definiu que, até 2019, todo o país terá recomendação para a vacina.
Buss explica que, diferentewww roletaoutras doenças infecciosas, hoje a febre amarela não tem na faltawww roletaacesso ao saneamento um fator importante parawww roletaexpansão.
"Doenças como a dengue deixam mais vulneráveis populações sem água encanada ou recolhimento regularwww roletalixo, por exemplo. A faltawww roletasaneamento facilita a proliferação do mosquito Aedes aegypti. Mas, como a febre amarela no país hoje é a silvestre, não se estabelece uma relação direta com o saneamento", afirma o sanitarista.
4. Doença negligenciada
"Doenças negligenciadas" são aquelas que, apesarwww roletaprejudicarem milhõeswww roletapessoas pelo mundo, possuem investimentos reduzidoswww roletapesquisas, produçãowww roletamedicamentos e vacinas - pelo pouco interesse que despertam na indústria farmacêutica.
Elas costumam ser endêmicaswww roletapopulaçõeswww roletabaixa renda, sobretudo na África, Ásia e América Latina - são doenças negligenciadaswww roletapopulações negligenciadas, e que muitas vezes foram erradicadas ou controladaswww roletapaíses desenvolvidos. A própria OMS reconhece que a ocorrência dessas doenças "está ligada a uma associaçãowww roletavárias determinantes sociais ewww roletaparte porque essas populações não estãowww roletaposiçãowww roletaatrair a atençãowww roletatomadoreswww roletadecisão para os seus problemas e atrair recursos" (no estudo Doenças tropicais negligenciadas: igualdade e determinantes sociais,www roletaJens Aagaard-Hansen e Claire Lise Chaignat).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) lista 20 doenças negligenciadas, entre elas dengue, doençawww roletaChagas, esquistossomose, hanseníase, malária, tuberculose e doença do sono.
A febre amarela não está na lista da OMS, mas, segundo Carolina Batista, do DNDi, o conceito é dinâmico e estáwww roletaconstante reavaliação. Para ela, a febre amarela tem todas as característicaswww roletauma doença negligenciada.
Entre elas, está o fatowww roletaser uma doença tropical e infecciosa. Segundo Batista, apesarwww roletater uma vacinawww roletacomprovada excelência - produzida pela Fiocruz -, esta não passou por inovações recentes. Também não há um protocolowww roletatratamento específico para a febre amarela.
"O arsenal terapêutico para o tratamento da febre amarela é limitado. A abordagem é pelo controle dos sintomas e limitaçãowww roletacomplicações, como as que podem vir a afetar o fígado", aponta a médica.
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