Marielle era uma das 32 mulheres negras entre 811 vereadores eleitosdenise casa de apostascapitais brasileiras:denise casa de apostas

Legenda da foto, A vereadora Marielle Franco foi assassinada na noite desta quarta-feira no Riodenise casa de apostasJaneiro | Foto: Mário Vasconcellos/CMRJ

"Somos menos democráticos quando temos uma representação racial homogênea na política", diz Rosane Borges, pós-doutoradenise casa de apostasCiência da Comunicação e professora do Celac (Centrodenise casa de apostasEstudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação) da USP, observando que é preciso inserir nos espaçosdenise casa de apostaspoder "a pluralidade que é intrínseca à democracia" - e à sociedade brasileira.

As mulheres negras no Brasil correspondem a cercadenise casa de apostasum quarto do total da população, segundo dados do IBGE. Mesmo assim,denise casa de apostastodas os municípios brasileiros, foram eleitas para câmaras municipais 2.874 mulheres negras -elas não chegam a 5% do totaldenise casa de apostasvereadores, 57,8 mil. Os dados sobre sexo e cor dos vereadores eleitos foram retirados do site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e consideram a cor autodeclarada pelo candidato, informada no pedidodenise casa de apostasregistro à Justiça Eleitoral.

Para Bruna Cristina Jaquetto Pereira, doutoradenise casa de apostassociologia pela Universidadedenise casa de apostasBrasília que estuda a violência contra a mulher negra, "a maior parte dos movimentosdenise casa de apostasbase no Brasil são compostos por mulheres negras". "Tem-se a falsa ideiadenise casa de apostasque as mulheres negras não participam da política, mas elas são as que lidam diretamente com os problemas estruturais da sociedade brasileira. Elas se mobilizam no nível mais básico, fazendo a política do cotidiano, desde a participaçãodenise casa de apostasassociaçõesdenise casa de apostasbairro até a mobilizaçãodenise casa de apostasgrupos contra a violênciadenise casa de apostasjovens negros assassinados, seus filhos."

Mas o problema, aponta, é que, embora façam a políticadenise casa de apostascotidiano, as mulheres negras não são reconhecidas como parte da política e, por isso, não são alçadas para o lugardenise casa de apostasrepresentantes.

Na opiniãodenise casa de apostasCristiano Rodrigues, professor do departamentodenise casa de apostasCiência Política da UFMG que estuda a participação políticadenise casa de apostasnegros no Brasil, "Marielle e Áurea Carolina [vereadora do PSOL mais votada para a Câmaradenise casa de apostasBelo Horizonte], entre outras poucas, são infelizmente a exceção da exceção da exceção".

Legenda da foto, Marielle Franco foi morta logo depoisdenise casa de apostaster participado do evento 'Jovens Negras Movendo Estruturas', transmitido ao vivo nas redes sociais | Foto: Reprodução/Twitter

Importância

Existem duas principais correntes que discutem a representação na política, explica Rodrigues. A primeira faladenise casa de apostas"representação substantiva",denise casa de apostasque os políticos não necessariamente se "autorepresentam", podendo apresentar ideias que interessam a grupos distintos aos seus.

A segunda corrente, com a qual concorda, diz ele, é a da "representação adscritiva". Significa que só um representantedenise casa de apostasum determinado grupo ou minoria podedenise casa de apostasfato representar seus interesses na política. Na ausência dessa pessoa, esses interesses ficam sem representação. Segundo essa ideia, um homem branco, por exemplo, não pode representar plenamente os interessesdenise casa de apostasmulheres negras. Assim, "na ausênciadenise casa de apostasmulheres ou minorias nas legislaturas, os temas que são importantes para eles acabam sendo votados por um viés não condizente com seus interesses".

O pesquisador cita como exemplo o debate sobre o aborto na Câmara dos Deputados. No fim do ano passado, 18 deputados votaram a favordenise casa de apostasuma PEC (Propostadenise casa de apostasEmenda à Constituição) que restringiria o abortodenise casa de apostascasos já permitidos pela legislação brasileira. A única mulher presente na comissão, a deputada Erika Kokay (PT-DF), votou contra o projeto.

"Mulheres negras na política democratizam seus próprios partidos, apresentando pautas que não foram pensadas anteriormente, que foram invisibilizadas, porque elas não estavam lá. E influenciam na ação política como um todo", afirma Rodrigues.

Causa

Para Rosane Borges, da USP, a incongruência da representatividade feminina negradenise casa de apostasrelação à demografia brasileira "se explica pelo machismo e pelo preconceito racial".

"Desde as dificuldades que as mulheres têmdenise casa de apostasfinanciamento,denise casa de apostasapoio da própria legenda - e muitas vezes as mulheres trazem pautas incômodas até para os próprios partidos - até o imaginário que existe sobre quem deve nos representar", diz Borges, dando como exemplo um pensamento recorrente: "'Eu delego o poder a quem eu acho que tem o poder.' E normalmente essa pessoa é o homem branco, rico e hetero."

"Infelizmente, ainda pensamos a representatividade a partir do lugardenise casa de apostaspoder,denise casa de apostasquem pode,denise casa de apostastese, nos ajudar. E uma mulher negra é vista como uma pessoa 'faltante'. Pensa-se: 'O que ela pode fazer por mim, se ela é alguém a quem tudo falta?'"

Rodrigues, da UFMG, diz que há dois elementos que alçam uma candidatura: a capacidadedenise casa de apostasmobilização financeira e a insersãodenise casa de apostasatores políticosdenise casa de apostasfamílias políticas. Considerando isso, as mulheres negras enfrentam múltiplos problemas: "Estando na base da população brasileira, recebendo menos que o homem negro, menos que a mulher branca e, por fim, menos que o homem branco, têm dificuldadedenise casa de apostasmobilizaçãodenise casa de apostasrecursos", diz. Além disso, "os partidos tendem a valorizar e investir mais financeiramente nas candidaturas masculinas." E, ainda, mulheres negras não pertencem a famílias políticas - pelo contrário, representam uma renovação na política.

Legenda da foto, Segundo especialista, mulheres não chegam à política porque não têm capacidade financeira nem pertencem a famílias políticas | Foto: Renan Olaz/CMRJ

'Nossa voz incomoda'

"Não é só chegar lá, mas ter condiçõesdenise casa de apostaspermanecer", diz Gabriela Vallim, jovem negradenise casa de apostas23 anos. "Nossa voz incomoda."

Aos 21 anos, Vallim foi coordenadoradenise casa de apostasPolíticas para Juventude da Secretaria Municipaldenise casa de apostasDireitos Humanos e Cidadaniadenise casa de apostasSão Paulo, durante a gestão Fernando Haddad (PT). Criadadenise casa de apostasItaquera, bairro periférico da zona lestedenise casa de apostasSão Paulo, e filhadenise casa de apostasprofessora da rede pública que completou o ensino superior depois dos 40 anos, conta que sempre ouviu da mãe: "As coisas sempre vão ser mais difíceis para você porque você é uma mulher negra".

Vallim diz que o sentimento geral entre ela e várias jovens lideranças que conhece, depois que souberam do assassinatodenise casa de apostasMarielle Franco, édenise casa de apostasdesesperança. "A luta pela representatividade e inserção nos espaçosdenise casa de apostaspoder é muito grande. Fazemos partedenise casa de apostasuma população que ficou muito tempo afastada desses ambientes", observa. "Quando começamos a ocupar esses espaços, muitas vezes nos falta preparo técnico - não íamos visitar as empresas dos nossos pais depois da escola, por exemplo. Também nos falta dinheiro."

"Normalmente, não temos opçãodenise casa de apostasvotodenise casa de apostasgente que se parece com a gente. E é um super trabalho chegar lá. E aí, quando chegarmos lá, podemos morrer?", questiona ela.

Vallim liderou a áreadenise casa de apostaspolíticas para juventudedenise casa de apostasSão Paulo depoisdenise casa de apostasanos engajadadenise casa de apostastemas relacionados à educação e segurançadenise casa de apostasjovens da periferia. Aos 21, representou o Brasil na Conferência Geral da ONU sobre os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável. Quando voltou, foi nomeada para o cargo da prefeitura.

Mas um acontecimento inesperado fez com que ela desistissedenise casa de apostasocupar cargos públicos.

"Eu era uma das únicas da secretaria que moravam na periferia. Fiz um acordo para que pudesse voltar para casadenise casa de apostascarro oficial depoisdenise casa de apostascomparecer a eventos e debates que terminassem tarde da noite. Uma noite, disseram que eu não poderia voltardenise casa de apostascarro oficial. Chegandodenise casa de apostascasa, a pé, fui assaltada. Foi traumático. Pensei: 'preciso conseguir cuidar da minha vida para cuidar da vida das outras pessoas'."

Hoje, ela trabalha na iniciativa privada.

Soluções

Para aumentar o númerodenise casa de apostasmulheres negras representantes na democracia brasileira, especialistas sugerem algumas medidas.

Hoje, as coligações são obrigadas a reservar 30%denise casa de apostassuas candidaturas a mulheres. Mas isso nem sempre ocorre - e, para cumprir a cota, há casosdenise casa de apostas"candidatos fantasmas", que não recebem votos nem deles mesmos. Segundo Rodrigues, da UFMG, "90% desses candidatos fantasmas são mulheres".

Uma das propostas discutidas além da cota para candidaturas é a reservadenise casa de apostasassentos para mulheres eleitas, não só candidatas. Rodrigues aponta que há regras assimdenise casa de apostasalguns países da América Latina, como a Bolívia e a Argentina.

Outra é a divisão do financiamentodenise casa de apostascada partidodenise casa de apostasmaneira igualitária para todos os candidatos.

Uma terceira via é o votodenise casa de apostaslista fechada (propostadenise casa de apostasque o eleitor vota na legenda e o totaldenise casa de apostasvotos é distribuído aos candidatos na ordem da lista) que tenha alternânciadenise casa de apostasgênero. Assim, explica Rodrigues, "se um partido consegue coeficiente eleitoral que lhe permita eleger quatro candidatos, dois serão homens e duas serão mulheres". Para contemplar mulheres e homens negros, essa ideia também propõe que o númerodenise casa de apostascandidatos negros seja proporcional à população negra da localidade.

Apesar da baixa representatividade das mulheres negras nos espaçosdenise casa de apostaspoder no Brasil, Rosane Borges, da USP, defende que o país tem melhorado no quesito, embora sempre com tensões. "Temos muitas conquistas e avanços. Mas esses avanços são acompanhados por retrocessos, confiscodenise casa de apostasdireitos. Não é um caminho linear, evolutivo, progressivo", diz.

Para Bruna Pereira, da UNB, "ter representaçãodenise casa de apostasminorias aumenta a qualidade da democracia". "As pessoas negras não querem mais ser representadas pelos brancos. Queremos nós mesmos representar."