Lula volta à primeira região que visitou como presidente, onde agora disputa preferência com Bolsonaro:

Legenda da foto, Lula fazsexta visita a Itinga,Minas Gerais | Foto: José Nelson Pêgo Gonçalves/Acervo pessoal

Antes da ponte, a travessia era feitacanoa ou balsa (para carrospasseio). O monumento da entrada da cidade retrata um dos canoeiros mais antigos da região, conhecido como Seu Nilo, e a esposa dele, Martiliana. E a melancia? É que a feira da cidade ficava do outro lado do rio, explicam os moradores. Quando a ponte foi construída, a passagem custava R$ 1 (ou R$ 5balsa).

Caminhões precisavam dar a volta pelo município vizinhoItaobim, onde já existia uma ponte, num desviocerca30 km.

Lula prometia a construção pelo menos desde 1993, quando esteveItinga pela primeira vez. A obra, com um custoR$ 378 milhões (valores da época), foi bancada pela mineradora Vale do Rio Doce, a títulodoação para a prefeitura. Uma empresacimento doou seis mil sacas do material.

Legenda da foto, Lula participacerimôniainauguração da ponte, que contou com a presença do então governador Aécio Neves,2004 | Foto: José Nelson Pêgo Gonçalves/Acervo pessoal

'Deus no céu e Lula na Terra'

A ponte não representou só uma economia para os moradores. Possibilitou, por exemplo, o aumento da extraçãogranito, que hoje rende royalties para o município (R$ 804 mil no ano passado, segundo dados do Tesouro Nacional levantados pela Confederação Nacional dos Municípios, a CNM). Gerou empregos. Por isso, a maioria dos itinguenses divide a história recente do localantes e depois da obra. E, por extensão,antes e depoisLula.

A reportagem da BBC Brasil perguntou para uma dúziamoradores da regiãoquem eles pretendiam votar nas próximas eleições. Oito dos 12 mencionaram o petista. Uma militante do PC do BItinga organizou uma vaquinha para imprimir camisetas com a foto do ex-presidente e os dizeres "Lula 2018".

Na casaMaria da LuzJesus,85 anos, não há clareza aindase Lula será realmente candidato ou não. Condenadoprimeira instância na Operação Lava Jato, Lula pode ser barrado pela Lei da Ficha Limpa, caso a sentença seja confirmadasegunda instância. A possibilidadeque isso ocorra aflige Maria da Luz.

"Deus ajude (que seja candidato)", diz ela.

Todos ali votariam no petista, caso ele possa concorrer.

"Nem que eu tenha que pegar um carro eu largo meu voto no Lula. Ele foi o que mais fez pela gente, aqui", diz o marido dela, Joaquim Soares da Silva,87 anos.

Legenda da foto, Na casaMaria da Luz,85 anos, todos são eleitoresLula. 'Nem que eu tenha que pegar um carro eu largo meu voto no Lula', diz o marido | Foto: André Shalders/BBC Brasil

Vera Lúcia Mendes,35 anos, passou o período da gestão do petista fora da Itinga natal, na cidadeAmparo (SP). Morou no interior paulista2000 a 2013, e costumava se surpreender ao voltar para casa. Para ela, Itinga "saiu da Idade da Pedra" nos governos Lula.

Apesar das mudanças, o Vale do Jequitinhonha continua sendo uma das regiões mais pobres do país. Mas o ÍndiceDesenvolvimento Humano (IDH)Itinga era0,4402000 (baixo) e passou a 0,6002010 (considerado médio). A expectativavida também cresceu:66 anos2000 para 72,8 no último censo do IBGE,2010.

A evolução na renda dos moradores também ajuda a explicar a popularidadeLula na cidade. A renda, que eraR$ 125 mensais por domicílio,média,2000, chegou a R$ 2602010. O aumentomais100% é expressivo, mas o nível ainda está distante da média do país (R$ 668 naquele ano).

Confrontados com as acusações que recaem sobre Lulaparticipaçãoatos corruptos no âmbito da Petrobras, a maior parte dos moradoresItinga, especialmente os defensoresLula, vê todos os achados da Lava Jato como algo secundário. "Quando começa este noticiário (de acusações contra Lula), eu faço é mudarcanal", diz o cabelereiro Jeremias Soares da Silva, 25.

O outro mito

Quando o assunto é eleição presidencial, o único outro político mencionado "espontaneamente" pelos moradoresItinga, alémLula, é o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ).

Segundo a última pesquisa do instituto Datafolha, realizadasetembro, o parlamentar tem 20% das intençõesvoto no Sudeste, contra 26%Lula,cenário com a participação do atual governadorSão Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Quando quem disputa é o prefeito paulistano, João Doria (PSDB), Bolsonaro cai para 17% na região, enquanto o petista sobe para 28%.

Embora não possua reservasnióbio, mineral sempre presente nos discursosBolsonaro, a regiãoItinga é produtoralítio, outro mineral raro exportado hoje sem beneficiamento.

Marisangela Murta Chaves é secretáriaEducação da prefeitura e secretária do PSDB no município. Mesmo assim, diz que, por enquanto, seu voto é para o ex-capitão do Exército. O deputado federal defende ideias mais próximas das suas, diz ela.

Questionada sobre os tucanos Alckmin e Doria, Marisangela diz não ter examinado ainda essas possibilidades. "Mas quem sabe?", diz.

A primeira eleiçãoque André Luiz Soares votou foi2006, quando Lula concorria à reeleição. Ele votou no petista. Depois disso, nunca mais depositou na urna um voto no PT.

"Na Dilma, já não votei. Em 2014, votei pra esse 'porqueira' do Aécio (Neves, do PSDB). Agora, é Bolsonaro", diz o comerciante29 anos.

"A gente que mexe com comércio sofre muito com a bandidagem, com ladrão, e ele diz que vai repreender. E luta pela família, também. O homembem hoje não tem direito a mais nada", diz Soares, sentado no balcão da mercearia que leva seu nome.

Legenda da foto, André Luiz Soares, comerciante29 anos, declara votoBolsonaro: 'A gente que mexe com comércio sofre muito com a bandidagem, e ele diz que vai repreender' | Foto: André Shalders/BBC Brasil

Mas Soares não compra o discurso virulentoseu candidato contra o possível adversário petista.

"Eu não desmereço o Lula, não. Não tenho nada contra ele. Vai dizer que ele não ajudou? Ajudou. Mas no meu caso é mais uma questãoopinião mesmo", diz.

Faltaágua...

Itinga ficauma regiãotransição entre os biomas do Cerrado e a Caatinga. Nesta época do ano, é muito difícil enxergar qualquer planta verde na paisagem, com exceção do cacto mandacaru, que pode chegar a até seis metrosaltura. As chuvas, que deveriam aparecer no fimoutubro, ainda não vieram. Riachos e açudes secos são comuns na região.

Legenda da foto, Mandacaru, cacto que pode chegar a seis metrosaltura | Foto: André Shalders/BBC Brasil

Por isso, quando Lula chegar à cidade, ele reencontrará alguns problemas que deixou ao sair da Presidência2010, e um que se agravou: a faltaágua. Quem não tem reservatório próprio está desabastecido na cidade desde o início da semana.

A PrefeituraItinga culpa a empresa Copanor (responsável pelo abastecimentoágua no Vale do Jequitinhonha) pelo paradoxo: há água correndo no Rio Jequitinhonha, e nem uma gota na torneira dos moradores.

O Executivo municipal diz que a empresa prometeu,2016, bombear água do Jequitinhonha para a estaçãotratamento local, o que nunca ocorreu. Nos últimos anos, o riacho que abastece a cidade costuma reduzir ainda maistamanho durante a seca, agravando o problema. A Copanor não foi localizada para comentar.

...e miséria

A cidade foi também uma das primeiras do Jequitinhonha a eleger um prefeito petista (SolanoBarros,1992), que chamou a atençãoLula para a região. Mas antes mesmo disso o local já era alvomedidaspolítica social para tentar atenuar a pobreza.

No governoFernando Henrique Cardoso (1995-2003), a cidade foi uma das primeiras a receber o Bolsa Escola, programa embrionário do Bolsa FamíliaLula. Antes disso, eram frequentes as chamadas "frentestrabalho",que a pessoa recebia dinheirotrocauma jornadaserviços braçais para o município.

Legenda da foto, Operários trabalham na construção da ponteItinga | Foto: José Nelson Pêgo Gonçalves/Acervo pessoal

Mesmo assim, ainda há miséria ali, principalmentedistritos e povoados fora da mancha urbana principal, admite o secretárioGoverno da prefeitura, Marcos Elias Marcos Neto.

A região centralItinga é praticamente toda calçada e as casas sãoalvenaria, embora algumas estejammau estado. Mas basta andar alguns quarteirões um pouco para ver ruasterra e habitaçõescondições precárias.

Há aindaItinga casas sem banheiro próprio, por exemplo, embora elas sejam hoje minoria (em 2010, eram 16,8% das residências).

Os dados disponíveis são antigos, do Censo2010, mas mostram que, pelo menos até aquele ano, a pobreza estava diminuindoItinga. Em 2000, eram considerados pobres pelo IBGE 71,3% da população. Em 2010, este número tinha caído para 39%.