Corpo carbonizado, testemunha assassinada e jornalista perseguido: o caso que expõe 'guerra' nas margens da Amazônia:h2bet login

Crédito, Vitor Flynn/BBC Brasil

Legenda da foto, Policiais e proprietários rurais vão a júri pela morteh2bet logindois sem-terrah2bet loginRondônia,h2bet login2016

Pela morte dos dois homens e a tentativah2bet loginhomicídio contra os outros três, o Ministério Públicoh2bet loginRondônia pediu a condenaçãoh2bet loginum pecuarista, do gerenteh2bet loginsua fazenda, do presidenteh2bet loginuma associação rural local eh2bet logindois integrantes da Polícia Militarh2bet loginRondônia. Os cinco acusados, que se dizem inocentes, estão presos preventivamente.

"Esse é um dos poucos casosh2bet loginviolência no campo que foi minimamente esclarecido. Chegou a júri e houve presos. É um avanço frente à impunidade existente", diz Josep Iborra Plans, da Articulação Amazônia da Comissão Pastoral da Terra. Plans já foi, ele mesmo, ameaçadoh2bet loginmorte.

Para Plans, o caso também exemplifica a truculência no campo. "Os mortos foram perseguidos sem misericórdia. Uma autêntica caçada humana".

Perseguição e morte

A história do assassinato dos dois sem-terra começa com a reintegraçãoh2bet loginposse da fazenda Tucumã,h2bet loginCujubim, que estava ocupada pelo acampamento "Terra Nossa". O dono da área não tinha título da propriedade. Em janeiroh2bet login2016, o grupo sem-terra saiu do local por determinação da justiça. Não houve incidentes.

A tragédia ocorreuh2bet loginseguida. Após a reintegração, cinco ex-ocupantes voltaram ao antigo acampamento, sob a justificativah2bet loginrecolher objetos que ficaram para trás. Era 31h2bet loginjaneiro. Ao chegarem, encontraram os resquícios da ocupação destruídos. Deixaram o local e foram emboscados por um grupo armado,h2bet loginacordo com testemunhas. Tentaram fugir e foram perseguidos por dezoito horas, segundo o MP.

No dia seguinte, o corpo carbonizado foi encontrado dentroh2bet loginum carro. Examesh2bet loginDNA confirmaram que era oh2bet loginAlysson Henriqueh2bet loginSá Lopes, 23 anos. O estado do corpo não permitiu que a perícia identificasse a causa definitiva da morte. Ruan Lucas Hildebrandth2bet loginAguiar, 18 anos, nunca foi achado, apesar das buscas, e foi dado como morto.

Em 3h2bet loginfevereiro, na fazenda Tucumã, foi apreendida uma caminhonete que levava um "arsenal", nas palavras do MP: uma metralhadora, quatro espingardas, um revólver, munição, fardamento, GPS.

Crédito, PM Rondônia/Divulgação

Legenda da foto, PM apreendeu "arsenal"h2bet logincaminhonete na zona ruralh2bet loginCujubim

Cicloh2bet loginviolência

Os outros três homens fugiram da áreah2bet loginmeio às torash2bet loginmadeira transportadash2bet loginum caminhão, segundo relatos. A fuga não foi uma solução. Mais tarde,h2bet login4h2bet loginmarço deste ano, Renatoh2bet loginSouza Benevides foi assassinado.

Outro, sofreu um novo atentadoh2bet login2016, sobreviveu e entrou no programah2bet loginproteção a testemunhas. O terceiro teve que sair da região. Os nomes dos dois sobreviventes foram omitidos pela BBC Brasil, por questãoh2bet loginsegurança.

A violência não se esgotou aí. Em fevereiro deste ano, Roberto Santos Araújo, liderança do acampamento Terra Nossa, foi morto.

A mãeh2bet loginRuan, cujo nome não revelamos por questãoh2bet loginsegurança, entrou no programah2bet loginproteção a testemunhas. Ela passou a procurar mais informações sobre o desaparecimento do filho e suspeitava que o corpoh2bet loginRuan tivesse sido atiradoh2bet loginum rio, amarradoh2bet loginuma pedra.

Em depoimento, a mãeh2bet loginRuan informou que uma testemunha da região contou a ela que, no dia dos fatos, teria visto o rapaz saindo do mato muito cansado e pedindo água. Em seguida, apareceram pessoas que se apresentaram como policiais, o detiveram, o amarraram e o levaramh2bet loginum carro, que seria o mesmo onde o corpoh2bet loginAlysson foi encontrado carbonizado. A testemunha também está sob proteção do Estado.

Ivan Pereira da Costa, jornalista do norteh2bet loginRondônia que cobriu a história, foi vítimah2bet loginatentado a tiros na frente dah2bet logincasah2bet loginCujumim,h2bet loginabrilh2bet login2016, e saiu da cidade. A BBC Brasil não conseguiu encontrá-lo. "Me calaram. Não posso continuar na cidade e nem com o site", disseh2bet loginentrevista na época, para o G1h2bet loginRondônia.

Segundo o MPh2bet loginAriquemes, ainda não é possível saber se esses casos estão relacionados ao crime principal.

Legenda do vídeo, Mapa mostra que 9h2bet login10 ativistas assassinados no Brasil morreram na Amazônia

Defesa dos acusados

O proprietário da fazenda Tucumã, Paulo Iwakami, é um dos denunciados pelo MP pela morteh2bet loginAlysson e Ruan. Natural do Paraná, Iwakami migrou para Rondônia há maish2bet logintrês décadas. "Ele pegou mata pura e formou a fazenda", diz o advogado Marcos Vilelah2bet loginCarvalho, que representa Iwakami.

Umah2bet loginsuas fazendas, a Tucumã, foi algumas vezes ocupada por grupos sem-terra. "Na última invasão, (os sem-terra) mataram dezenash2bet loginanimais, queimaram casa, curral, trator", afirma Vilelah2bet loginCarvalho.

Em seu depoimento, Iwakami disse que Sérgio Sussumu, então presidenteh2bet loginuma associação rural da região, indicou pessoas para fazerem a segurança da fazenda Tucumã. Os funcionários teriam sido orientados a procurar a polícia se houvesse qualquer ocorrência, diz a defesa. "Mas aconteceu aquela anarquia. O Paulo Iwakami é inocente. Cada um é responsável por seu CPF", afirma seu advogado, incriminando os subordinados do fazendeiro.

Já a defesah2bet loginSergio Sussumu alega que ele é inocente e queh2bet loginparticipação no caso é uma "história inventada" pelo proprietário da fazenda Tucumã. Acrescenta que ele não foi reconhecido pelos policiais denunciados pelas mortes. Ressalta ainda que Sussumu também teve uma fazenda invadida por sem-terra e que resolveu o assunto sem ocorrência policial.

O grupo contratado para fazer a segurança da fazenda Tucumã seria formado por Rivaldoh2bet loginSouza, gerente e proprietário da caminhonete apreendida com armas, Jonas Augusto dos Santos Silva, cabo da PM, e Moisés Ferreirah2bet loginSouza, sargento da PM. A BBC Brasil não conseguiu contato com a defesa dos dois primeiros.

O sargento Moisés, como Souza é conhecido, também é suspeito na chacinah2bet loginColniza (MT), onde nove pessoas foram assassinadash2bet loginabril deste ano. Foi a maior chacina no campo desde Eldorado dos Carajás,h2bet login1996. Segundo a Polícia Judiciária Civilh2bet loginMato Grosso, o sargento seria o líderh2bet loginum grupo intitulado "Encapuzados". Ele estava foragido e se apresentou à justiça apenas no finalh2bet loginmaio.

A defesah2bet loginSouza diz que o sargento é inocente nos dois casos e acrescenta que tem provash2bet loginque ele estava na cidadeh2bet loginJi-Paraná quando os crimes aconteceram. Portanto não poderia estar presente nas cenas dos homicídios. "No Brasil, primeiro se prende, depois se investiga. Não existem provas. Moisés tem 6 anos no Exército, 22 anos na PM, foi para a Força Nacional, tem folhah2bet loginelogios na corporação", afirma o seu advogado, Jorge Muniz Barreto.

Crédito, Victor Flynn/BBC Brasil

Legenda da foto, Maioria das mortes no campo ocorre nas bordas da Amazônia

Milícias e destruição

Assim como no casoh2bet loginAlysson e Ruan,h2bet loginRondônia, há outros episódiosh2bet loginviolência no campo envolvendo seguranças contratados por donosh2bet loginterras. Segundo Anderson Batistah2bet loginOliveira, promotorh2bet loginJustiçah2bet loginAriquemes e responsável pelo caso dos dois jovens, esses seguranças são contratados para "andarem armados e evitarem a tomada da terra". Alguns não possuem ao menos porte legalh2bet loginarmas.

"São os jagunços, chamadosh2bet loginguaxebas aquih2bet loginRondônia. Andamh2bet loginpequenos grupos,h2bet logincavalos ou carros, e fazem patrulhas pelas estradash2bet loginterra. Como se fosse um estado paralelo, uma milícia", afirma Oliveira.

Casosh2bet loginassassinatoh2bet loginproprietários rurais ouh2bet loginseus funcionários também ocorrem, segundo as fontes ouvidas pela BBC Brasil. E também há episódiosh2bet loginviolência, sem morte, dos dois lados.

"Aqui há muita terra pública grilada. Quando algum grupo invade a terra, a soluçãoh2bet loginambos os lados é violenta. Há casos, por exemplo,h2bet loginque os invasores matam animais, queimam pasto, disparam armah2bet loginfogo nas redondezas. Até o ápice, mais raro, que é a invasão total da sede da fazenda", completa Oliveira.

As características da Amazônia dificultam o combate a esses crimes. "São fatos que ocorrem na selva,h2bet logináreash2bet logingrandes latifúndios, a centenash2bet loginquilômetros da cidade, onde não pega celular, com muitas rotash2bet loginfuga e esconderijo e onde qualquer presença diferente é facilmente percebida. Não vai ser a investigação convencional para delitos urbanos que vai elucidar esse tipoh2bet logincrime cometido na zona rural. Infelizmente, não existe estrutura na Polícia Civil e no Ministério Público para fazer essa investigação", explica o promotorh2bet loginJustiça.

Cristiane Lima, coronel da PM do Pará na reserva e professorah2bet logindireitos humanos, aponta um novo fatorh2bet loginconflito: "Voltou a aparecer aqui no Pará a participação do policial na violência do campo. É o ressurgimentoh2bet loginum discursoh2bet loginguerra. Um sentimentoh2bet loginjusticeiros,h2bet loginque é preciso resolver os problemas na minha área", comenta.

Reforma agrária

O delegado Mario Jorge Pinto Sobrinho, da delegaciah2bet loginconflitos agráriosh2bet loginRondônia, convive diariamente com a violência no campo. Para ele, "o grande problema da violência no campo é a ausência da reforma agrária". "Se o Estado fizesse reforma agrária, Rondônia não estava nessa briga toda. O Incra está acabandoh2bet loginRondônia, sem servidores", diz.

O superintendente do Instituto Nacionalh2bet loginColonização e Reforma Agrária (Incra)h2bet loginRondônia, Cletho Munizh2bet loginBrito, confirmou à BBC Brasil a gravidade da situação do campo na região. "Todo dia está ocorrendo reintegraçãoh2bet loginposseh2bet loginRondônia. É hoje o Estado onde mais está morrendo gente no campo. Pode ocorrerh2bet loginalgum momento alguma situação que fuja do controle."

A Secretariah2bet loginSegurançah2bet loginRondônia afirmou,h2bet loginnota, que vem atuando "com a Patrulha Rural e priorizando a investigação dos crimes relacionados ao conflitoh2bet loginterras". Sobre a morteh2bet loginAlysson e Ruan, disse que "todas as medidas legaish2bet loginresponsabilidade das polícias como investigação e produçãoh2bet loginprovas foram feitas dando suporte ao Judiciário".

O julgamento é esperado com grande expectativa por movimentos sociais do campoh2bet loginRondônia. A Comissão Pastoral da Terra está organizando uma vigíliah2bet loginoração na véspera, dia 14h2bet loginagosto,h2bet loginAriquemes, onde será realizado.