Perdafriday cassinoconfiançafriday cassinopolítica cria vazio preenchido por consumismo, diz filósofo francês:friday cassino

Crédito, Fronteiras do Pensamento / Greg Salibian

Legenda da foto, Gilles veio ao Brasil participar do evento Fronteiras do Pensamento

Elke esteve recentementefriday cassinoPorto Alegre para participar do seminário Fronteiras do Pensamento. Veja abaixo, trechos da entrevista dada à BBC Brasil.

friday cassino BBC Brasil - Sua obra fala muito do consumismo, das relações com o universo das marcas, que buscam nos seduzir, mas também nos representar. O que representa o consumo hoje para as pessoas?

friday cassino Gilles Lipovetsky- Há as duas coisas. Há quem a gente chamafriday cassino'fashion addicts' (viciadosfriday cassinomoda) que compram porque estão fascinados por esta ou aquela marca. Eles vão às lojas da Apple com se fossem templos, igrejas. São fanáticos. Mas há outra face também: há hoje quem, através do consumo, exerce alguma formafriday cassinoengajamento pessoal. Por exemplo, "não compro produtos desta empresa porque não gosto da visãofriday cassinomundo deles".

Acho que o consumo hojefriday cassinodia tomou um significado diferente do passado. As pessoas hoje estão perdidas no universo da globalização porque as referências tradicionais estão mortas: a direita, a esquerda, a igreja - são conceitos mais desfocados. E o sentimento geral das pessoas éfriday cassinoestarem um pouco desnorteadas. Mas justamente através do consumo as pessoas readquirem um certo poder porque disso elas entendem. Então, eu acho que se o consumo se tornou algo tão importante é porquefriday cassinouma maneira elas exercem uma autonomia.

friday cassino BBC Brasil - Seu livro mais recente lançado no Brasil fala sobre a leveza ( friday cassino Da Leveza - Rumo a uma Civilização sem Peso friday cassino ). O mundofriday cassinogeral, no entanto, anda pesado - da política à economia. A leveza hoje seria mais uma evasão, utopia ou ainda é algo possível?

friday cassino Lipovetsky - Desde o começo dos tempos, os momentosfriday cassinoleveza sãofriday cassinofato momentosfriday cassinofuga, uma maneirafriday cassinose desconectar. Então, por muito tempo, os homens descreviam leveza como um sonho, uma utopia.

Mas no livro que escrevi eu mostro que a questão da leveza mudoufriday cassinostatus desde meados do século 20. A leveza não é mais apenas do imaginário: o mundo inteiro se reconstruiu através do princípio da leveza. Observe a evolução da tecnologia. No passado a potência era pesada: as grandes estradasfriday cassinoferro, as usinas… hojefriday cassinodia as empresas que mais crescem como Google - não vendem nada. É tudo virtual. É a época da desmaterialização. É mais leve do que o leve. O virtual é hoje o vetor do crescimento. A leveza se tornou o princípio da realidade do mundo.

Um segundo aspecto: no corpo se vê a marca da revolução da leveza. Pense na evolução da medicina, veja a obsessão com a magreza e também a evolução do esporte: surf, windsurf, asa delta…

friday cassino BBC Brasil - E o poder, especialmente o político? Há leveza nele ou ainda é um elemento "pesado" na nossa sociedade?

friday cassino Lipovetsky - Sim, vou chegar nisso. De fatofriday cassinorelação à política há uma outra questão. Mas vou terminar (o ponto anterior) rapidamente porque há uma conexão…

O terceiro exemplo que me parece essencial. Já disse o primeiro - os objetos -, o segundo - o corpo -, e o terceiro é o capitalismo. Porque, o capitalismo moderno, a partir da revolução industrial do século 19, repousa sobre o peso. São os equipamentosfriday cassinoestradafriday cassinoferro, as grandes máquinas e ferramentas, tudo é pesado. Hoje estamos num capitalismofriday cassinosedução. Nós apenas celebramos os prazeres, o lazer, a distração. Por todos os lados vemos a lógica da fuga.

friday cassino BBC Brasil - É o consumo "das experiências"...

friday cassino Lipovetsky - As experiênciasfriday cassinoviagem,friday cassinoprazer… Tudo isso é muito leve. São as promessasfriday cassinofelicidade. O que eu digo é que o capitalismo hojefriday cassinodia não é mais um capitalismo que é severo. Ele é severo para o trabalhador, mas não para o consumidor. É um sistema que funciona como a moda. Ele se baseiafriday cassinocoisas superficiais. Observe por exemplo os videogames, as sériesfriday cassinotelevisão…Tudo isso é extraordinariamente leve. Não há mensagem profunda, tudo é lúdico.

Agora, a questão é: todas as esferas obedecem este princípiofriday cassinoleveza? A política, ela tenta pegar esse bonde andando. Claramente, por exemplo, no desenvolvimento do marketing político. Antes, os políticos tinham aparência austera,friday cassinocomícios, para fascinar as massas. Não temos mais políticos como antes. Eles aprendem a falarfriday cassinocursosfriday cassinocomunicação, aprendem como ser legais, como agradar as pessoas. Fazem promessas sem parar.

friday cassino BBC Brasil - Tentam ficar "leves" se distanciando da política, e se apresentando, por exemplo, como gestores?

friday cassino Lipovetsky - Sim, exatamente. Mas aí é um aspecto interessante. O capitalismofriday cassinofato é bem sucedidofriday cassinoseduzir os consumidores. Eles adoram! Eles criticam, mas eles adoram! A política não é assim: quanto mais os políticos querem seduzir, menos conseguem fazê-lo.

Porque há hoje um imenso desapontamento dos cidadãosfriday cassinorelação à política, eles não confiam mais na classe política. A grande característica da nossa época é a perda da confiança na classe política. A política não é leve.

Todos os dias a gente vê na imprensa que pegaram dinheiro, que há corrupção… Então há algofriday cassinoestranho nessa sociedadefriday cassinoque tudo deve ser atrativo e a política não é mais atrativa: ela é repulsiva.

friday cassino BBC Brasil - Mas repulsiva no sentidofriday cassinoque as pessoas abandonaram o engajamento político e estão mais individualistas?

friday cassino Lipovetsky - Sim, mas o individualismo não significa necessariamente um desengajamento. Observe as pessoas que se engajamfriday cassinoassociações: há muitas, até mais do que antes. O que mudou é a maneirafriday cassinose engajar.

Antes, o engajamento na vida política era um pouco como uma religião, e hojefriday cassinodia não é assim. As pessoas não querem sacrificar nada, mas isso não quer dizer que elas não tenham mais interesse pelos assuntos da política. Hojefriday cassinodia, as pessoas ouvem, refletem, mas no fim pensam "bom, vou fazer o que eu quiser". Isso é o individualismo, não é o egoísmo. É a autonomia das pessoas que não são mais controladasfriday cassinouma maneira pesada pelos aparelhos.

Mas, ao mesmo tempo, vemos que os cidadãos se mobilizam quando há algo que eles julgam importantes, masfriday cassinoações mais pontuais, não maisfriday cassinograndes ideologias gerais. Por exemplo, se você é ecologista, você vai se engajar neste campo, ou no campo do feminismo, do casamento gay, e as pessoas vão se engajar nestes temas. Antes era direita e esquerda, capitalismo ou socialismo. Nas grandes ideologias, as pessoas não acreditam muito mais. Elas querem coisas mais pragmáticas.

Então, isso criou um novo tipofriday cassinorelação com a política e que, acho, deve nos levar a repensar os meios para melhorar o mundo. Porque se não é mais a política que tem a forçafriday cassinomudar o mundo, então o que seria? E eu acho que uma das grandes forças que deve fazê-lo é a educação.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Gilles cita Google e Amazon como empresas símbolo da 'leveza' contemporânea

friday cassino BBC Brasil - Queria falar sobre a mídia e as "fake news", as notícias mentirosas. A grande mídia parece conviver com essas novidades, e também com formas independentesfriday cassinojornalismo. Que papel tem a mídia na nossa sociedade hoje?

friday cassino Lipovetsky - Fake news é um termo que entrou muito na moda este ano, mas não é nada novo. Desde o século 19 há denúnciasfriday cassinomanipulação e notícias falsas na mídia. A novidade é que 'fake news' agora podem ser difundidas por órgãosfriday cassinocomunicação que não são como os jornais e a televisão. Normalmente isso passa pelas redes sociais. Então, não é (uma ação) centralizada.

Na minha opinião, há uma ameaça, com os novos meiosfriday cassinocomunicação,friday cassinose minar a força da mídia tradicional. E acho que isso é perigoso. Acho que precisamosfriday cassinomediadores.

friday cassino BBC Brasil - Por quê?

friday cassino Lipovetsky - É perigoso para aqueles que não têm as ferramentas se orientar nesse magmafriday cassinoinformação. Se você é alguém com educação, se você consegue distinguir informações, não está perdido. Mas muita gente não tem isso. Nós precisamosfriday cassinomediadores porque não somos especialistasfriday cassinotudo e é por isso que eu acho que é preciso defender a imprensa e ter uma ambição maior nas escolas, na educação. Não haverá solução sem isso, você será manipulado.

A exigência absolutafriday cassinosociedades desenvolvidas do século 21 será a educação. E não se tratafriday cassinolançar palavras ao vento! É necessário investir. É uma responsabilidade do Estado. E não se pode pagar salários miseráveis a professores - como frequentemente acontece na América Latina. Professores não são uma despesa inútil, são uma obrigação para que se faça uma sociedade digna.

friday cassino BBC Brasil - Masfriday cassinouma sociedade com tanta desigualdade como a brasileira, essa realidade é ainda mais complicada, não?

friday cassino Lipovetsky - As desigualdades não devem ser todas rejeitadas. Não se tratafriday cassinodemonizar as desigualdades, mas há desigualdades que são insuportáveis. É necessário que a desigualdade não arruíne o ideal democrático. Por exemplo, quando há apenas estabelecimentosfriday cassinoeducação privadosfriday cassinocondiçõesfriday cassinoreceber alunos enquanto outros não têm dinheiro para estudar, isso é muito grave. A desigualdade impede a democratização da sociedade porque tira a oportunidadefriday cassinomuita gentefriday cassinose desenvolver.

Vocês têm um país muito rico. O Brasil é um continentefriday cassinoque háfriday cassinotudo. E ao mesmo tempo, os resultados escolares aqui não são bons. Pegue como exemplo países pequenos como a Finlândia, a Dinamarca, Cingapura, a Coréia do Sul… o que eles têm como riqueza material? Nada.

São países que prosperam com nívelfriday cassinovida muito superior ao brasileiro, com resultados escolares excelentes, que têm mais capacidadefriday cassinose adaptar à globalização, que são competitivos, que têm redesfriday cassinoproteção social. E não têm petróleo, não têm gás, não têm ouro… não têm nada! Eles têm a inteligência.

friday cassino BBC Brasil - Mas eles não têm nossos índicesfriday cassinocorrupção...

friday cassino Lipovetsky - Exatamente. E muito menos corrupção.

friday cassino BBC Brasil - Da forma como o senhor coloca, parece como se dois mundos coexistissem. Um tradicional, antigo, pesado. E outro leve, mais coletivo, mais fluido, inclusivefriday cassinorelação a identidades. É um momentofriday cassinotransição?

friday cassino Lipovetsky - Eu acredito que é o prolongamentofriday cassinoalgo que vai se perpetuar. Essa lógica é estrutural. Mas o que eu digo também no livro é que essa fluidez para os indivíduos acaba pesando. No livro eu mostro que não estamos no Nirvana. É o paradoxo: tudo é leve, mas você não está leve.

friday cassino BBC Brasil - Pelo contrário, muita gente se cobra essa "leveza".

friday cassino Lipovetsky - Sim, e não somos (leves). Então, isso nos deixa ansiosos. Porque eu não sou feliz? Bom, antes as tradições e as religiões davam as respostas. As pessoas não ficavam se interrogando. Neste mundo fluido as pessoas mudamfriday cassinoprofissão quando querem, mas aí ficam ansiosasfriday cassinorelação ao futuro. Então, o mundo da leveza se tornou pesado para os indivíduos.

A fluidez é tão pesada para algumas pessoas que elas buscam soluções para escapar a este vazio. Dou um exemplo fácilfriday cassinoentender: o caso dos "jihadistas". Sãofriday cassinogeral jovens, nascidos na Europa - eles não vêm do Oriente Médio, são nascidos na França ou na Inglaterra. Eles escutaram rock, viram séries americanas, usavam jeans, iam a boates.

Eles conheceram esta vida leve, mas não encontraram seu lugar nela. E,friday cassinogeral, têm uma imagem deles mesmos muito deteriorada. Em resumo: eles não amam as próprias vidas e estãofriday cassinoconflito interior. E é esta ansiedadefriday cassinorelação a eles mesmos que os faz buscar causas absolutas porque isso lhes devolve a dignidade. Isso lhes dá um peso pessoal, os ancora.

Então aí, você vê o paradoxo da leveza que se transformafriday cassinoseu contrário. No terrorismo, na violência terrívelfriday cassinoque se atemoriza toda uma população. E isso eu não acho que seja transitório. Acho que vai continuar.