Me acusamnovibet email‘homem-bomba’: o sírio que perdeu riqueza na guerra e vive como ambulante no Rio:novibet email

Crédito, Arquivo pessoal/Hadi Bakkour

Legenda da foto, Hadi Bakkour,novibet email21 anos, deixou para trás vidanovibet emailluxonovibet emailAleppo e hoje vive como ambulante no Rionovibet emailJaneiro; ele fugiunovibet emailguerra civil que se arrasta há maisnovibet emailcinco anos na Síria

"Nosso dinheiro está acabando. Perdemos tudo na Síria. Vivíamosnovibet emailuma casanovibet emailoito quartos e éramos donosnovibet emailum supermercado. Nunca nos faltou nada. Hoje, lutamos para sobreviver", conta. "Quando bate o desespero, começo a chorar."

Após contarnovibet emailhistória à BBC Brasil, Hadi relatounovibet emailnova conversa com a reportagem que a Guarda Municipal o impediunovibet emailvender seus produtos na rua.

Confira o depoimento.

"Me chamo Hadi Bakkour. Tenho 21 anos e estudo Direção Teatral na UFRJ (Universidade Federal do Rionovibet emailJaneiro). Sounovibet emailAleppo, na Síria, uma das cidades mais atingidas pela guerra que já dura maisnovibet emailcinco anos.

Vim para o Brasil depoisnovibet emailfugir da Síria. Esta é a minha segunda vez aqui. Decidi vir para cá porque estava na idade do serviço militar e tenho uma meia-irmã brasileira, do primeiro casamento do meu pai.

Quando cheguei aqui pela primeira vez,novibet email2012, não queria vir, mas minha família me obrigou. Achavam que seria melhor para mim sair da Síria. Embarquei rumo ao Brasil com o meu irmão, Adel,novibet email23 anos, ao atravessar a fronteira com a Turquia. Naquela época, o conflito ainda não havia chegado à situação atual.

Mas eu não me adaptei. Chorava todos os dias. Decidi, então, voltar para a Síria sem avisar à minha família. Eles ficaram muito bravos.

Bombas na portanovibet emailcasa

Alguns meses depois, o conflito se intensificou. Morávamosnovibet emailuma casanovibet emailoito quartosnovibet emailum bairronovibet emailclasse média alta. Meu pai havia sido parlamentar, mas abandonou a ocupação por discordar com os rumos da política local. Ele decidiu montar um supermercadonovibet emailfrente à nossa casa. Além disso, tinha alguns imóveis alugados. Vivíamos confortavelmente. Éramos 'ricos' para os padrões locais.

Mas, pouco a pouco, a guerra começou a se aproximar da gente. As bombas começaram a cair na nossa porta. Perdi alguns dos meus melhores amigos. Um deles lutava a favor do governo e o outro fazia parte da resistência. A política conseguiu nos separar.

Crédito, Arquivo pessoal/Hadi Bakkour

Legenda da foto, Hadi com amigos na Síria; nenhum deles permaneceu no país

Em Aleppo, guardadas as devidas diferenças, vivíamos um estilonovibet emailvida ocidental. Apenas mulheres que circulavam pela medina (cidade antiga), por exemplo, usavam o véu. O restante usava até calças apertadas.

Eu não era religioso. Às vezes, ia à mesquita às sextas-feiras. Mas até tomava bebida alcóolica (o consumo é proibido pelo islamismo). Embora tenha sido criado como muçulmano, hoje me considero ateu.

Antes da guerra, a cidade era rica, cheianovibet emailatrações culturais. Estragaram tudo. Não havia um mendigo sequer na rua. E pessoasnovibet emaildiferentes religiões ─ judeus, muçulmanos e cristãos ─ viviamnovibet emailrelativa harmonia. Era só não falarnovibet emailpolítica.

O meu pai, inclusive, escreveu um livro sobre a história dos judeusnovibet emailAleppo. O sonho dele é vê-lo publicado.

Retorno ao Brasil

Decidi, então, sair novamente da Síria, pela segunda vez, e sem previsãonovibet emailretorno.

Peguei um ônibus apenas com a roupa do corpo e uma mala pequena rumo ao Líbano. Uma viagem que levaria algumas horas acabou durando três dias. Tivenovibet emailmudar o trajeto para evitar passar por postosnovibet emailcontrole do (grupo autodenominado) Estado Islâmico. Como moravanovibet emailum bairro controlado pelo governo, se eles (militantes) vissem meu endereço, me matariam.

Fui bem vestido porque sabia que isso talvez facilitasse minha entrada.

Na fronteira, vi situações muito tristes. À minha frente, por exemplo, um homem visivelmente humilde teve a entrada negada pelos militares. Ele ouviu: "Volte amanhã". É o que mais acontece. São famílias inteiras desesperadas para fugir do conflito.

Mas eu tive sorte.

Chegando ao Líbano, fui até o consulado brasileiro e dei entrada no visto para viajar ao Brasil (desde 2013 o governo brasileiro mantém uma política que facilita a concessãonovibet emailvistos a refugiados sírios). Dois meses depois, embarquei rumo ao Rionovibet emailJaneiro via Dubai.

Crédito, Arquivo pessoal/Hadi Bakkour

Legenda da foto, Hadi com o pai, Huda, na Síria; família moravanovibet emailcasanovibet emailoito quartos

Dessa vez, queria ficar no Brasil. E acredito que, por causa disso, aprendi português rápido. Em pouco menosnovibet emailum ano, avancei cinco níveis.

Fui morar com o meu irmão, que estuda Química na UFRJ. Ele morava no campusnovibet emailuma quitinete com a namorada. Mas pouco tempo depois não tínhamos mais dinheiro para pagar pela moradia. Ele decidiu morarnovibet emailuma barraca no meio do campus e eu fui buscar abrigonovibet emailuma igreja na Zona Sul do Rio.

Vida como ambulante

Pouco tempo depois, consegui um emprego. E com a bolsa que o meu irmão recebe da universidade, além das aulas particularesnovibet emailárabe que ele dá, conseguimos alugar um apartamentonovibet emaildois quartos na Ilha do Governador. Resolvemos, então, trazer meu pai,novibet email80 anos, para o Brasil. Meus amigos o ajudaram a sair da Síria.

Foi muito difícil. Imagina um homemnovibet email80 anos deixando para trás tudo o que construiu para morarnovibet emailum novo país sem nenhum dinheiro. Hoje, passamos por dificuldades financeiras. Mas eu e meu irmão tentamos evitar demonstrar qualquer tristeza.

Acabei deixando o meu emprego para cursar Direção Teatral na UFRJ. Passei a vender esfihas e pastas como ambulante perto da Prefeitura do Rio. Não tenho licença para atuar. Mas não tenho outra escolha. Ou eu fico aqui ou eu morro.

Desespero

Às vezes, bate o desespero e eu choro. Outro dia uma outra ambulante me viu chorando e veio me abraçar. O brasileiro é um povo muito acolhedor.

Trabalho durante o dia e estudo à noite. Volto para casa e começo a fazer a comida que venderei no dia seguinte. Vou dormir todos os dias exausto. Até prefiro porque não me dá temponovibet emailchorar. Evito deitar sem estar com sono. Quero dormir rápido para não ficar pensando nas minhas memórias.

Agora, estamos tentando trazer minha mãe para o Brasil. Ela ficou na Síria. É muito difícil para uma mulher muçulmana deixar a casa e a família ─ ela tem uma filha do primeiro casamento. Se foi difícil para mim deixar a nossa casa, imagina para ela. Além disso, sabemos que, nas atuais circunstâncias da Síria, perderemos nossa casa se a deixarmos para trás.

Ser refugiado é ser uma pessoa perdida. Você chega a um país que não conhece. Você não entende a língua. Você não sabe se locomover. Tudo é um desafio. Você está perdido. E à procuranovibet emailuma nova vida.

Diferenças culturais e estigma

A cultura síria é bem diferente da brasileira. Lá, antes da guerra, se alguém gritava por socorro, todo mundo corria para ajudar. Aqui todo mundo corre para fugir.

Não quero dizer que as pessoas não se ajudem aqui. Mas quando alguém pede por socorro, é porque há perigo envolvido. E se você ajuda, está dando valor à almanovibet emailum completo desconhecido.

Crédito, Arquivo pessoal/Hadi Bakkour

Legenda da foto, Hadi durante o inverno na Síria; ele fala português fluentemente

Apesarnovibet emailo brasileiro ser um povo acolhedor, acho que ainda é muito desunido. Não há uma vontade coletiva para mudar o que está ruim. Noutro dia, entreinovibet emailum ônibus e vi que a passagem havia aumentado. Falei para o motorista: "Seu ônibus é antigo, não tem ar condicionado e seus pneus estão carecas. O que justifica esse aumento?".

Os passageiros retrucaram me vaiando e me chamandonovibet email"vagabundo".

Se todo mundo deixarnovibet emailpegar transporte público por um único dia, a empresa vai falir. Mas ninguém quer perder para ganhar depois. É uma mentalidade egoísta e individualista.

Estou falando isso porque me considero brasileiro e quero lutar pelo Brasil. Se não tivesse amor por esse país, não ficaria bravo. Sinto as dores do povo.

Aqui,novibet emailmaneira geral, não sofro o mesmo estigma do quenovibet emailoutros países por ser muçulmano. Fico feliz por isso.

Mesmo assim, há algumas pessoas que me acusamnovibet emailser "homem-bomba".

Nesta semana, por exemplo, estava passando muito mal e fui ao hospital. Quando a enfermeira viu meu nome, me perguntounovibet emailonde eu era. E ao responder 'Síria', ela me pediu para levantar a camisa para ver se eu não estava carregando nenhuma 'bomba'.

Apesar do tomnovibet emailbrincadeira, eu não gosto. É uma visão distorcida.

Futuro

Escolhi fazer teatro porque acredito ser o melhor caminho para a mudança social.

Espero um dia poder voltar à Síria e colocarnovibet emailprática o que aprendi aqui. Acho que o Brasil tem muito a aprender com a Síria e vice-versa.

Quero me tornar um ator conhecido e poder transmitir minhas ideias ao público. E, sem dúvida, transformar meu país.