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Os brasileiros que foram separados à forçapais com lepra e lutam por reparação:
A regulamentação dos leprosários aconteceu na década1920, com a criação da InspetoriaProfilaxia e Combate à Lepra e Doenças Venéreas. Estes espaços passaram a ser organizados como uma cidade, com escolas, praças, dormitórios, refeitórios e até delegacias, prisões e cemitérios. Chegaram a existir cerca40 leprosáriostodo o Brasil.
Em 1949, o isolamento forçado dos hansenianosleprosários virou lei federal, que vigorou até 1986.
A legislação permitia separar os filhos dos pacientes que engravidassem dentro das colônias. Ainda bebês, eram enviadoscestos à educandários e preventórios, espéciecrechesfilhos considerados órfãos, mesmo tendo pais vivos.
Helena eirmã, a única parente que conhece, foram enviadas, no dia do nascimento, a diferentes educandáriosSão Paulo e, depois, a Carapicuíba, cidade da região metropolitava da capital paulista.
"Havia um homem que se dizia meu tutor. Ele explicou que meus pais não poderiam cuidarmim porque estavam doentes", conta.
Segundo ela, esse mesmo homem passou a deixá-lacasasdiferentes famílias, onde tinhatrabalhar como empregada doméstica e com frequência sofria violência e discriminação.
Com 13 anos, Helena resolveu fugir da casaque vivia. "Fiz amizade com a vizinha,maneira escondida. Essa mulher me disse que, se um dia eu quisesse fugir, ela me daria abrigo. Então eu liguei para ela e disse 'eu não aguento mais'", lembra.
No dia combinado, Helena acordou antes da família e, carregando a certidãonascimento e um ursinhopelúcia, pulou o portão.
"O ursinho ficou para trás, enroscado no portão. Mas corri o máximo que pude e consegui chegar na casa da mulher."
Até passou alguns anos fugindo do Estado. "Ligavam para essa mulher e faziam ameaças. Quase todo dia tinha um carro parado na rua, observando a casa. Eu nunca podia sair. Quando completei 18 anos, foi o dia mais feliz da minha vida. Eu estava livre."
Separação entre pais e filhos
Maioridade, Helena começou a pesquisar o seu passado. Em 2011, conheceu o MovimentoReintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase, o Morhan, e se deu conta que fazia parte dos 40 mil bebês que foram separadospacientes, segundo dados estimados pela SecretariaDireitos Humanos da Presidência da República.
No casoEloísio Ermelindo da Silva,48 anos, filhoum casal interno da colôniaPirapitingui, a quebra dos laços familiares o levou a ser moradorrua por 25 anos.
"Horas depoisnascerItu, fui encaminhado para uma crecheSão Paulo e fiquei lá até os seis anos, sem ter contato nenhum com meus pais", conta.
Ao receberem alta, os paisErmelindo conseguiram sair da colônia e foram morar com os filhos. Depoisse separarem, contudo, a mãeErmelindo, por não conseguir se reintegrar à sociedade, voltou para a colôniaPirapitingui, onde vive até hoje.
"Meu pai foi morar com outra mulher e os filhos. Com a morte dele, minha madrasta não me quis mais. Fui morar na rua e depoisum orfanato, onde só podia ficar até os dez anos", lembra.
Aos 14 anos, Ermelindo foi encaminhado para a Febem e lá viveu até os 18 anos. Liberado, passou a viver como moradorrua na Praça da Sé.
"Eu lia os jornais na praça e,2011, descobri que existia o Morhan e que eles fariam uma audiência públicaSorocaba para os filhos separados."
Ermelindo conseguiu irSão Paulo para Sorocaba, catando papelão e pedindo carona, e se apresentou aos membros do Mohran. "Artur [coordenador do Mohran] me recebeu e me deu dinheiro para comer naquele dia. Desde então, eu venci a cocaína, saí das ruas e tenho minha casinha."
Memória da dor
Tanto Ermelindo como Helena fazem parte do Mohran e lutam para que suas histórias e asseus pais não sejam esquecidas.
"Hoje estou fazendo um projeto com o governo, o 'Visitando a colônia',que visitaremos todas as colônias do Brasil", conta o ex-moradorrua. "Existe muito filho com sequela mental e muito filho que nem sabe dahistória, que foi vendido inclusive para fora do país. É por tudo isso que o governo precisa ser responsabilizado."
Em 2010, os filhos separados dos pais se reuniram para discutir uma propostaindenização pelo preconceito e perdas dos vínculos familiares que sofreram, assim como o direito a tratamento psicológico e o reconhecimentocrime pelo Estado.
O grupo pede urgência na ação do governo por se tratarpessoas com idades entre 50 e 80 anos. Segundo o coordenador nacional do Morhan, Artur Custódio, há um anteprojetolei, que ainda não foi enviado ao Congresso.
Os leprosários brasileiros
O primeiro leprosário surgiu no Brasil na época colonial,1714, no Recife. A partir daí, os estados que mais concentraram grandes colônias foram São Paulo e Minas Gerais.
"Como havia o desconhecimento nas formastransmissão e mecanismoscontrole, o primeiro ato foi a proibição do contato do paciente com o não paciente. Isso perdurou por muitos anos", conta a historiadora Laurinda Rosa Maciel, consultora do Ministério da Saúde para assuntos sobre a história da hanseníase no Brasil.
"O que se esperava era que, à medidaque a ciência e a indústriamedicamentos avançassem, essas barreiras caíssem, mas todas as mudançasmentalidade são muito demoradas", explica
Segundo o sociólogo Luiz AntonioCastro Santos, professor aposentado do InstitutoMedicina Social da Universidade do Estado do RioJaneiro (Uerj), a solução do governo para controlar a hanseníase no século 20 se deu no campo da "polícia médica".
Isso, diz, consistia no trabalhoinspetoressaúde que eram treinadosdetectar possíveis portadores e isolavam os doentes, ou aparentemente doentes,maneira impositiva - tudo para eliminar o suposto riscocontaminação.
"A lepra surge como 'questãoEstado' e é declarada políticaasilo e institucionalização dos enfermos desde 1902", explica o sociólogo. "Era uma leitura que conduzia a medidasexcessiva precaução e policiamento dos corpos e relacionamentos do paciente."
Trauma
Em 1940, Nivaldo Mercurio foi internado arbitrariamente no Asylo Colônia Aymorés,Bauru, hoje um importante hospitaldermatologia.
Anos antes, seus pais e irmãos já haviam sido mandados para diferentes leprosários. Alémse separar da família, Nivaldo, hoje com 90 anos, lembra que o DepartamentoProfilaxia mandou queimar a casaque viviam - e com todos os pertences.
A experiênciater vividoum leprosário foi tão traumática que, no diarecebeu alta, Nivaldo ficou mudo por 31 anos. Um dos poucos ex-pacientesleprosário ainda vivos no Brasil, o aposentado nunca mais conseguiu se reintegrar à sociedade por causa do preconceito e vive até hojeuma casa dentro da áreaque era a colônia.
A exemplo do relato dele, há muitos depoimentosestudos e entrevistaspacientes dos leprosários que comparam esses lugares a "camposconcentração".
Mas, para a especialista Laurinda Maciel, a comparação deve ser evitada.
"Não podemos analisar a criação dos leprosários euma política excessivamente rigorosa sem, antes, compreenderque tempo,que sociedade eque homens estamos falando. Não podemos, com os olhoshoje, quando sabemos ser uma doençabaixa contagiosidade elonguíssima incubação, julgar ações dos homens no passado", afirma.
O sociólogo Luiz AntonioCastro Santos lembra que leprosários existiramoutros países no mesmo período.
"Nos DiáriosMotocicleta,1952, o então estudantemedicina Che Guevara e seu companheiro relatam a visita a um leprosário no Peru. Escreveu Che: 'sentamos ao seu lado, jogamos futebol com eles. O benefício psicológicoessas pobres pessoas serem vistas como seres humanos normais é incalculável e o riscoser contaminado, incrivelmente remoto'."
Até hoje, não existem números oficiais precisos que informem quantos pacientes passaram pelas colôniasleprosários, assim como o númerofilhos que foram separadosseus pais.
Boom na Era Vargas
Entre 1920 e 1950, foram inaugurados quarenta asilos-colôniastodo o Brasil - 80% deles foram criados no governoGetúlio Vargas.
Segundo Laurinda Maciel, o governo do então presidente foi o primeiro a criar um Ministério da Saúde. Antes, os problemas coletivos da área eram tratados pelo Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
"Até 1930, o Brasil não era federativo e cada Estado ou região, a dependerseus desejosinvestir mais ou menos nas questõessaúde, tinha liberdade para tal", explica Laurinda.
A pesquisadora conta que os investimentos não eram feitos no combate à hanseníase até a década1920 por ela não ser uma doença epidêmica.
"A hanseníase era uma doença endêmica. Ou seja, é aquela doença devagar e sempre, e ninguém morre dela, mas morrefebre amarela ou varíola, que são epidêmicas."
A cura da hanseníase no mundo foi descoberta na década1940. "Mas obviamente essa cura é muito controversa: havia casosrecidiva, a potência destes medicamentos não era tão precisa e seus efeitos também eram controversos", explica.
A mudança no tratamento do hanseniano, na forma ambulatorial empregada até hoje, somente se daria no Brasil na década1980, quando passou a empregar a poliquimioterapia, que consiste no uso combinatóriotrês medicamentos, a depender do caso.
Masacordo com Castro Santos, o avanço no tratamento do hanseniano não promoveu, até hoje, a erradicação da doença no Brasil, principalmente nos estados do Norte. Ele aponta como razão o preconceito associado à hanseníase, a exemplo do que ainda ocorre com os portadoresvírus como o HIV e vítimasmales como a tuberculose.
"Estigmatizados, inclusive pela família, os portadores do bacilo da hanseníase não buscam tratamento, ou o abandonam. Portanto, se faz necessária a presença constanteprogramaseducaçãosaúde que tornem a prevenção e a superação do estigma pontos centrais nas campanhas", afirma o sociólogo.
A maior mudança no tratamento dos hansenianos a partir da década1980, para Luiz Antonio, se deu com a retirada do caráter policial ao problema da lepra - alémdiscriminado, o portador do bacilo era criminalizado.
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