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Por que empresária decidiu contratar presos para bordarGoiás:
E há uma listaesperainteressadosparticipar.
O projeto, que trabalha com técnicas e motivos tradicionaisbordado da região, recebeu o prêmio máximo do Iphan (InstitutoPatrimônio Histórico e Artístico Nacional) e Milena tornou-se a primeira mulher do Estado a ganhar o troféu ouro do Sebrae (Serviço BrasileiroApoio às Micro e Pequenas Empresas) para mulheres empreendedoras.
A contrataçãopresos não é novidade. No Brasil, aproximadamente 116 mil dos 662 mil presos trabalham, segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional). Destes, pelo menos 42 mil ocupam vagas criadas por empresas privadas.
Mas Milena acredita que seu projeto pode inspirar outros pequenos empresários.
"Eu não estou lá porque sou boazinha ou porque tenho dópreso. Não sou da pastoral carcerária. O que me levou ao presídio foi saber que eles teriam tempo disponível. Eu precisava da mãoobra e eles são comprometidos (com o trabalho), é uma troca", afirma.
"Sou microempresária. Por isso, só tenho direito a assinar a carteiraum funcionário. Para contratar mais pessoas, precisaria ter uma empresa grande. Como não tenho, só poderia pagar, por peça, pessoas que tivessem o bordado como atividade secundária. Elas não teriam o tempo necessário para fazer o trabalho."
Produtos 'de luxo'
A "troca" significa que os homens e mulheres encarcerados recebemacordo com o tipopeças que bordam, e ganham,média, R$ 50 por semana.
Segundo o Depen, a legislação brasileira permite aos presos serem contratadosdiversas modalidades, incluindo pela própria LeiExecução Penal, que deixa a empresa contratante livreencargos patronais.
Além disso, o bordado garante remissão da pena - eles ficam um dia a menos na cadeia para cada três diastrabalho.
"Quando comecei o projeto, não tinha muita noçãocomo a remissão funcionava. Comecei por instinto e porque precisavagente com tempo para se dedicar ao trabalho. As presas é que me cobraram isso (a remissão)", relembra.
Um acordo com a Justiça local também permitiu que o pagamento fosse feito diretamente aos detentos.
"Temos um presídio pequeno, que deveria sercaráter provisório, mas se transformoulocalcumprimentopena. Por isso foi possível pagá-los diretamente", explica Edivar da Costa Muniz, promotorJustiça do Ministério Público, que acompanha o projeto desde o início e ajudou a regularizá-lo.
"Em presídios maiores, se abre uma conta-poupança no nome desse detento para que ele possa levantar o dinheiro quando sairlá ou para que a família tenha acesso."
De acordo com a lei, o Estado deve fornecer aos presos alimentação, vestimenta e produtos básicoshigiene. Por causarestrições orçamentárias, no entanto, isso muitas vezes não acontece.
O trabalho na cadeia permite que as famílias dos próprios detentos - ou associaçõesauxílio como a Pastoral Carcerária, da Igreja Católica - possam comprar para eles itensnecessidade básica como absorvente, no caso das mulheres, ou xampu.
"Um deles me escreveu dizendo que o bordado proporciona para ele produtos'luxo' na cadeia: creme dental, coposuco", diz Milena.
"E muitos também mandam dinheiro para fora. Ao invésas famílias os manterem lá dentro, eles mesmos podem se manter ou ajudar suas famílias."
'Escolabordado'
Uma notícia sobre uma mulher que fazia trabalho artesanalum presídio feminino deu a Milena a ideiarecrutar detentas como mãoobra.
Naquele momento, o presídio femininoGoiás Velho tinha cinco mulheres presas, a maioria por tráfico.
"Eu disse a elas que estava trabalhando com uma produçãoroupa bordada e precisavapessoas. Elas disseram que não sabiam bordar e eu disse que ensinaria. Toparam na hora", relembra.
"No outro dia, fui com minha mãe pra dentro da cadeia e fizemos uma oficinaquatro horas."
Segundo Milena, o novo trabalho fez diferença na vida das detentas, que antes "ficavam o dia inteiro escrevendo cartas para a família e criando confusão".
"Com o bordado, elas ficaram até mais amigas, porque tinham o que dividir. E passaram a ter renda para cobrir as despesas. Se querem um xampu, um absorvente, uma tinta para passar no cabelo, conseguem comprar."
Duas das mulheres foram presas junto com seus maridos, que ficavam na ala do pequeno presídio dedicada aos homens. Uma vez por semana eles tinham direito a visitas íntimas que, surpreendentemente, usaram para bordar.
Dentro do setor masculino, a escolabordado cresceu sem que Milena emãe interferissem. "As mulheres ensinaram aos maridos e os homens passaram uns para os outros. No fim das contas, nunca precisei capacitá-los."
"Agora temos uma listaespera para os que querem entrar no projeto. Não dou contadar serviço a todos. É bem concorrido lá dentro", diz.
Ledney Dorian Cordeiro Mendonça, ex-carcereiro e agora diretor da Unidade PrisionalGoiás, afirma que o trabalho melhorou o comportamento dos presidiários, mas critica o fatoque, quando saem da prisão, não são automaticamente empregados por Milena.
"Acho que para a execução da pena do preso, o projeto soma, sim. Eles se ocupam daquilo e não querem perder o benefício. Então acabam desenvolvendo sensoresponsabilidade, assumindo um compromissorelação à atividade", avalia.
"Mas o impacto social é quase irrisório, porque não há uma oficina extra-muro para eles. Acho que o projeto peca ao não ter uma continuidade fora da cadeia."
A empresária afirma, no entanto, que o tamanhosua empresa determinaria que, para contratar mais pessoas fora da cadeia, teriadeixarcontratar asdentro.
"A função do projeto sempre foi atendê-los quando eles estão lá dentro. Quando saem, podem buscar outras oportunidades. Quem está na prisão é que não pode", diz.
"Nem todos eles vão viver do bordado ao saírem, é verdade. Mas quando ele sairem, pode ser que reflitam sobre terem vivido do próprio trabalho na cadeia."
Vínculo
Apesarafirmar que "não tem dópreso", Milena admite que foi "mais sentimental"relação aos detentos no início do projeto. Mas um episódio mudouvisão.
"Teve uma vezque a polícia entrou na cadeia e danificou o trabalho deles, rasgou algumas peças. E eles queriam me pagar as peças e eu disse: 'De jeito nenhum'", relembra.
"Fui até a juíza chorando, emocionada, e ela me lembrou que estava lidando com presos. Depois, uma detenta me disse que eles haviam escondido um chiptelefone celular debaixo dos bordados."
Depois disso, diz Milena, percebeu que era importante manter uma relação apenas profissional com os condenados.
"Não pode chegar muito boazinha, muito caridosa não, porque tem os que abusam, todo dia querem uma coisa", afirma.
Em alguns casos, no entanto, é inevitável criar um vínculo. Pelo menos dois detentos tornaram-se seus amigos e continuam ligados ao Projeto Cabocla.
Mas a amizade mais surpreendente talvez seja a que cultiva com o norueguês Carsten, preso após espancar e torturar uma mulher que Milena conhece.
"Por um tempo, tive medo, fugia dele, e quando eu vi ele estava no projeto. Mas hoje abrandei o coração. A gente tem que repensar os conceitos."
Empolgado com o projeto, que diz ter contribuído para que ele aprendesse português, ele escreve cartas e até letrasrap sobre o tema, que envia a Milena.
"Não existe ensinamento sem o aprendizado. Com eles, o que mais aprendi é que ninguém é melhor do que ninguém. Na situaçãoque eles estão hoje, qualquer um pode estar futuramente", diz a empresária.
"Se hoje eu tenho uma produção que tem qualidade, essa produção vem deles. Da mesma maneira que eu preciso deles, eles precisammim."
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