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Conflito Israel-Hamas: De onde vêm as interpretações religiosas para a guerra? :esporte bet ios
Mas estas profecias não são o único aspecto religioso que busca explicar o conflito que já deixou milharesesporte bet iosmortos e feridos dos dois lados, entre eles, crianças, idosos e mulheres.
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No próprio cerne da guerra estão crenças e locais sagradosesporte bet iosjudeus, muçulmanos e também cristãos.
A seguir, entenda os principais elementos citados por quem classifica o conflito como religioso – no qual o território sagrado é disputado “até as últimas consequências” – e o que diz quem recusa a interpretaçãoesporte bet iosque a disputa seja principalmente religiosa, destacando aspectos territoriais e políticos.
'Profecias não morrem': Ezequiel e Apocalipse
Uma toneladaesporte bet ioscocaína, três brasileiros inocentes e a busca por um suspeito inglês
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Fim do Novo podcast investigativo: A Raposa
Sobre a visãoesporte bet iosque a guerra seria o descrito no livroesporte bet iosEzequiel, o teólogo e historiador Gerson Leiteesporte bet iosMoraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que é preciso cautela com a noçãoesporte bet iosque trechos da Bíblia possam ter antecipado eventos atuais.
"Quando há o elemento da profecia, é preciso entender que elas têm uma dimensão para atender a uma necessidade imediata [do tempoesporte bet iosque foram feitas]", diz. "Como elas trazem o arcabouçoesporte bet iosuma narrativa mais universal, elas acabam persistindo no tempo."
Por isso, profecias bíblicas muitas vezes soam como se funcionassem para expectativas futuras. "Então, as profecias não morrem, ficam existindo no tempo. Cumpriram uma funçãoesporte bet iosum presente imediato, mas, devido àesporte bet iosestrutura, podem ser ressignificadas, requentadas e trazidas novamente para qualquer outro momento da história."
"Deixemos claro que, na tradição hebraica, textos proféticos não versam sobre o futuro", afirma o teólogo e cientista da religião Andrey Mendonça, professor na Escola Superioresporte bet iosPropaganda e Marketing (ESPM). "Os profetas eram pessoas enviadas por Deus para chamar a atenção aos desvios dos mandamentos da Torá, ao arrependimento e ao retorno ao caminho da justiça."
"Não há ligação teológica, com base na tradição, seja judaica, seja cristã, entre textos sagrados da tradição hebraica e a eventos futuros, numa visão apocalípticaesporte bet ios'fim dos tempos'", diz.
Guerra religiosa?
Mas a atual guerra pode ser chamadaesporte bet iosreligiosa? Moraes e Mendonça dizem que sim. Já o historiador, hebraísta e rabino Theo Hotz pede mais cuidado. Ele também apresenta o podcast Torá com Fritas que é definido como "uma conversa entre amigos sobre temas relacionados ao judaísmo - cultura, religião e história".
Moraes diz: "É uma guerra religiosa. É uma guerra maniqueísta, onde cada um dos lados se considera representante do bem, cada um se considera imbuídoesporte bet iosuma missãoesporte bet iosseu deus e, portanto, neste pacote da missão está [a necessidade de] ocupar a terra e eliminar aquele que impede ou que é um obstáculo àesporte bet iosliberdade religiosa, àesporte bet iosexistência".
"Diante disso, não há a menor dúvidaesporte bet iosque é uma guerra religiosa."
Mas o teólogo complementa: a religião não é a única motivação. "Há outros elementos: econômicos, políticos, sociais. Mas a fagulha, aquilo que alimenta inicialmente, que enche os homensesporte bet iossentimentos nobresesporte bet iosmartírio,esporte bet iosdarem suas vidasesporte bet iosnomeesporte bet iosuma causa, esse sentimento é religioso", diz.
Segundoesporte bet iosanálise, o elemento religioso é a força mais mobilizadora nesse contexto, "o combustível", trazendo outros elementos "a reboque".
"Aí nem precisaesporte bet iosmuita justificativa para poder existir [a guerra], porque as explicações existem por si só", argumenta, citando ideias como lutar "pela ancestralidade, pela tradição, pelo 'meu deus', pelas coisas sagradas".
Mendonça acredita que, ao menos no estágio atual, "não há como dissociar as questões religiosas" deste conflito. Mas ele elenca que outros fatores também fundamentam a guerra, além da história e da religião. "Há questões geopolíticas, interesses imperialistasesporte bet ioscontroleesporte bet iosterritórios estratégicosesporte bet iosjogo."
Já o historiador Theo Hotz é um crítico dessa leituraesporte bet iosque o conflito sejaesporte bet ioscunho religioso. "A guerra não é religiosaesporte bet iossi mesma. É uma guerra territorial eesporte bet iossobrevivência, para ambos os lados", diz.
"O elemento religioso é minoritário, mas é bem maior do lado do Hamas [grupo extremista islâmico], que é um grupo religioso fundamentalista no governo da Faixaesporte bet iosGaza", afirma.
"O exército israelense, no entanto, não se vê nem se define como um exército religioso, além do fatoesporte bet iosque religiosos ultraortodoxos não servem no exércitoesporte bet iosIsrael", acrescenta o historiador.
Para Hotz, o "conceito equivocadoesporte bet iosguerra religiosa na região" reverbera porque "é reiterado constantemente pelo Reino Unido" desde tempos atrás — e aqui ele mencionou, no texto enviado à reportagem, a BBC, como um dentre os veículosesporte bet ioscomunicação que, segundo ele, corroboram historicamente essa narrativa.
Sua análise parte da história da região no século 20. Era o Reino Unido quem administrava o território imediatamente antes da criação do Estadoesporte bet iosIsraelesporte bet ios1948. Com a partilha do Império Otomano, a partiresporte bet ios1920 aquela área estava sob a tutelaesporte bet iosuma entidade chamada Mandato Britânico da Palestina, que operou por 28 anos.
Segundo Hotz, já desde a crise do Império Otomano, houve o surgimento “de muitos movimentos nacionalistas na região, todosesporte bet iosfundo político”. Dentre eles, aquele que seria chamadoesporte bet iossionismo, ou seja, “um movimentoesporte bet iosemancipação política judaica e estabelecimentoesporte bet iosum lar nacional para o povo judeu”, formado majoritariamente por judeus que viviam na Europa. “Não há um único rabino entre os teóricos da formação do movimento”, destaca o historiador, ilustrando que isto demonstra o caráter não religioso do sionismo. “O adventoesporte bet iosreligiosos sionistas é tardio. E os poucos rabinos que pessoalmente se tornaram seguidores do sionismo o fizeram por visõesesporte bet iosmundo políticas, não essencialmente religiosas.”
O historiador reconhece que “elementos religiosos vão sendo incorporados ao conflito”, mas enfatiza que eles “não são a origem do conflito”.
Com a queda do Império Otomano, os britânicos assumiram o controle da região. “[Foi] o Mandato da Liga das Nações para governar por 30 anos o que hoje é o Iraque e a região geográfica palestina, que inclui as atuais Jordânia, Israel, Cisjordânia e Gaza”, contextualiza.
Hotz recorre a dois conjuntosesporte bet iosdocumentações para mostrar como a postura do Reino Unido foi dúbia: a McMahon-Hussein Correspondence e a Declaração Balfour, ambas da Primeira Guerra Mundial. De um lado, houve o compromisso britânicoesporte bet ios“apoiar e reconhecer a independência árabe na palestina”. De outro, “a criaçãoesporte bet iosum lar nacional para o povo judeu na região geográfica da palestina”.
“Os britânicos prometeram a mesma coisa para os dois povos”, argumenta Hotz.
Assim, o mandato exercido na região já começou sob forte pressão. Em 1922, a Transjordânia foi elevada à condiçãoesporte bet iosreino vassalo do Império Britânico, tornando-se Emirado da Transjordânia. “Nesse momento, os judeus entenderam que ‘um reino árabe havia sido criado’ do lado oriental, logo era questãoesporte bet iostempo até que o lar nacional judaico fosse estabelecido no lado ocidental”, explica o historiador.
O conflito entre os dois povos escalouesporte bet iosvez. E os britânicos, no meio disso tudo.
É difícil diminuir o peso da religião ao explicar disputas territoriaisesporte bet iosuma região onde se localiza a cidadeesporte bet iosJerusalém, sagrada para as três religiões abraâmicas. Para judeus, foi ali que Salomão ergueu o templo a Javé. Para cristãos, foi ali que Jesus morreu e ressuscitou. Para os muçulmanos, foi a partir dali que Maomé ascendeu aos céus.
Hotz entende que a Europa tende a enxergar o judaísmo meramente como uma religião. “O povo judeu temesporte bet iosorigina civilizacional na Idade Antiga e desenvolveu várias coisas, entre elas uma religião”, afirma. “Com a perda da soberania judaica na região, lá na época do Império Romano, e com a dispersão desse povo por toda a Europa, as várias características desse povo acabaram diminuídas. O povo judeu acabou sobrevivendo só por causa da prática religiosa, por isso tantos entendem judaísmo como religião apenas.”
“É uma situação ampla, mas o conflito não é religioso emesporte bet iosbase. Tem elementos religiosos, mas eles não são,esporte bet ioslonge, a origem do conflito”, defende ele.
Era templo, agora é mesquita
O que leva a um ponto oficialmente alegado pelo grupo Hamas como justificativa para os primeiros ataques a Israel: o que o grupo diz ser uma suposta “profanação” da mesquitaesporte bet iosAl-Aqsa, localizadaesporte bet iosuma colina no coração da cidade velhaesporte bet iosJerusalém.
A questão é que o local é sagrado tanto para muçulmanos quanto para israelenses.
Segundo a tradição judaica, foi exatamente ali que foram construídas as duas versões do Temploesporte bet iosJerusalém, onde ficava a chamada Arca da Aliança, que guardava os mandamentos dados por Deus a Moisés. Após ter sido destruído e reconstruído no ano 515 a.C, o templo foi novamente destruído pelos romanos no ano 70 d.C.
No século 7, a mesquitaesporte bet iosAl-Aqsa foi erguida ali, concretizando a ideiaesporte bet iosque é um local sagrado também para o Islã. Segundo os adeptos dessa religião, foi a partir dali que o profeta Maomé foi levado aos céus.
Toda a Esplanada das Mesquistas, onde está a Al-Aqsa, é controlada pela Jordânia, por meioesporte bet iosuma organização chamada Waqf —esporte bet iosJerusalém, dirigida por um conselhoesporte bet ios18 membros nomeados.
“O Waqf permite a entradaesporte bet iosnão muçulmanos na esplanada, fora dos horários islâmicosesporte bet iosreza, mas não é possível acessar o interior dos edifícios”, explica Hotz.
E daí que acabaram ocorrendo as alegadas profanações, no entendimento do Hamas. “De vezesporte bet iosquando, grupos nacionalistas religiosos judaicos tentam subir ao local para rezar ali, o que sempre desperta conflitos e causa distúrbios no local. Muitas vezes o Waqf aciona a polícia israelense, ou o exército, para conter os conflitos.”
Hotz ressalta que o Rabinato Centralesporte bet iosIsrael “proíbe terminantemente a ascensãoesporte bet iosjudeus” à esplanada. “Mas esses grupos o fazem mesmo assim”, pondera.
“De um lado, houve ali dois templos (judaicos) muito antigos que foram demolidos. De outro, o Islã entende que aquele lugar é sagrado. São duas interpretações sobre o mesmo espaço: tudo vira motivo para conflito”, sintetiza Moraes. “Quem tem razão? É muito difícil arbitrar um processo como este, porque é uma terra disputada palmo a palmo há muitos séculos. Mas o elemento religioso acaba sendo determinante para o comportamento aguerrido.”
“Movimentos fundamentalistas e extremistas existemesporte bet iostodas as religiões. O grupo terrorista Hamas […] entende que a presençaesporte bet iosmulheres, estrangeiros, judeus e todas as pessoas que não professam aesporte bet ioscrença e estiloesporte bet iosvida na mesquitaesporte bet iosAl-Aqsa […] estariam profanando o local”, diz Mendonça.
A 'terra prometida'
No fundo, a raiz dos conflitos está no fundamento, para os praticantes dessas religiões,esporte bet iosque a atual Israel e a região da Palestina histórica seriam terras sagradas. Mas os estudiosos dizem que é preciso deixar claras as diferenças entre a Israel bíblica e a Israel real e atual.
“Segundo a narrativa bíblica, o próprio Deus prometeu essa terra a Abraão, Isaac e Jacó e seus descendentes. Quando os hebreus, descendentesesporte bet iosJacó, Isaac e Abraão, deixaram seu cativeiro no Egito, 400 anos mais tarde [por volta do ano 1.300 a.C.], estabeleceram-se nessa terra, onde cresceram como um povo, desenvolveram-se como civilização e expandiramesporte bet ioscultura e tradições religiosas”, afirma Hotz.
“Assim que, independentemente da inclinação religiosa, ou não religiosa,esporte bet ioscada judeu ou judia, o fato permanece que neste local teve início a civilização hebraica, o povo judeu”, completa o historiador. “Este povo possui uma história civilizacional comum, alémesporte bet iossua religião, que é apenas parte dessa civilização.”
O teólogo Moraes enfatiza que “Israelesporte bet ioshoje não é igual a da Bíblia” e “este é um erro absurdo que é cometido”.
“Lógico que Israelesporte bet ioshoje tenta manter seus vínculos com a do passado, e a manutençãoesporte bet iostoda essa estrutura narrativaesporte bet iosautoridade reforça o argumentoesporte bet iosque a terra pertence a eles, e por isso eles lutam por ela, e ela foi prometida por Deus”, argumenta.
Ele afirma que “historicamente falando”, a Israel antiga foi interrompida por volta do ano 700 a.C., quando os assírios invadiram a região. “Sobram duas tribos ao sul, e esse reino do sul acaba caindo tambémesporte bet ios586 a.C.”, acrescenta.
Então essa região acabou sendo dominada por diferentes povos: babilônicos, persas, romanos… No anoesporte bet ios135 d.C., os judeus remanescentes ali foram expulsos.
O Estadoesporte bet iosIsrael seria criadoesporte bet ios1948,esporte bet iosum esforço capitaneado pela Organização das Nações Unidas e apoiado por muitos países, logo após o término da Segunda Guerra e o Holocaustoesporte bet iosmaisesporte bet ios6 milhõesesporte bet iosjudeus pelos nazistas. “A própria religiosidade judaica foi mudando ao longo do tempo…há um períodoesporte bet iosquase 2 mil anos [entre a expulsão e o retorno]esporte bet iosque este grupo vive fora da chamada ‘terra prometida’”, situa Moraes.
Hotz, poresporte bet iosvez, diz que “a Israelesporte bet ioshoje é e [ao mesmo tempo] não é a mesma Israel bíblica”. “É a mesma, por se tratar do mesmo espaço geográfico. E não é a mesma pelo fatoesporte bet iosser um Estado emesporte bet iosconcepção moderna, democrático, majoritariamente laico e não exclusivamente judaico”, define.
Berço da civilização
A importância dessa região é ancestral. “O Oriente Médio é o palco do desenvolvimento das primeiras grandes civilizações, também chamadasesporte bet ioshidráulicas porque se desenvolveramesporte bet iostorno dos grandes rios Tigre, Eufrates e Nilo”, afirma Moraes.
Por ali houve uma sucessãoesporte bet iosgrandes potências da antiguidade, como os povos egípcio, sumério, assírio e babilônico. “Quem dominava essa região, dominava o mundo da época”, diz.
Foi nesse cenário que apareceu, como uma novidade, um grupo monoteísta naquele mundo cheioesporte bet iospovos politeístas. “São os descendentesesporte bet iosAbraão, que inauguram essa nova formaesporte bet iosexperimentar a religiosidade", prossegue o teólogo.
“Foi Abraão, essa figura mitológica que, segundo a tradição habitavaesporte bet iosUr, hoje território iraquiano, que teria sido chamado por uma divindade para formar um povo que daria origem a nações e uma forma religiosa, o monoteísmo”, diz o cientista da religião Mendonça.
Séculos mais tarde, com o cristianismo e o islamismo tendo também nascido nessa região —esporte bet ioscerta forma, como desdobramentos do judaísmo — os conflitos se tornaram cada vez mais comuns.
“Dele [do povo formado por Abraão] descenderiam, pela fé, judeus, cristãos e muçulmanos, que influenciaram profundamente o pensamento ocidental”, afirma Mendonça. “Os mitos das tradições monoteístas apontam para aquela pequena faixaesporte bet iosterra onde esses antepassados teriam vivido e experimentado a glória do Deus único.”
“As três tradições, portanto, têm uma ligação histórico-religiosa com a cidade [de Jerusalém]”, corrobora Hotz. “Para os judeus, ela é a capital política estabelecida pelo rei David e, seu templo, centroesporte bet iosperegrinação religiosa estabelecida pelo rei Salomão. Para a cristandade, Jerusalém é o centro das pregações religiosasesporte bet iosJesus, lugar onde foi julgado pelos romanos, morto e sepultado, tendo ressuscitado depois disso, conforme a crença cristã. Para o Islã, Jerusalém é a terceira cidade mais sagradaesporte bet iossua tradição, sendo o lugaresporte bet iosonde, segundo a fé muçulmana, o profeta subiu aos céus.”
“Todavia, as religiões são uma produção humana”, diz o professor Mendonça. “Assim,esporte bet iosvezesporte bet ioscompartilhar o território sagrado, elas o disputam até as últimas consequências.”
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