A jovem que fugiu da Coreia do Norte para encontrar a mãe:

Crédito, BBC/ HOSU LEE

Legenda da foto, Songmi Park, agora com 21 anos, deixou a Coreia do Norte para encontrar a mãe

Escapar da Coreia do Norte é uma ação perigosa e difícil. Nos últimos anos, o líder do país, Kim Jong Un tem reprimido cada vez mais aqueles que tentam fugir.

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Fim do Matérias recomendadas

No início da pandemia, ele fechou as fronteiras do país, tornando Songmi, então com 17 anos, uma das últimas pessoas conhecidas a deixar o país.

Foi a segunda vez que Songmi cruzou o rio Yalu, que separa a Coreia do Norte da China e oferece aos fugitivos a rota mais fácil.

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Fim do Que História!

A primeira vez que ela saiu, foi amarrada às costassua mãe quando criança. Essas memórias ainda doem como se tivessem ocorrido ontem.

Ela se lembrater se escondido na fazendaporcosum parente na China quando a polícia estatal foi procurá-los.

Songmi não esquecesua mãe e seu pai implorando para não serem mandadosvolta. "Envie-me no lugar deles", o parente gritou. A polícia o espancou até seu rosto sangrar.

De volta à Coreia do Norte, ela se lembra do pai com as mãos algemadas nas costas.

E ela tem a imagemestar na plataforma da estaçãotrem, enquanto via seus pais serem transportados para um dos infames camposprisioneiros da Coreia do Norte. Ela tinha quatro anos.

Songmi foi enviada para morar com os avós paternosuma fazendaMusan, uma cidade norte-coreana a meia hora da fronteira chinesa.

Ir para a escola não era uma opção, disseram. A educação é gratuita na Coreia do Norte comunista, mas muitas vezes esperam que as famílias paguem os professores, e os avósSongmi não podiam pagar por isso.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Songmi com seus pais e outros membros da família quando criança

Em vez disso, ela passou a infância vagando pelo campo, procurando trevos para alimentar os coelhos da fazenda.

Ela frequentemente ficava doente. "Não comia muito e, por isso, minha imunidade estava baixa", diz. "Mas, quando eu acordava, minha avó sempre tinha me deixado um sanduíche no parapeito da janela."

Certa noite, cinco anos depois que o trem saiu da estação para o campoprisioneiros, seu pai deslizou delicadamente para a cama e a abraçou. Ela estava muito emocionada. A vida poderia recomeçar. No entanto, três dias depois, seu pai morreu. O tempoque ele ficou na prisão prejudicou asaúde.

Quando a mãeSongmi, Myung-hui, voltou para casa na semana seguinte e encontrou o marido morto, ela ficou com o coração partido e tomou uma decisão impensável.

Ela tentou escapar da Coreia do Norte novamente. Sozinha.

Na manhãquemãe foi embora, Songmi diz que sentiu que algo estava diferente. Sua mãe se vestiamaneira estranha, com as roupas da avó.

"Eu não sabia o que ela estava planejando, mas sabia que, se ela fosse embora, não a veria por muito tempo", diz ela. Quandomãe saiucasa, Songmi foi para baixo do cobertor e chorou.

Os próximos 10 anos seriam os mais difíceis.

Seu avô morreu dois anos depois. A partirentão, ela estava sozinha aos 10 anos, cuidando da avó acamada, sem fonterenda: "Minha família foi sumindo um a um. Foi muito assustador."

Em temposdesespero, se souber o que procurar, as densas montanhas da Coreia do Norte podem fornecer pouco sustento.

Todas as manhãs, Songmi começava a caminhadaduas horas nas montanhas, procurando plantas para comer e vender.

Certas ervas podiam ser vendidas como remédio no mercado local, mas primeiro tinham que ser lavadas, aparadas e secadas à mão, o que significava que ela trabalhava até tarde da noite.

"Eu não conseguia trabalhar ou fazer planos para o dia seguinte. Todos os dias eu tentava não passar fome, tentando sobreviver ao dia."

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Soldado patrulha as margens do rio Yalu, entre a China e a Coreia do Norte

A luta da mãeSongmi

Após viajar por um ano pela China e depois para o vizinho Laos elá para a Tailândia, a mãeSongmi chegou a uma embaixada sul-coreana.

O governo sul-coreano, que tem um acordo para reassentar fugitivos norte-coreanos, a levou para Seul.

Ela se estabeleceu na cidade industrialUlsan, na costa sul. Desesperada para ganhar dinheiro para pagar a fuga da filha, a mulher limpou incansavelmente o interior dos navios, diariamente,uma fábricaconstrução naval.

Fugir da Coreia do Norte é caro. Requer um intermediário que possa ajudar a superar os obstáculos e dinheiro para entregar a quem tentar atrapalhar.

À noite, Myung-hui se sentava sozinha no escuro e pensava na filha, no que ela estava fazendo equando elas se veriam.

Os aniversáriosSongmi eram os mais difíceis. Ela pegava uma boneca do armário e conversava com ela, fingindo que erafilha, procurando uma formamanter viva a ligação entre elas.

Enquanto a mãeSongmi fala sobre o tempoque ficaram separadas, na segurança damesa na cozinha, começa a chorar.

Sua filha acaricia seu braço. "Parechorar, está estragando toda alinda maquiagem", diz Songmi.

Após pagar US$ 20,4 mil a um operador, Myung-hui finalmente conseguiu organizar a fuga da filha.

De repente, a décadaesperaSongmi, com cada vez menos esperança, acabou.

Depoiscruzar o rio Yalu para a China, ela se manteve escondida, se movendo silenciosamente entre os lugares durante a noite, com medoser pega mais uma vez.

Ela viajouônibus pelas montanhas até o Laos, onde se refugiouuma igreja, anteschegar à embaixada sul-coreana.

Ela dormiu na embaixada por três meses, antesvoar ao país.

Quando chegou, passou mesesum centroreassentamento, o que é típico para os norte-coreanos fugitivos. A jornada inteira levou um ano, mas para Songmi parecia ter levado 10.

O reencontro

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Songmi emãe Myung-hui

Finalmente reunidas, ela e a mãe se sentaram para comer tigelasmacarrãoum caldo frio e picante preparado por Myung-hui.

O clássico prato norte-coreano é o preferidoSongmi.

Em contraste com a culpasua mãe, Songmi irradia uma energia contagiante. Ela ri e brinca enquanto conforta a mãe, escondendo qualquer sinalseu traumainfância.

"No dia anterior à minha saída do centroreassentamento, eu estava muito nervosa. Não tinha certeza do que diria à minha mãe”, diz ela. "Eu queria ficar bonita na frente dela, mas ganhei muito peso durante a minha fuga e meu cabelo estava uma bagunça."

"Eu também estava muito nervosa", admite Myung-hui.

De fato, Myung-hui não reconheceufilha, a quem tinha visto pela última vez quando ela tinha oito anos. Agora estava conhecendo uma jovem18 anos.

"Ela estava na minha frente, então aceitei que deveria ser ela", diz Myung-hui. "Havia tanto que eu queria dizer, mas as palavras não saíam. Eu apenas a abracei e disse: 'Bem, você passou por muita coisa para chegar aqui.'"

Songmi diz quemente ficoubranco. "Nós apenas choramos e nos abraçamos por 15 minutos. Todo o processo parecia um sonho."

Enquanto Songmi emãe trabalham para construir um relacionamento do zero, há uma pergunta que a jovem nunca ousou fazer.

É uma pergunta que ela faz a si mesma todos os dias, desde os oito anosidade.

Agora, enquanto comem as sobras do almoço, a jovem deixa escapar as palavras com cautela. "Por que me deixou?"

Nervosa, Myung-hui começa a explicar. Sua primeira fuga tinha sido ideia dela.

Como poderia, então, voltar para casa depois da prisão para morar com seus sogros, fazendo com que eles se recordassem todos os dias que ela havia sobrevivido, enquanto o filho deles havia morrido?

Ela não tinha dinheiro e não conseguia verque maneira conseguiria sobreviver sozinha com a filha.

"Eu queria trazer você, mas o operador disse: nadafilhos", diz. “E se nos pegassemnovo, nós sofreríamos. Então pedi àavó para cuidarvocê por um ano."

"Entendo", diz Songmi, com os olhos baixos. "Só que um ano se transformou10."

"Sim", concorda a mãe.

"Na manhãque saí, meus pés não se mexiam, mas seu avô me apressou. Ele me disse para sair. Quero que saiba que não te abandonei. Queria te dar uma vida melhor. Isso parecia a escolha certa."

A vida na Coreia do Norte

Essa escolha pode parecer impensável para quem vive fora da Coreia do Norte.

Mas essas são as decisões dolorosas e os riscos que as pessoas devem correr para escapar, e isso tem sido cada vez mais difícil.

O governo, sob a liderançaKim Jong Un, aumentou a vigilância ao longo da fronteira e impôs punições mais severas para aqueles que tentam escapar.

Antes2020, mais1.000 norte-coreanos chegavam à Coreia do Sul a cada ano. Em 2020, anoque Songmi chegou, o número caiu para 229.

Quando a pandemia estourou, no início daquele ano, a Coreia do Norte fechou suas fronteiras e proibiu que as pessoas viajassem.

Soldados ao longo da fronteira receberam ordensatirar e matar qualquer um que vissem tentando escapar.

No ano passado, apenas 67 norte-coreanos chegaram ao Sul, a maioria dos quais havia deixado a Coreia do Norte antes do início da pandemia.

Songmi foi uma das últimas pessoas a sair antes do fechamento das fronteiras. Suas memórias são, portanto, valiosas, oferecendo uma visão recente e cada vez mais rara da vida no estado mais secreto do mundo.

A jovem lembra como os verões ficaram mais quentes. Em 2017, as colheitas começaram a secar e morrer, não deixando nada para comer entre o outono e a primavera.

Mesmo assim, esperavam que os agricultores entregassem a mesma safra ao governo todos os anos, o que significava ficar com menos, às vezes nada, para comer.

Eles começaram a procurar comida nas montanhas. Alguns acabaram optando por abandonar a agricultura.

Aqueles que trabalhavam na mina, a outra principal fonteemprego emcidade natal, Musan, se saíram pior, diz Songmi.

As sanções internacionais impostas à Coreia do Norte2017 depois que ela testou armas nucleares significaram que ninguém poderia comprar o minérioferro da mina.

A mina quase paroufuncionar e os trabalhadores deixaramreceber seus salários. Eles se infiltravam na mina à noite, conta a jovem, para roubar peças que depois poderiam vender.

Eles não sabiam como encontrar comida na natureza, como os que trabalhavam com a terra.

Mas2019, o maior medo, alémnão encontrar comida suficiente para sobreviver, era ser pego assistindo a filmes e programasTV estrangeiros.

Estes há muito são contrabandeados para o norte e oferecem aos cidadãos um vislumbre do mundo atraente alémsuas fronteiras.

As imagens da glamourosa e moderna Coreia do Sul, retratadasseus shows e filmes, representam a maior ameaça ao governo.

"Assistir a um filme sul-coreano teria feito com que você fosse multado ou talvez mandado para a prisão por dois ou três anos, mas2019 assistir ao mesmo filme teria mandado você para um campoprisão política", diz Songmi.

Ela foi encontrada com um filme indianoum pendrive, mas conseguiu convencer o segurançaque não sabia que o filme estava lá e conseguiu se livrar da situação somente com uma multa.

Sua amiga não teve tanta sorte. Um dia,junho2022, após chegar à Coreia do Sul, Songmi recebeu um telefonema da mãesua amiga.

"Ela me disse que minha amiga foi pega com uma cópia do Squid Game (da Netflix, conhecido como Round 6 no Brasil), e como ela estava distribuindo, ela foi executada", diz Songmi.

O relatoSongmi é consistente com relatórios recentes da Coreia do Nortepessoas executadas por distribuir software estrangeiro.

“Parece que a situação é ainda mais assustadora do que quando eu estava lá. As pessoas estão sendo baleadas ou enviadas para campos por terem acesso à mídia sul-coreana, independentemente da idade”, diz ele.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Songmi passou grande partesua vida na Coreia do NorteMusan

O recomeço

Adaptar-se à vida na Coreia do Sul capitalista livre costuma ser desafiador para os norte-coreanos.

É totalmente diferentetudo que já experimentaram. Mas Songmi está levando isso com muita calma.

Ela sente faltaseus amigos, pois não disse a eles que estava indo embora. Ela sente faltadançar com eles ejogos que faziam com pedras na terra.

"Quando você encontra amigos na Coreia do Sul, você apenas vai às compras ou toma um café", diz.

O que ajudou Songmi a se misturar éfirme crençaque ela não é diferenteseus colegas sul-coreanos.

"Depoisviajar por meses na China eLaos, me senti como uma órfã enviada para viverum país estrangeiro", afirma.

Mas quando ela pousou no aeroportoSeul, a equipe que a recebeu a cumprimentou com um familiar "an-nyeong-ha-say-yo".

É uma palavra que remete a “olá”, usada tanto na Coreia do Norte quanto na Coreia do Sul. "Percebi que somos as mesmas pessoas na mesma terra. Não vim para um país diferente. Só viajei para o sul."

No aeroporto, ela se sentou e chorou por cerca10 minutos.

Songmi diz que agora encontrou seu propósito: defender a reunificação das duas Coreias.

Há sul-coreanos que sonham com esse futuro, mas muitos não acreditam que seja possível.

Quanto mais tempo se passa desde que o país foi dividido, menos pessoas, principalmente os jovens, veem a necessidadevoltar a unificá-los.

Songmi tem visitado escolas para ensinar aos alunos sobre o Norte.

Ela pergunta quem entre eles pensareunificação e, geralmente, apenas alguns levantam a mão.

Mas quando pede que desenhem um mapa da Coreia, a maioria desenha o contornotoda a península, incluindo o norte e o sul. Isso lhe dá esperança.