Burnout racial: como preconceito leva pessoas negras ao esgotamento:poker ambition

Juliana diz que isso a afetava como poucas outras situações. "Eram microagressões tão doloridas quanto atos escancarados. Quando você percebe que tem uma questao racial, a coisa te atingepoker ambitionoutra forma. Nao é só questãopoker ambitiontrabalhar a mais, é estarem te enxergando como alguém que não merece estar ali", relata.

Isso a deixava com um constante medopoker ambitionser demitida e a levava até a pensar que havia sido contratada "para cumprir cota". Para compensar, acabou criando o hábitopoker ambitiontrabalhar além da conta.

"Trabalhavapoker ambition8h da manhã às 23h da noite para provar que eu merecia estar ali, não tinha um horario fixo pras minhas refeições, trabalhava finalpoker ambitionsemana e feriados. Ficava com medopoker ambitiontirar férias. Negligenciava minha saúde para tentar provar que era boa."

Os sintomas sentidos por Juliana são comuns ao burnout. O psicólogo Lucas Veiga explica que esse tipopoker ambitionesgotamento se caracteriza como uma estafa física ou mental.

"Podem aparecer até mesmo dores musculares ou questoes como a síndrome do intestino irritado. O nosso aparelho digestivo é responsável, também, pela digestao das nossas emoções. E quando a gente está sofrendo constantemente emoções dolorosas que causam ansiedade, isso também está sendo digerido", explica Veiga, que é especialistapoker ambitionquestões raciais.

Mas o esgotamentopoker ambitionJuliana após situações constantespoker ambitionracismo que a levaram alémpoker ambitionseus limites - assim como o jogadorpoker ambitionfutebol Vini Jr., vítimapoker ambitionpreconceitopoker ambitionvários momentospoker ambitionsua carreira e que ameaçou deixar seu clube, o Real Madrid, após ser agredido pela torcida novamente há poucos dias - tem características particulares e um nome próprio.

A psicóloga Shenia Karlsson explica que o burnout racial é uma condição desenvolvida por pessoas negras que lidam com o racismopoker ambitionsuas vidas profissionais.

"O conceitopoker ambitionburnout tradicional é limitado para explicar a experiênciapoker ambitionpessoas negras, não foi construídopoker ambitioncima dessa vivência", diz Karlsson, que é especialistapoker ambitionquestõespoker ambitiondiversidade.

"Como o racismo é insistente, com inúmeros mecanismospoker ambitionsilenciamento, a pessoa acaba entrandopoker ambitionum estadopoker ambitionexaustão. O racismo constante adoece."

Hipervigilância e ansiedade

Uma revisão científica feitapoker ambition2022poker ambitionmaispoker ambition160 estudos sobre burnout feita por pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, apontou, por exemplo, que entre medicos e estudantes e professorespoker ambitionMedicina, mais pessoas negras (30%) são levadas ao esgotamentopoker ambitioncomparação com brancos (18%), principalmente no início da carreira.

De acordo com os autores da revisão, publicada no periódico no Jornalpoker ambitionDisparidades Étnico-Raciais, o preconceito, a discriminação e o isolamento relatados pelos estudantes foram frequentemente associados a uma maior probabilidadepoker ambitionburnout.

A isso se soma o constante estadopoker ambitionalertapoker ambitionque vivem pessoas negras no cotidiano com um todo que acaba levando a um adoecimento psíquico, explica Veiga.

"A circulação pela cidade, a ida a um shopping, um supermercado, são situações recheadaspoker ambitionracismo e, por isso, com um alto potencial estressante. Onde posso ou não colocar minha mão? Posso colocar a mão na bolsa dentro da loja? Posso pegar no meu celular aqui? Vão achar que é uma arma? Em diaspoker ambitionchuva, posso sair com um guarda-chuva grande ou preciso comprar um pequeno porque vai que confundem com um fuzil?", exemplifica o psicólogo.

Essa hipervigilância sobre si mesmo é um fator que causa muita ansiedade, diz Veiga, e provoca sintomas como taquicardia, sudorese, tremores e agitação.

Um reflexo bastante comum na vida profissionalpoker ambitionpessoas negras ao ascenderempoker ambitionsuas carreiras é que elas sintam uma necessidade constantepoker ambitionse provarem e tentem sempre se protegerpoker ambitionepisódiospoker ambitionracismo - um fator que agrava a chancepoker ambitionse desenvolver um burnout, diz Karlsson.

"Ninguém aguenta ser bom o tempo inteiro, nunca errar. É preciso considerar a pressão que esses profissionais têm que passar. Há um risco altopoker ambitionadoecimento. A gente não pode esquecer que os jovens negros no Brasil, por exemplo, encabeçam os índicespoker ambitionsuicídio", diz a psicóloga.

Segundo dados do Ministério da Saúde, jovens negrospoker ambition10 a 29 anos têm 45% a maispoker ambitionchancespoker ambitiontirar a própria vida do que jovens brancos dessa mesma faixa etária.

Karlsson acrescenta que, além dos atos preconceituosospoker ambitionsi, o desenvolvimento do burnout racial é potencializado quando a vítima sente que não está sendo amparada - como no casopoker ambitionVini Jr.

"Você pode gritar, denunciar, expor, mas sempre é abandonado sozinho, principalmentepoker ambitionambientes majoritariamente brancos."

Veiga concorda: "Quando, ao denunciar, você não recebe o apoio necessário ou a denúncia que você faz não produz mudanças naquele ambiente, isso causa um estresse muito grande".

Trauma

Veiga conta que costuma receberpoker ambitionseu consultório pacientes que relatam não apenas estar vivendo um burnout racial, mas também transtornopoker ambitionestresse pós-traumático causado por episódiospoker ambitionracismo.

Os sintomas mais comuns são pesadelos, reviver mentalmente as situaçõespoker ambitionpreconceito e discriminação, insônia, ansiedade e episódiospoker ambitionpânico.

Juliana decidiu buscar ajuda médica quando se viu incapazpoker ambitiontrabalhar.

"Comecei a ter crisespoker ambitionansiedade. Tirei férias e, quando retornei, não consegui participarpoker ambitionuma reunião porque me deu pânico."

Assim como o burnout racial, o trauma por racismo tem seus agravantes, explica Veiga.

"Na maioria dos casos comuns, um acidentepoker ambitioncarro por exemplo, a situação que causou o trauma provavelmente não se repetirá, e a pessoa melhora com o tempo", diz o psicólogo.

"No caso do racismo, essas situações não parampoker ambitionacontecer. O prório Vini Jr. sofreu múltiplos xingamentos muito parecidos antes. Cada vez que esse episódio se repete, a pessoa époker ambitionnovo emocionalmente e psicologicamente afetada por aquilo."

As situações recorrentespoker ambitionracismo e a ansiedade provocada por isso tendem a tornar mais comum entre as vítimas a intençãopoker ambitionlargar seus trabalhos, como apontou o estudopoker ambitionHarvard.

Juliana fez exatamente isso. "Depois que eu sai da empresa, pareipoker ambitionpassar mal 'milagrosamente'", conta.

"Ao sair do meu ciclopoker ambitionviolência, voltei a ter uma boa autoestima, entender o valor do meu trabalho, alémpoker ambitiontambém melhorar questõespoker ambitionsaúde. Perdi peso, regularizei as minhas taxaspoker ambitionglicose… romper com esse ciclo me trouxepoker ambitionvolta saúde."

Cuidados

Lucas Veiga avalia que pessoas negras podem precisarpoker ambitionum atendimento psicológico especializado porque passam por experiências particulares causadas pela discriminação racial.

"A formaçãopoker ambitionPsicologia ainda é muito embranquecida e, por mais que os conhecimentos dos autores brancos majoritariamente estudados sejam importantes, eles podem não acolher adequadamente as especificidades do cuidadopoker ambitionsaúde mental das pessoas negras, principalmente no que diz respeito à violencia racial", diz o profissional.

Ele dá como exemplo disso a impossibilidade - ao menos, neste momento -poker ambitiongarantir que uma pessoa negra não vá passar por situaçõespoker ambitionracismo.

"Já que o fim imediato do racismo não está posto como algo possível na nossa geração, já que não dá para garantir que o Vini Jr. não vai sofrer aquilo nunca mais, diante desse impossível, quais são as possibilidades?", questiona.

O especialista aponta algumas formaspoker ambitionlidar com esse problema e seus impactos sobre a saúde mental.

O primeiro é denunciar a experiênciapoker ambitionviolência racial e conversar a respeito com pessoas próximas que façam partepoker ambitionuma redepoker ambitionapoio.

"Uma das intenções do racismo é que a gente nao se expresse. A imagem do jogador branco dando um mata leao no Vini depois dele denunciar o racismopoker ambitioncampo mostra o que acontece no cotidianopoker ambitionuma pessoa negra."

Outro ponto importante é cuidar da saúde mental, seja com uma terapia individual oupoker ambitiongrupo.

"Tenha um espaçopoker ambitioncuidado nao só para falar das questões raciais, porque a nossa vida nao se resume a isso, mas para falarpoker ambitiondesejos, sonhos e trabalharpoker ambitionautoestima mesmopoker ambitionum cenáriopoker ambitionpreconceito", diz Veiga.

Por fim, é preciso encontrar o que o psicólogo chamapoker ambition"espaçopoker ambitiondescanso".

"Onde epoker ambitionque relações você sente que pode descansar? Quais são os seus espaçospoker ambitionaquilombamento? Ondepoker ambitionidentidade é valorizada, onde apoker ambitionimportência nao é questionada e o seu lugar é reconhecido. É na família, é na experiência religiosa, é no meiopoker ambitionamigos? Esses espaços são fundamentais para a preservação da saúde mental da pessoa negra."