E se Rachel Dolezal fosse brasileira?:big win club

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Legenda da foto, Militantes e acadêmicos dizem que diferenças entre Brasil e EUAbig win clubtemas raciais dariam outro rumo para casobig win clubativista americana acusadabig win club'se passar por negra'

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"Transracial"

Dolezal deixou na segunda-feira a presidência do escritório da NAACP (uma das maiores organizações do movimento negro americano)big win clubSpokane, no Estadobig win clubWashington, após seus pais afirmarembig win clubentrevista que ela é branca.

Dolezal tem quatro irmãos adotivos negros, foi casada com um negro e estudoubig win clubuma universidadebig win clubampla maioria negra. Na terça-feira, ela disse se identificar como "negra" e "transracial".

Para muitos, Dolezal agiu como impostora e oportunista, quebrando a confiançabig win clubquem ela dizia representar. Outros ─ entre os quais a atriz Whoopi Goldberg e o ex-jogadorbig win clubbasquete Kareem Abdul-Jabbar, ambos negros ─ elogiaram Dolezal porbig win clubmilitânciabig win clubfavor dos afro-americanos e defenderambig win clubdecisãobig win clubse identificar como negra.

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Legenda da foto, Ativista americana Rachel Dolezal tem protagonizado um acirrado debate sobre raça e identidade nos Estados Unidos

Fenótipo X genótipo

Douglar Belchior, professor e militante do movimento negro brasileiro, diz que Dolezal dificilmente seria considerada negra no Brasil por causabig win clubseu "fenótipo" (traços físicos).

Nos Estados Unidos, apesarbig win clubsua pele clara e olhos azuis, ela pôde se identificar como negra porque muitos ainda seguem padrões dos tempos da segregação oficial. Segundo a "regra da uma gota", que vigorava naquela época, um único antepassado africano ─ não importa o quão distante ─ já basta para que uma pessoa seja considerada negra. A regra buscava criar uma rígida hierarquia racial, com barreiras legais e informais à ascensão dos negros.

Já no Brasil, diz Belchior, o que torna alguém negro são suas características corporais, "independentemente da origem ou ancestralidade".

"O que determina o sujeito ser vítima do racismo no Brasil é trazer marcas físicas ─ e quanto mais marcas físicas africanas traz no corpo, mais ele sofre."

Como não seria vista como negra, Belchior diz que Dolezal não teria espaço na cúpula do movimento negro brasileiro ─ logo, contestações àbig win clubidentidade não teriam grande repercussão no país.

A militante negra e estudantebig win clubarquitetura Stephanie Ribeiro descrevebig win clubexperiência pessoal ao argumentar que, no Brasil, a aparência pesa mais que o DNA na classificação racial. Ribeiro diz ter uma avó "brancabig win clubolho azul" que emigrou da Itália, mas que isso não a livrabig win clubser discriminada.

"Quando estou na rua e alguém me xinga ou fala do meu cabelo, ninguém pede a minha árvore genealógica."

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Legenda da foto, Como não seria vista como negra, Belchior diz que Dolezal não teria espaço na cúpula do movimento negro brasileiro, diz especialista

Em maio, Ribeiro liderou um movimento nas redes sociais que fez a companhia teatral Os Fofos Encenam suspender a apresentaçãobig win clubuma peçabig win clubSão Paulobig win clubque um ator aparecia com o rosto pintadobig win clubpreto. Segundo ela, a peça fazia uso do blackface, técnica historicamente usada para ridicularizar negros e considera racista pelo movimento negro.

Para Ribeiro, Dolezal falhou ao buscar um "protagonismo" na luta dos americanos negros. Segundo ela, a americana e brasileiros brancos podem apoiar as bandeiras negras, mas a liderança do movimento deverá ser sempre dos negros.

O pesquisador Vinicius Guilherme Rodrigues Vieira, que leciona Relações Internacionais na FGV-SP e é coeditorbig win clubum livro que compara as relações raciais nos EUA e Brasil, cita ainda a influência do Estado na construção da identidade negra no Brasil.

"Os militantes costumam dizer que, no Brasil, quem decide se alguém é negro é a polícia."

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Ícones negros

A crítica à violência policial contra negros é um dos principais pontosbig win clubconexão entre os movimentos negros no Brasil e nos Estados Unidos.

Douglas Belchior diz que líderes negros americanos ─ entre os quais Martin Luther King Jr. (1929-1968) e Malcom X (1925-1965) ─ são "um espelho" para militantes brasileiros e fizeram com que afro-americanos se tornassem ícones em"rebeldia, artes, cultura, poesia e música" nos Estados Unidos.

"(Comparado à) maneira como os Estados Unidos tratam a história da resistência negra, a resistência à escravidão, a produção artística e cinematográfica, o Brasil ainda deixa muito a desejar."

Para o DJ Boima Tucker, que cresceu nos Estados Unidos e mora no Riobig win clubJaneiro, o Brasil vive um "despertar da identidade negra". O fenômeno, que segundo Tucker talvez reflita influências americanas, se expressa por exemplo no crescente númerobig win clubpessoas com cabelos "afro"big win clubbailesbig win clubcharme no Rio, ele diz.

"O Brasil está no meiobig win clubuma transição."

Segundo ele, se o caso Dolezal fosse transposto para o Brasil, a ativista também seria criticada por militantes negros brasileiros, mas talvez não com a mesma intensidade.

Filhobig win clubuma americana branca e um serra-leonês negro, Tucker se identifica nos Estados Unidos como "negro", decisão que ele atribui a "questõesbig win clubsolidariedade".

Ele diz que definirbig win clubraça no Brasil "é mais complicado".

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Legenda da foto, Brasileiros vêm adotando padrões raciais mais rígidos, apesar da intensa miscigenação que houve na formação do país, diz especialista

"Sou primeiro um 'gringo' (risos), porque aqui a nacionalidade se sobrepõe à raça, mas me sinto parte da diáspora africana e tenho uma conexão especial com brasileiros que também fazem parte dela."

Tucker diz que, enquanto no Brasil traços culturais africanos foram incorporados e apropriados por brasileirosbig win clubtodas as raças, nos Estados Unidos negros e brancos "têm culturas separadas".

Ele se espantou ao ver que um prato africano que comia na garagembig win clubsua casa nos Estados Unidos, o acarajé, era não só servido nas ruas brasileiras como considerado parte da culinária nacional. "Você não vê esse tipobig win clubcoisa nos Estados Unidos."

Caminhos convergentes?

Embora tradicionalmente brasileiros e americanos encarem o tema racialbig win clubforma muito distinta, pesquisadores apontam que processosbig win clubcurso nos dois países têm aproximado as duas perspectivas.

Professorbig win clubSociologia da Universidade da Califórniabig win clubSanta Barbara e autorbig win clubRaça e Multirracialidade no Brasil e nos Estados Unidos: caminhos convergentes?, Reginald Daniel diz que mudanças demográficas nos Estados Unidos geradas pela imigração e por casamentos multirraciais têm tornado as definições raciais menos rígidas no país.

Segundo o Censo americano, essas transformações farão com que,big win club2044, brancos não hispânicos se tornem minoria nos Estados Unidos.

Desde 2000, o Censo americano permite que as pessoas selecionem maisbig win clubuma raçabig win clubseus formulários (as categorias atuais são "negro", "índio americano/nativo do Alaska", "asiático" e "havaiano nativo/outro ilhéu do Pacífico"; os termos "latino" e "hispânico" são tratados como "etnias" e não entram no questionário racial).

"Vai ficar cada vez mais difícil definir o que as pessoas são conforme elas abraçarem três, quatro raças diferentes", diz Daniel. "Está se criando uma dinâmica racial mais fluida, que por muito tempo foi tida como uma característica brasileira."

Paralelamente, segundo o professor, os brasileiros vêm adotando padrões raciais mais rígidos, apesar da intensa miscigenação que houve na formação do país.

O professor cita uma definição do ensaísta Afrânio Coutinho (1911-2000) sobre essa característica da população nacional. "Ele dizia que, no Brasil, todos são claramente mulatos ou mulatos claros".

A mistura, segundo o professor, alimentou por várias décadas o mitobig win clubque o Brasil era uma "democracia racial", onde as diferenças sociais derivariambig win clubquestõesbig win clubclasse, e nãobig win clubraça.

O professor diz, porém, que essa percepção foi desafiada conforme negros brasileiros "passaram a enfatizar a divisão binária entre brancos e negros para despertar a consciência e mobilizar a oposição contra a discriminação racial".

Como os ativistas americanos, eles passaram a pressionar o governo pela adoçãobig win clubcotas nas universidades ebig win cluboutras políticas que compensassem a discriminação histórica. E para ampliarbig win clubvisibilidade e fortalecer seus pleitos, diz ele, o grupo passou a identificar como negros não só os brasileiros que se classificam como "pretos" nos formulários oficiais, mas também os que se dizem "pardos".

O termo, que não é definido pelo governo, é descrito no dicionário Aulete como a "cor fosca entre o branco e o preto, ou entre o amarelo e o marrom", ou ainda como "pessoa mulata". Na Pnadbig win club2013, 45% dos brasileiros se disseram "pardos", 46,2%, "brancos", 8%, "pretos", 0,5%, "amarelos" e 0,3% "indígenas".

Considerando "pretos" e "pardos" como "negros", tem-se que o grupo compõe a maioria da população brasileira (53%).

Pretos e pardos

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Legenda da foto, Pretos e pardos são maioria da população, segundo o IBGE

Embora avalie que o movimento negro tenha se fortalecido politicamente ao englobar os "pardos" embig win clubclassificação ─ que passou a ser adotada inclusive por órgãos do governo ─, Daniel diz que a decisão dá ao sistema racial brasileiro uma rigidez que não lhe é natural.

Ele afirma ainda considerar "problemática" a disseminação pelo movimento negro brasileiro do termo "afrodescendente". "Se passam a usar o termo e a considerar como negros quem tem africanos embig win clubgenealogia, quase todos os brancos brasileiros também passam a pertencer à categoria."

Para Vinicius Guilherme Rodrigues Vieira, da FGV, as políticasbig win clubação afirmativa poderão fazer com que, "talvez daqui a uns anos, não tenhamos mais a distinção entre pretos e pardos no Brasil".

Com a consolidação das políticasbig win clubcotas para negros, diz Vieira, pode-se estimular "que pretos e pardos convirjam para essa categoria." Ele diz que, do pontobig win clubvista do movimento negro, a transformação "pode ser muito positiva e criar mais canaisbig win clubascensão".

Por outro lado, Vieira afirma que há riscosbig win clubque pessoas hoje tidas como pardas e que não se enquadrambig win clubpolíticas compensatórias passem a ocupar espaçosbig win clubcandidatosbig win clubpele mais escura que, por serem mais discriminados, deveriam ser os principais alvos dessas ações.