Por que poliomielite volta a preocupar:

Homem num pulmãoaço

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Os 'pulmõesaço' permitiam que pacientes com pólio continuassem a respirar

No entanto, os Estados Unidos registraram neste ano seu primeiro casopólio desde 2013, que deixou paralisado um jovem adulto não vacinado.

Em Londres, cerca1 milhãocrianças receberão uma dose extra da vacina contra a poliomielite, após a descobertapoliovírus no esgoto da capital britânica.

No Brasil, a taxaimunizados contra a pólio caiu consideravelmente2015 para cá.

Desde que foram desenvolvidas, no início da década1950, as vacinas contra a pólio mudaram completamente a trajetória da doença.

Sem elas, 20 milhõespessoas que hoje podem andar estariam paralisadas, estima a OMS (Organização Mundial da Saúde).

A doença passouum fenômeno global na década1980, para um problema restrito a apenas alguns países. E isso inclui o notável triunfoa África ter sido declarada livre da pólio2020.

Mapacasospoliomielite

Crédito, Polio Global Erradication Initiative

Legenda da foto, Paquistão e Afeganistão (pintadosamarelo no mapa) são os únicos dois países com poliomielite endêmica. Na África, na Ucrânia e no Iêmen foram registrados alguns casos rarospólio por derivado vacinal

Embora o Afeganistão e o Paquistão sejam os únicos países onde a poliomielite ainda é considerada endêmica, a doença continua sendo uma ameaça para o resto do mundo.

Isso porque, primeiramente, a circulação da doença nesses dois países pode originar surtosoutros lugares.

O primeiro casopólio selvagem na Áfricamaiscinco anos foi relatadouma menina3 anos no Malawi.

Foi a mesma variante encontrada no Paquistão — embora ninguém tenha certezacomo ela viajouum país a outro.

Em fevereiro, o Malawi declarou um surtopoliomielite selvagem.

Em segundo lugar, a vacina usada tantopaíses endêmicos quanto para lidar com surtos pode criar um problema — é isso que está afetando o Reino Unido e outros países atualmente.

Menino sendo vacinado contra pólio

Crédito, AFP

Legenda da foto, A vacina oral contra a pólio é usadasurtos

A vacina mais potente contra a poliomielite usa gotas oraisuma forma enfraquecida, mas ainda viva, do poliovírus.

É uma solução barata, fáciladministrar e que produz uma excelente imunidade, o que a torna ideal para responder a surtos.

No entanto, ela age causando uma infecção no estômago — por isso é liberada nas fezes das pessoas vacinadas. Isso pode espalhar o poliovírus para outras pessoas.

Em alguma medida, isso é vantajoso, pois imuniza indiretamente outras pessoas. Isso é conhecido como pólio por derivado vacinal.

Mas, ao passaruma pessoa para outra, o vírus pode sofrer mutações e até causar paralisia novamente.

EsgotosLondres

A vacina oral teve um enorme sucesso. Mas essa capacidade do poliovírusmutar paraforma mais perigosa é o motivo pelo qual os países buscam migrar para a injeçãovírus inativao (ou seja, morto) assim que erradicam a pólio.

O Reino Unido usa essas injeções desde 2004. Assim, o que agora está aparecendo nos esgotosLondres é o vírus que veio do uso da vacina oraloutras partes do mundo.

Algumas das amostras revelam sinaisrecuperação da capacidadecausar paralisia — e a análise genética sugere que o vírus está se espalhando.

Esse mesmo fenômeno também está relacionado a amostraspólio encontradasesgotos nos EUA eIsrael.

Baixas taxasvacinação

Para os totalmente vacinados, os riscos são insignificantes.

Para os não vacinados, no entanto, o riscoparalisia está entre 1100 e 11.000, dependendo da idade.

Zé Gotinha

Crédito, Conass / reprodução

Legenda da foto, No Brasil, o personagem Zé Gotinha surgiu1986 como parteuma campanhavacinação contra a pólio

Devido à baixa taxavacinação, o Brasil é um dos oito países sul-americanos que apresentam alto riscovolta da poliomielite, segundo relatório divulgado pela Opas (Organização Pan-AmericanaSaúde)2021.

A vacina contra a poliomielite é indicada para todas as crianças brasileiras num esquemacinco doses. As três primeiras são feitas com o imunizante injetável e devem ser aplicadas aos dois, aos quatro e aos seis mesesvida. Depois, os dois reforços (geralmente feitos com as gotinhas) são dados entre os 15 e os 18 meses e aos 5 anosidade.

Nos últimos anos, porém, a cobertura vacinal tem deixado a desejar. Segundo os dados do próprio Ministério da Saúde, a taxaimunizados contra a pólio caiu consideravelmente2015 para cá.

Naquele ano, 98,2% do público-alvo recebeu as doses. Em 2016, essa taxa caiu para 84,4% e se manteve nesse patamar até 2019. Em 2021, a imunização contra a doença foiapenas 67,1%.

A faixacobertura vacinal recomendada para a poliomielite,acordo com a Fiocruz, é80%.

Progresso ameaçado

A pólio parece uma doença do passado — mas o vírus encontrado nos esgotosLondres, o casoparalisia nos EUA e os baixos índicesvacinação no Brasil são um alerta para cada umnós e para nossos governosque não podemos ser complacentes com a pólio.

O progresso que fizemos pode ser desfeito.

Os desenvolvimentos científicos podem fazer a diferença — uma nova versão mais estável da vacina oral tem menos probabilidadevoltar a causar paralisia, por exemplo.

Mas, a pólio também precisa ser combatida nos dois países endêmicos restantes — caso contrário, a ameaçasurtos sempre estará presente.

E esse é um desafio que não envolve apenas ciência ou dinheiro, mas também questões políticas e sociais.

Os EUA foram criticados por prejudicar os esforços para derrotar a pólio quando usaram um falso programavacinas para tentar encontrar o ex-líder da Al-Qaeda Osama Bin Laden.

Estamos muito pertoerradicar a pólio — mas estamos nesse ponto há muito tempo.

A doença hoje é uma ameaça contida — mas não será extinta até que seja erradicadatodos os lugares.

- Este texto foi publicado originalmentehttp://vesser.net/internacional-62514289

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