A Ucrâniaapostas slotsClarice Lispector: como nascimento e migração ilustram capítulo sombrio do povo ucraniano:apostas slots

Os "pogroms" foram uma ondaapostas slotsataques violentos contra judeus, com motivações políticas e religiosas, que varreu a Ucrânia nas décadasapostas slots1910 e 1920.

Os Lispector foram alvoapostas slotsum pogrom praticado por militares russos na aldeia onde moravam,apostas slotsChechelnyk, na provínciaapostas slotsPodólia, por voltaapostas slots1919. O episódio foi descrito no livro Clarice, Uma Biografia, do crítico americano Benjamin Moser.

Segundo a obra, o ataque aconteceu durante uma viagem do paiapostas slotsClarice, o comerciante Pinkhas, e a mãe dela, Mania, teria sido estuprada e contraído sífilis.

Clarice foi concebida neste contexto: a família acreditava, segundo uma crença popular, que uma gravidez poderia curar a doençaapostas slotssua mãe. Não à toa, o nome Haia significa "vida"apostas slotsucraniano.

A curaapostas slotsMania, contudo, não aconteceu, e ela morreu quando Clarice tinha dez anos. A escritora contou o episódioapostas slotsuma crônica, publicada no livro A Descoberta do Mundo,apostas slots1968:

"(...) Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulherapostas slotsuma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa culpa: fizeram-me para uma missão e eu falhei."

Os pogroms

"Os anos 1910 e 1920 foram difíceis para toda a Ucrânia, mas particularmente para a população judaica", afirma Jeffrey Veidlinger, professorapostas slotshistória e estudos judaicos da Universidadeapostas slotsMichigan, nos EUA.

Ele explica que, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a maioria dos judeus na Ucrânia, na época pertencente ao Império Russo, eram artesãos ou comerciantes pobres que viviamapostas slotspequenas aldeias e sofriam perseguições religiosas e políticas.

"Durante a Primeira Guerra, os militares russos deportaram centenasapostas slotsmilharesapostas slotsjudeus das fronteiras do império russo, temendo que eles pudessem ser recrutados como espiões para os alemães", explica Veidlinger.

A situação piorou a partirapostas slots1917, com a Guerra Civil Russa instaurada com o fim do czarismo e a consolidação da Revolução Russa, liderada pelos bolcheviques.

"Os pogroms mais letais foram praticados entre 1917 e 1921 por gangues armadas e unidades militares dos exércitos russos, ucranianos e poloneses", diz Veidlinger.

Estima-se que maisapostas slots100 mil judeus foram mortos durante os pogromsapostas slots1917 a 1921, segundo o professor, e outros 600 mil foram forçados a fugir da Ucrânia.

Com o desmantelamento do Império Russo, a Ucrânia e a Polônia vivenciaram um breve períodoapostas slotsindependência, mas também passaram por uma guerra civilapostas slotsque judeus frequentemente eram alvosapostas slotssaques e perseguições.

"O Exército ucraniano e o Exército Branco [russos contrários à Revolução Russa] atacaram os judeus com a suspeitaapostas slotsque eram leais aos bolcheviques. Já os poloneses acusaram os judeusapostas slotsserem leais aos ucranianos", descreve Veidlinger.

A maior parte da violência contra os judeus, no entanto, foi cometida sob a acusaçãoapostas slotsque eles estavam do lado dos bolcheviques.

"Os bolcheviques inicialmente atacaram os judeus sob a acusaçãoapostas slotsque eram capitalistas burgueses. Depois, o Exército Vermelho defendeu os judeus. Vários dos líderes bolcheviques mais visíveis, incluindo o chefe do Exército Vermelho, Leon Trotsky, eram conhecidos por terem origem judaica", completa Veidlinger, lembrando que o próprio Trotsky nasceu na Ucrânia.

Depois do Holocausto cometido pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial (1941-1945), os pogroms são considerados o pior episódio antissemita da história.

Memórias da Ucrânia

Teresa Montero lembra que, apesarapostas slotsClarice ter falado muito pouco sobre aapostas slotsorigem, trechosapostas slotssuas crônicas publicadas no Jornal do Brasil, onde foi colunista entre 1967 e 1973, tocam brevemente no tema.

"Na Polônia, eu estava a um passo da Rússia. Foi-me oferecida uma viagem à Rússia, se eu quisesse. Mas não quis. Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregadaapostas slotscolo", escreve Clariceapostas slotsuma crônica sobre suas viagens como mulher do diplomata Maury.

A escritora também nunca se manifestou publicamente sobre os episódios políticos que marcaram a Ucrânia e a Rússia.

"Não tem nenhum depoimento ou entrevistasapostas slotsque Clarice tenha falado sobre a vida política da Ucrânia, nem sobre a União Soviética", afirma Montero.

Uma das hipóteses sobre o silenciamentoapostas slotsClarice diante das questões políticas do seu paísapostas slotsorigem era o medoapostas slotsser deportada.

"Quando entrevistei a tradutora Tatiapostas slotsMoraes, amigaapostas slotsClarice, ela me contou que a escritora tinha medoapostas slotsser deportada", lembra a biógrafa.

Contudo, isso não significa que Clarice não tivesse uma postura política.

"Ela [Clarice] foi fichada pela ditadura por ter participado da Passeata dos Cem Mil. Antes, ela já havia sido fichada pelo governo [Eurico Gaspar] Dutra, certamente por ser judia eapostas slotsorigem russa", ressalta Montero.

A Passeata dos Cem Mil foi uma manifestação popular contra a ditadura militar e a favor da democracia, encabeçada por intelectuais, artistas e estudantes,apostas slots1968, no Rioapostas slotsJaneiro.

Marcos históricos ocorridos na Ucrânia que foram contemporâneosapostas slotsClarice:

apostas slots - 1921: Parte da Ucrânia é incorporada à Polônia.

apostas slots - 1922: Ucrânia é incorporada à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

apostas slots - 1930: tem início o Holodomor (matar pela fome,apostas slotsucraniano),apostas slotsque Joseph Stalin passa a exigir dos camponeses ucranianos grande parte da produção agrícola. Estima-se que 5 milhõesapostas slotscamponeses morreramapostas slotsfome na regiãoapostas slotspouco maisapostas slotstrês anos.

apostas slots - 1953: a Ucrânia anexa a Crimeia.

Quem seria responsável por narrar as memórias da família Lispector na Ucrânia seria a irmã mais velhaapostas slotsClarice, a também escritora Elisa Lispector.

"Elisa nasceuapostas slots1911, era a mais velha das três irmãs. Clarice, a caçula, nasceuapostas slots1920. Então, quem tinha memória do período na Ucrânia era Elisa, que chegou no Brasil já com 10 anos", diz Montero.

No livro Retratos Antigos, publicado postumamenteapostas slots2011 (Elisa morreuapostas slots1989, deixando a obra inédita), a escritora conta sobre os pogroms e a vida dos judeus na Ucrânia.

"Como se iniciava um pogrom?, já me perguntaram por maisapostas slotsuma vez, e eu não soube responder. Talvez porque eles mesmos, os que faziam os pogroms, não pudessem dizer", diz elaapostas slotsum trecho do livro.

Elisa escreve que as cidades permitiam que apenas uma porcentagemapostas slotsjudeus frequentasse a escola e universidade e que, apesarapostas slotsterem o direitoapostas slotsmorar nas cidades, "até nos pequenos vilarejos, nos casebresapostas slotsmadeira, nas ruas tortuosasapostas slotscaminhosapostas slotslama, os judeus viviam segregados e com medo".

Nacionalidade russa

"Hoje, falamos ucraniana, mas, na realidade, a nacionalidade da Clarice é russa, porque, na época do seu nascimento, a região pertencia ao Império Russo", explica Montero.

A questão fica clara na carta que Clarice escreveu ao presidente Getúlio Vargas pedindoapostas slotsnaturalização,apostas slotsque afirma ser:

"Uma russaapostas slots21 anosapostas slotsidade e que está no Brasil há 21 anos menos alguns meses. Que não conhece uma só palavraapostas slotsrusso (...) Que não tem pai nem mãe — o primeiro, assim como as irmãs da signatária, brasileiro naturalizado — e que por isso não se senteapostas slotsmodo algum presa ao paísapostas slotsonde veio, nem sequer por ouvir relatos sobre ele. Que deseja casar-se com brasileiro e ter filhos brasileiros. Que, se fosse obrigada a voltar à Rússia, lá se sentiria irremediavelmente estrangeira, sem amigos, sem profissão, sem esperanças."

Apesar do tom dramático, Teresa lembra que a carta foi escrita às vésperas do Brasil entrar na Segunda Guerra Mundial — o documento éapostas slots3apostas slotsjunhoapostas slots1942, e o país declarou guerra à Alemanhaapostas slots22apostas slotsagosto do mesmo ano — e que Clarice estava noiva do diplomata Maury Gurgel Valente, mas não podia se casar por ser estrangeira.

"O Itamaraty não permitia que diplomatas se casassem com estrangeiros, e Clarice não era só estrangeira, era também russa", explica a biógrafa.

A naturalização foi concedida um ano após a carta endereçada a Vargas. Cercaapostas slotsduas semanas depois, Clarice e Maury se casaram.

A escritora morreuapostas slots1977, no Rioapostas slotsJaneiro, tendo afirmado durante toda a vida adulta ser brasileira.

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