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A geografia das pandemias: o que faz um novo vírus surgirbetmotion com brdeterminado lugar do mundo?:betmotion com br
"Na natureza, os vírus passam por mutações aleatórias o tempo todo. Nesse jogobetmotion com brtentativa e erro, ocorrem alteraçõesbetmotion com bralguns genes para torná-lo apto a infectar seres humanos", explica o virologista Paulo Eduardo Brandão, professor da Faculdadebetmotion com brMedicina Veterinária e Zootecnia da Universidadebetmotion com brSão Paulo.
Até aí, a situação não é assim tão grave — afinal, o risco só vai existir se a gente entrarbetmotion com brcontato com aquele bicho. O problema fica complicado mesmo quando o vírusbetmotion com brquestão sofre uma nova transformaçãobetmotion com brseu código genético e adquire a capacidadebetmotion com brser transmitidobetmotion com brpessoa para pessoa.
O Sars-CoV-2 já é um modelo clássico desse fenômeno: pelo que se sabe até o momento, ele circulava entre morcegos pelo Sudeste Asiático. Até que sofreu algumas ediçõesbetmotion com brseu genoma e conseguiu "pular" para os seres humanos. Não se sabe ainda se houve um animal intermediário no meio do caminho.
Vale alertar, porém, que essa passagem demora anos para acontecer. "Não é que um único indivíduo comeu um morcego e deu início a toda a situação. Essas mutações ocorrem paulatinamente e os vírus se adaptam pouco a pouco ao novo hospedeiro", esclarece Brandão.
Esse perigo, aliás, já era conhecido muito antesbetmotion com bros primeiros casosbetmotion com bruma nova doença começarem a causar estranhamentobetmotion com brmeadosbetmotion com brdezembrobetmotion com br2019. Um artigo publicadobetmotion com brmarço do ano passado por quatro cientistas do Institutobetmotion com brVirologiabetmotion com brWuhan já alertava: "É altamente provável que um surtobetmotion com brcoronavírus se originebetmotion com brmorcegos, e há uma grande possibilidade que isso venha a ocorrer na China".
Mas por que a China? O coronavírus da vez não poderia ter aparecido na Romênia ou na Nova Zelândia? Como você verá a seguir, certos locais do mundo reúnem as condições ideais para o surgimentobetmotion com bruma pandemia.
Contato (muito) próximo com a natureza
"Nós habitamos uma biosfera e compartilhamos o mesmo espaço com plantas, animais e micro-organismos. A ação do homem nos ambientes pode alterar o equilíbrio e favorecer o avançobetmotion com brbactérias e vírus até então desconhecidos ou inofensivos", raciocina o infectologista Stefan Cunha Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz,betmotion com brSão Paulo, e autor do livro História das Epidemias, recém-lançado pela Editora Contexto.
Dados do Banco Mundial indicam que,betmotion com br1990, o mundo possuía 41,2 milhõesbetmotion com brquilômetros quadradosbetmotion com brárea florestal. Esse número caiu para 39,9 milhõesbetmotion com br2016. Parece uma redução pequena? A área devastadabetmotion com brmaisbetmotion com br1,3 milhõesbetmotion com brquilômetros quadradosbetmotion com brapenas 16 anos é quase equivalente ao Amazonas inteiro (o maior Estado do Brasil) e supera a áreabetmotion com brpaíses como Peru, Colômbia e África do Sul.
O surtobetmotion com brebola que se iniciou na África Ocidentalbetmotion com br2014 e atingiu particularmente Guiné, Libéria, Serra Leoa e Nigéria apareceu justamentebetmotion com brregiões com extraçãobetmotion com brmadeira e minérios. Por causa dessas atividades, os seres humanos passaram a ter mais contato com os animais da região — entre eles, um morcego que carregava esse vírus.
O aumento das temperaturas do planeta e o derretimento das calotas polares também podem ter desdobramentos imprevisíveis no aparecimentobetmotion com brpandemias futuras. "Há poucos anos, nas regiões permanentemente congeladas da Sibéria, um grupobetmotion com brcientistas encontrou um vírus com maisbetmotion com br30 mil anos. O mais surpreendente foi descobrir que ele mantinha a capacidadebetmotion com brinfectar amebas no laboratório", conta Brandão.
Em setembro, pastoresbetmotion com brrenas das ilhas Lyakhovsky, que pertencem à Rússia, encontraram uma carcaçabetmotion com brum urso-das-cavernas da Era do Gelo perfeitamente preservada. "Não sabemos os vírus que podem estar ali e aparecer a partir dessas descobertas", completa o virologista.
Extensa urbanização
É curioso notar como alguns desses patógenos que nos afetam ainda hoje têm uma longa história, que começa justamente quando os seres humanos se tornaram sedentários e se aglomeraram num único local, há mais ou menos 10 mil anos. "Nesse período, o gado da região da Ásia era acometido por um vírus, que passou para a África e a Europa antesbetmotion com brser extinto. Sabemos que ele é geneticamente semelhante ao sarampo", relata Ujvari.
Atualmente, maisbetmotion com br4 bilhõesbetmotion com brpessoas vivembetmotion com bráreas urbanas do planeta. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU),betmotion com br2007, a quantidadebetmotion com brgente vivendo nas cidades ultrapassou pela primeira vez na história a proporçãobetmotion com brmoradores das áreas rurais.
Mas o que isso tem a ver com as doenças infecciosas? Para começobetmotion com brconversa, muitos municípios não oferecem as condições sanitárias mais básicas (esgoto e água encanada, por exemplo). Calcula-se que, só no Brasil, 22% a 37% dos cidadãos morembetmotion com brfavelas — esse número chegabetmotion com br90%betmotion com bralguns locais do continente africano.
O esgoto não tratado é despejadobetmotion com brrios, córregos e lagos que, muitas vezes, são fontebetmotion com brágua para abastecer as casas. Isso gera quadrosbetmotion com brdiarreia e outras infecções. Além disso, o acúmulobetmotion com brlixobetmotion com braterros e terrenos baldios vira localbetmotion com brprocriaçãobetmotion com brmosquitos, como o Aedes aegypti, transmissorbetmotion com brdoenças como dengue, zika e chikungunya.
"É preciso pensar nessa infraestrutura das cidades, para permitir que os países possam responder mais rapidamente a uma crise sanitária", chama a atenção a médica epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabinbetmotion com brVacinas.
Mais carne no prato
O mundo nunca comeu tanto bife. Essa é a conclusão que pode ser retirada a partir das projeções da FAO, a Organizaçãobetmotion com brComida e Agricultura da ONU. Em um relatóriobetmotion com br2011, a entidade calcula que a demanda global por cortes bovinos crescerá 81% entre 2000 e 2030. O mesmo aumento pode ser vistobetmotion com broutros produtosbetmotion com brorigem animal, como leite (97% a mais), carneiro (88%), porco (66%), aves (170%) e ovos (70%).
A grande questão é que essas criações nem sempre ficam confinadas nas condições sanitárias mais adequadas. A faltabetmotion com brregras e fiscalização faz com que,betmotion com brmuitos países, esses animais sejam mantidosbetmotion com brlocais apertados, sem higiene ou até misturados com outras espécies.
É tudo o que um agente infeccioso precisa para sofrer mutações, se combinar e pular para os seres humanos: na pandemiabetmotion com brH1N1betmotion com br2009, que se originou no México, os estudos mostraram que o vírus influenza que causou todo aquele problema era uma misturabetmotion com brquatro cepas diferentes. "Duas erambetmotion com brorigem suína, uma veio das aves e a outra dos seres humanos", detalha Ujvari.
E esse não é um exemplo isolado: ao longo do século 20, a humanidade enfrentou diversas pandemiasbetmotion com brinfluenza, como a gripe espanhola (1918), a gripe asiática (1957), e a gripebetmotion com brHong Kong (1968). Elas se originaram a partir da mutaçãobetmotion com brvírus que circulavam entre aves.
Do outro lado do mundo
Os três fatores analisados anteriormente ajudam a explicar como surge um novo vírus e como ele é capazbetmotion com brse espalhar rapidamente num território restrito. Mas há um último ingrediente nesta receita que é fundamental para entender a razãobetmotion com brsurtos virarem epidemias ou pandemias: a facilidade que temos para viajarbetmotion com brum canto a outro.
Vamos a um exemplo prático: o municípiobetmotion com brUrasoe, no Japão, fica a 19.382 quilômetrosbetmotion com brSão Paulo. Trata-se da cidade mais afastada do mapabetmotion com brrelação à capital paulista. Uma rápida pesquisa na internet nos mostra que é possível chegar até lábetmotion com braviãobetmotion com brexatas 36 horas e 15 minutos, com escalasbetmotion com brLondres e Tóquio.
Um indivíduo pode deixar o Brasil sem sintoma algumbetmotion com bruma doença infecciosa, como a covid-19 e, se não tomar os devidos cuidados, espalhar o vírus pelos lugares por onde passar — imagina com quantas pessoas e objetos um viajante não interage pelo caminho?
"A mobilidade intensa facilita tremendamente a disseminaçãobetmotion com brum vírus. Portanto, devemos ter a noçãobetmotion com brque ninguém vai estar seguro até que todo o mundo esteja segurobetmotion com brverdade", observa Denise Garrett.
Como será o amanhã?
Enquanto a covid-19 segue como uma ameaça, é preciso pensar também no futuro: a experiência com a pandemia atual nos ensina alguma coisa que ajude a evitar ou minimizar as próximas crises sanitárias?
O virologista Paulo Eduardo Brandão tem uma visão pessimista. "Já tivemos outras situações relativamente parecidas num passado recente e nada mudou. As açõesbetmotion com brcontrole se mantiveram por um tempo e depois foram esquecidas", lamenta.
O especialista acredita, porém, que um dos efeitos positivos possa ser um aumento da vigilânciabetmotion com brvírus emergentes. "Com a tecnologia que temos hoje, é fácil fazer uma prospecção dos ambientes silvestres e determinar potenciais ameaças", diz.
O infectologista Stefan Cunha Ujvari torce para que países e organizações multilaterais tomem medidas mais contundentes contra a caça e a comercialização da carnebetmotion com branimais silvestres. "Assim como estabelecemos protocolos contra o aquecimento global, os gases do efeito estufa e o desmatamento, precisamos ter algo para coibir a invasãobetmotion com bráreas selvagens para minimizarmos o contato com vírus desconhecidos", sugere.
Por fim, a epidemiologista Denise Garrett aposta no preparo tecnológico e nas parcerias entre diferentes atores da sociedade. "A covid-19 nos pegou menos preparados do que deveríamos estar. Precisamos ter uma estrutura para o desenvolvimento mais rápidobetmotion com brvacinas, ao mesmo tempobetmotion com brque necessitamos do trabalho conjunto, pois só vamos superar essa com o esforçobetmotion com brtodos".
Enfrentar a próxima pandemia é questãobetmotion com brtempo. Resta saber como a humanidade vai estar preparada para o novo desafio.
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