‘Fui professor por 17 anos sem saber ler’:premier bet net

John Corcoranpremier bet net2008

Crédito, Alamy

Legenda da foto, John passou décadas guardando seu segredo, até decidir contá-lo para o mundo inteiro

premier bet net John Corcoran teve uma infância comum no Estado americano do Novo México, nas décadaspremier bet net1940 e 50. Frequentou a escola e a universidade e se tornou professor quando se formou - mas fez tudo isso guardando um segredo improvável: ele não conseguia ler uma frase sequer. Em depoimento à BBC, ele relata o sofrimentopremier bet netter tido que recorrer a estratégias frequentes para esconder seu analfabetismo, até decidir revelar a verdade ao mundo, aos 48 anos:

"Quando eu era criança, escutava dos meus pais que eu era um vencedor. E, nos meus primeiros seis anos, eu acreditei nisso.

Demorei a aprender a falar, mas frequentava a escola cheiopremier bet netexpectativaspremier bet netaprender a ler como minhas irmãs - e tudo correu bem nos primeiros anos, porque o que mais se exigia das crianças era fazer fila, sentar, ficar caladas e ir ao banheiro no horário determinado.

Até que, na segunda série, a gente precisava aprende a ler. Mas para mim (o livro didático) era como um jornalpremier bet netmandarim - não entendia o que estava naquelas linhas. E, aos seis, sete e oito anospremier bet netidade, eu não sabia como explicar esse problema.

Lembro-mepremier bet netrezar à noite pedindo: 'por favor, Deus, faça com que eu saiba ler amanhã ao acordar'. Às vezes eu abria um livro para ver se havia ocorrido um milagre. Mas isso não acontecia.

Na escola, eu fui colocado na fileira dos 'burros', com um montepremier bet netoutras crianças com dificuldades para aprender a ler. Não sabia como tinha ido parar ali, como sair dali e nem que perguntas eu precisava fazer.

John Corcoran na infância

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, 'Na quinta série, eu praticamente havia desistidopremier bet netaprender a ler', conta John

O professor não chamava a nossa fileirapremier bet net'crianças burras' - não havia esse tipopremier bet netcrueldade -, mas os colegas falavam assim. E quando você senta na fileira dos burros, você começa a achar que é burro mesmo.

Nas reuniões escolares, meu professor só disse aos meus pais, 'ele é inteligente, ele vai entender'. E me passaram para a terceira série.

'Ele é inteligente, ele vai entender'. E me passaram para a quarta série.

'Ele é inteligente, ele vai entender'. E me passaram para a quinta série.

Mas a verdade é que eu não estava entendendo.

Na quinta série, eu praticamente havia desistidopremier bet netaprender a ler. Eu me levantavapremier bet netmanhã, me vestia e ia para a escola como se estivesse indo para a guerra. Eu odiava a salapremier bet netaula. Era um ambiente hostil e eu precisava encontrar formaspremier bet netsobreviver.

Quando cheguei à sétima série, passava a maior parte dos dias na sala do diretor. Eu era briguento, desafiador, palhaço, perturbador; até ser expulso da escola.

John Corcoran
Legenda da foto, 'Queria que pessoas como eu soubessem que há esperança, há solução. Não somos 'burros', podemos aprender a ler, e nunca é tarde demais'

Mas esse comportamento não refletia como eu me sentia por dentro - não era quem eu queria ser. Eu queria ser alguém diferente, queria ser bem-sucedido, um bom aluno. Mas simplesmente não conseguia.

Na oitava série, canseipremier bet netenvergonhar a mim mesmo e à minha família. Decidi que ia me comportar. E, no ensino médio, se você se comporta, você consegue avançar dentro do sistema. Então decidi ser um queridinho do professor e fazer todo o possível para passar o sistema.

Queria ser atleta - eu tinha habilidades atléticas e matemáticas, tanto que conseguia contar dinheiro e fazer tabuada antes mesmopremier bet netir pra escola.

Eu também tinha habilidades sociais. Andava com os garotos universitários e namorava a menina com as notas mais altas da escola. Fui 'rei da festapremier bet netformatura' e conseguia que meus colegas - geralmente meninas - fizessem a liçãopremier bet netcasa para mim.

Conseguia escrever meu nome e lembrava algumas palavras, mas era incapazpremier bet netescrever uma frase. No ensino médio, eu lia como se estivesse na segunda série. E nunca disse isso para ninguém.

Durante as provas, eu colava ou passava a folha para alguém responder as perguntas para mim.

Mas, quando passei para a universidade com uma bolsapremier bet netatleta, a história mudou.

Pensei: 'Meu Deus, isso é demais para mim, como vou fazer?'

John Corcoran como atleta na juventude

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Habilidades atléticas lhe renderam uma bolsa na universidade

Entrei para uma fraternidade que tinha cópiaspremier bet netprovas antigas. Era uma das formas que eu usava para colar. Tentei acompanhar as aulas ao ladopremier bet netum colega, para me ajudar. E tentei também estratégias mais criativas e desesperadas para passarpremier bet netano.

Em uma prova, o professor escreveu quatro perguntas na lousa para copiarmos. Eu estava sentado no fundo da sala, perto da janela. Com muito sacrifício, eu escrevi as quatro perguntas. Mas não sabia o que elas queriam dizer.

Havia combinado com um amigopremier bet netficar do ladopremier bet netfora da janela. Ele era provavelmente o aluno mais esperto que eu conhecia, e havia acertadopremier bet netapresentar ele para a meninapremier bet netquem ele gostava. Então, ele respondeu as perguntas para mim.

Em outra ocasião, eu invadi a sala do professor três noites seguidas, à meia-noite, como um ladrão, para procurar pela prova. Eu sabia que havia cruzado uma linha - não era mais apenas um estudante que colava, eu era um criminoso.

E mesmo assim não consegui encontrar a prova. Deduzi que ela estaria dentropremier bet netum gaveteiro trancado à chave, então chamei três amigos para irem comigo à sala do professor à 1h da manhã. Carregamos o gaveteiro, colocamos dentropremier bet netum carro e o levamos embora. Consegui que um chaveiro abrisse para mim e peguei uma cópia da prova, e um amigo inteligente me deu as respostas.

Devolvemos o gaveteiro e, às 5h da manhã daquele dia, eu acordei pensando: 'Missão impossível cumprida!'. Me sentia muito bem por ser tão esperto.

Mas simplesmente deitei na minha cama e comecei a chorar como um bebê.

Por que eu não pedi ajuda? Porque não acreditava que ninguém poderia me ensinar a ler. Era um segredo que eu guardava.

Meus pais e professores diziam que pessoas com diploma universitário conseguem empregos melhores e vidas melhores, então acreditei nisso. Minha motivação era apenas conseguir o diploma. Talvez algum dia, por osmose, por orações ou por milagre eu aprendesse a ler.

Assim eu me formei, e havia uma escassezpremier bet netprofessores. Recebi uma ofertapremier bet netemprego. É a coisa mais ilógicapremier bet netse pensar: eu havia escapado da jaula do leão e voltava para atiçar o leão outra vez.

Por que virei professor? Olhando para trás, parece uma loucura. Mas eu havia cursado a escola e a universidade sem ser desmascarado, então ser professor parecia um bom esconderijo. Ninguém suspeita que um professor não sabia ler.

Ensinei coisas diversas. Fui técnicopremier bet netatletismo. Ensinei estudos sociais. Ensinei digitação - conseguia digitar 65 palavras por minuto, sem saber o que estava digitando. Nunca escrevi nada na lousa, e não havia palavras escritas nas minhas salaspremier bet netaula. Havia muitos filmes e discussões.

Mas eu me lembro do medo que sentia. Eu sequer conseguia fazer a chamada. Tinha que pedir aos estudantes para pronunciar seus nomes, para que eu pudesse sabê-los. E identificava dois ou três estudantes para me ajudar nas aulas. Eles não suspeitavampremier bet netnada - ninguém suspeita do professor.

John Corcoran na juventude

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, John foi desenvolvendo estratégias ao longo da vida para esconder seu segredo

Um dos meus maiores pavores eram as reuniões semanaispremier bet netprofessores. Às vezes o diretor pedia que alguém escrevesse as ideias na lousa. Eu tinha um plano: se ele me pedisse, eu ia fingir um desmaio e torcer para que eles chamassem o socorro. Eu faziapremier bet nettudo para não ser flagrado, e não fui.

Às vezes eu me sentia um bom professor, porque eu trabalhava duro e realmente me importava com o que fazia. Mas eu não era um bom professor. Eu estava errado. Meu lugar não era na salapremier bet netaula, eu estava invadindo um terreno que não era meu. Algumas vezes isso me deixava fisicamente doente, mas eu estava dentropremier bet netuma armadilha e não podia contar para ninguém.

Me casei durante meu período como professor. O casamento é um sacramento, um compromissopremier bet netser verdadeiro com alguém. Foi a primeira vez que pensei: 'Vou confiar nessa pessoa, vou contar para ela'.

Eu treinei na frente do espelho: 'Cathy, eu não sei ler. Cathy, eu não sei ler'.

Uma noite, enquanto estávamos sentados no sofá, eu finalmente disse: 'Cathy, eu não sei ler'.

Mas ela não entendeu direito. Ela achou que eu estava dizendo que não lia muito. O amor é cego e surdo.

E assim casamos, tivemos um filho e só anos depois ela foi entender.

Eu estava lendo para a nossa filhapremier bet nettrês anos. Líamos para ela com frequência, mas não era realmente uma leitura - eu inventava histórias a partir das que conhecia, como Cachinhos Dourados ou Os Três Ursos.

Só que havia um livro novo, Rumpelstiltskin, e a minha filha me disse: 'Você não está lendo igual à mamãe'.

A minha mulher me ouviu tentando ler um livro infantil e a ficha caiu. Ela se deu contapremier bet netque eu sempre pedia para ela escrever coisas para mim, e finalmente ela entendeu quão grave era o meu problema.

Mas nada foi dito, não houve nenhum confronto, ela simplesmente continuou me ajudando.

John Corcoran epremier bet netneta

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, John Corcoran epremier bet netneta; foi 'lendo' para a mãe dela que ele acabou sendo 'desmascarado'

Não alivioupremier bet netnada, porque por dentro eu me sentia burro, me sentia uma farsa. Eu era um enganador. Ensinava meus alunos a buscar a verdade, e era o maior mentiroso da sala. O alívio só veio quando eu finalmente aprendi a ler.

Fui professor entre 1961 e 1978. Oito anos depoispremier bet netdeixar meu emprego, algo finalmente mudou.

Tinha quase 48 anos quando vi Barbara Bush, então primeira-dama dos EUA, falando sobre analfabetismo adulto na TV. Era a causa que ela combatia. Eu nunca havia escutado ninguém falandopremier bet netanalfabetismo adulto antes, achava que era a única pessoa do mundo naquela situação.

Eu estavapremier bet netum momentopremier bet netdesespero. Queria contar para alguém e queria pedir ajudar. Um dia, estava na fila do mercado e ouvi duas mulheres conversando sobre um homem que estava aprendendo a ler na biblioteca. Elas falavam com muita alegria, e eu não conseguia acreditar.

Fui até a biblioteca, perguntei pela diretora do programapremier bet netalfabetização, me sentei com ela e contei que não sabia ler.

Foi a segunda pessoa a quem contei isso na minha vida adulta.

John Corcoran epremier bet netmulher com George e Barbara Bush

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, John Corcoran epremier bet netmulher com George e Barbara Bush; discurso da então primeira-dama dos EUA o inspirou

Ganhei uma tutora voluntáriapremier bet net65 anos. Ela não era uma professora, apenas alguém que amava ler e não queria que ninguém passasse pela vida sem saber fazer o mesmo.

Ela logo tentou fazer com que eu escrevesse, porque eu tinha todos esses pensamentos na cabeça e nunca havia escrito uma frase com eles. A primeira coisa que escrevi foi um poema com meus sentimentos. O bom da poesia é que você não precisa escreverpremier bet netfrases completas.

Ela conseguiu me ensinar a leitura até o nível da sexta série - era como se eu tivesse morrido e ido ao paraíso. Mas levei sete anos para me sentir alfabetizado. Eu chorava, chorava, chorava depoispremier bet netcomeçar a ler - foi um processo repletopremier bet netdor e frustração -, mas isso preencheu um buraco enorme na minha alma. Adultos que não sabem ler tiverampremier bet netinfância suspensa, emocionalmente, psicologicamente, academicamente, espiritualmente. Somos pessoas que não cresceram.

Minha tutora me encorajou a contar minha história para motivar outros e promover a alfabetização, mas eu disse: 'De jeito nenhum. Morei nesta comunidade por 17 anos, meus filhos, meus pais e minha mulher moram aqui. Não é uma história que eu queira contar'.

John Corcoran epremier bet netfamília

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, John Corcoran epremier bet netfamília; ele diz que 'viveu no escuro' durante os 48 anospremier bet netque não soube ler

Até que eu decidi contar. Era um segredo vergonhoso, então foi uma decisão difícilpremier bet nettomar, mas, quando a tomei, decidi contar minha história para todo o país, para quem quisesse ouvir. Depoispremier bet netguardar meu segredo por décadas, eu decidi expulsá-lopremier bet netmim.

Contei minha história (nos programaspremier bet netTV) da Oprah, do Larry King.

Era incômodo para as pessoas escutarem a históriapremier bet netum professor que não sabia ler. Teve gente que disse que eu havia inventado a história toda.

Mas eu queria que pessoas como eu soubessem que há esperança, há solução. Não somos 'burros', podemos aprender a ler, e nunca é tarde demais.

Infelizmente, continuamos a empurrar crianças e adolescentes pelo sistema escolar sem ensiná-las habilidades básicaspremier bet netleitura e escrita. Mas podemos romper esse ciclopremier bet netfracasso se,premier bet netvezpremier bet netculpar os professores, nos assegurarmospremier bet netque eles sejam devidamente treinados.

Por 48 anos, eu vivi no escuro. Mas finalmente eu enterrei o fantasma do meu passado."

Depoimento concedido a Sarah McDermott, da BBC