Professor britânico capturado por força-tarefa global é condenado a 32 anosprisão por pedofilia e chantagem:

Matthew Falder
Legenda da foto, Falder tinha perfil aparentemente acimaqualquer suspeita no trabalho eredes sociais | Foto: NCA

A Justiça britânica condenou nesta semana o professor universitário Matthew Falder a 32 anosprisão, depois que uma força-tarefa global e quatro anosinvestigações revelaram que ele - que ostentava um perfil aparentemente acimaqualquer suspeita no trabalho e nas redes sociais - estava por trásuma redechantagens e pedofilia que fez centenasvítimas na internet.

O processo é apontado como o primeiro do Reino Unido relacionado a materiais pornográficos sádicos, que exibiam abusos reais e eram compartilhados na "dark web" - uma área da internetque usuários conseguem publicar conteúdos ilegais,forma anônima.

Falder, no entanto, não conseguiu esconder todos os rastros.

Ele foi descoberto e preso no ano passado acusadooperar ao menos três perfis com o objetivoatrair suas vítimas e forçá-las a lhe enviar materiais muitas vezes pornográficos, posteriormente divulgados por ele nessa rede.

Para atenderem ao que exigia, ela ameaçava mandar outros conteúdos que poderiam comprometê-las para parentes e amigos.

Crimes

Crimes cometidos ao longo dos últimos oito anos foram revelados durante as investigações, iniciadas pelo FBI, nos Estados Unidos, e reforçadas posteriormente por uma força-tarefa global envolvendo serviçossegurança e inteligência também da Austrália, da Nova Zelândia,Israel e da Europa.

Segundo os investigadores, Falder era, para quem olhavafora, um acadêmico formadoCambridge com um bom emprego, família e amigos.

Sua página no Twitter revela,poucas postagens, seu interesse por dinossauros, tênismesa e impressões3D. Também exibe selfies, palavras cruzadas e uma pergunta aparentemente inofensiva: "como postar vídeosboa qualidade?".

Nos bastidores, porém, vídeos estavam justamente entre as armas que usava para humilhar e chantagear suas vítimas.

IlustraçãoMatthew Falder
Legenda da foto, Imagem do professor durante o julgamentoque foi condenado a 32 anosprisão: ele se declarou culpado por 137 acusações | Imagem: Julia Quenzler

"O pior website do mundo" revelou primeiras pistas sobre o caso

Falder operava sob nomesusuários anônimos, ameaçando pessoas com quem conversava para que compartilhassem com ele vídeos e fotospedofilia - descritos na investigação como "materiais terríveis", depois repassados por ele a outros criminosos na dark web.

O esquema começou a ser revelado a partirum trabalho que o FBI iniciou, nos EUA,2013, para expor usuáriossitespedofilia nessa rede.

Para fazer a investigação, especialistas criaram seus próprios sites nos servidores que hospedavam os sites criminosos.

O objetivo era rastrear o que estava sendo dito e feito neles. E foi aí que as primeiras pistas sobre o professor apareceram.

Com a tática que utilizaram, os agentes conseguiram acessar as chamadas comunidades "hurtcore", dedicadas a compartilhar imagensestupro, assassinato, sadismo, tortura, pedofilia, chantagem e humilhação.

Em um desses sites, o 'Hurt 2 The Core' - descrito pela NCA como "o pior website do mundo" - um usuário conhecido apenas como "Inthegarden" ("No jardim",tradução literal) postou imagenschantagem contra uma adolescente.

Ele foi rastreado e identificado também como autorposts feitos no siteclassificados Gumtree, uma das plataformas que usava para atrair suas potenciais vítimas.

Matthew Falder
Legenda da foto, Falder era conhecido como "666devil" e "evilmind" na dark web | Foto: NCA

Estratégia incluía usoperfis falsos

Online, o suspeito fingia ser uma artista do sexo feminino deprimida, para se aproximaroutros usuários e atraí-los para bate-papos.

Ele usava ao menos três nomesmulheres - Liz, Jess e Shona - e 30 diferentes endereçose-mail criptografados, obtidos atravésserviços da Rússia, para manter o anonimato.

Nas conversas que travava, prometia centenas, e às vezes milhareslibras, que nunca pagou, por imagenspessoas nuas ou parcialmente vestidas.

Depoisconstruir um relacionamento com elas, obtinha suas informações pessoais e imediatamente removia a conversa dos servidores do Gumtree.

Suas vítimas eram então chantageadas a mandar para ele imagens descritas como "cada vez mais terríveis".

Algumas delas, com apenas 14 anosidade, foram coagidas a se despirem, escreverem mensagens racistas e homofóbicassinais, e a tirar fotossi mesmas com eles.

Outras foram forçadas a lamber assentosvasos sanitários, a usarem absorventes internos e a comerem comidacachorro. Alguns, obrigados a posar usando uniformes escolares.

As imagens eram então postadasfóruns "hurtcore", onde podiam ser vistas por inúmeros membros das redes sociais globaisabuso sexual infantil.

O suspeito também oferecia conselhos a outros pedófiloscomo escaparemuma eventual captura, sugerindo que evitassem usar dinheiro. Quevez disso usassem "vouchers para as crianças confiarem" neles.

Muitas das vítimas no Reino Unido relataram à polícia abusos cometidos pelo usuário "Inthegarden", mas não havia evidências suficientes para identificar quem estava por trás desse perfil.

Em abril2015, porém, a NCA descobriu o que viria a ser mais umseus rastros. Eram postagensum usuário chamado "666devil",referência ao "número da besta" - 666.

Falder usando o notebookum trem
Legenda da foto, Falder chegou a ser filmado enquanto usava o computadorum trem, durante períodoque esteve sob vigilância secreta da polícia | Foto: NCA

'Semana infernal'

O perfil "666devil" usava a fotouma jovem como ícone no fórum, afirmando que era uma imagem da própria "filha".

Ele dizia que planejava torturá-la durante o que apelidou"semana infernal" e pedia aos membros que sugerissem o que poderia fazer a ela.

Os agentes tentaram identificar a garota na imagem, acessando as contaswebmail do usuário na tentativadescobrir quem ela era e então protegê-la.

Foi aí que eles perceberam que esse usuário, o que postava sob o nome "evilmind" e o "Inthegarden" eram a mesma pessoa, e que, quem quer que fosse, havia se aproximadomais200 vítimastodo o mundo, incluindo as que vivem nos Estados Unidos.

Como neste estágio da investigação ainda não havia o bastante para identificar o suspeito, uma força-tarefa especial foi criada para reforçar a investigação e a coletaprovas contra ele.

O grupo envolvia os serviçossegurança e inteligência NCA (National Crime Agency) e GCHQ (Government Communications Headquarters), ambos no Reino Unido, o Homeland Security Investigations, nos EUA, a Polícia Federal da Austrália e o Serviço EuropeuPolícia (Europol) - e teve ramificaçõesIsrael e na Eslovênia.

A investida se mostrou bem-sucedida.

Ao finalmarço2017, eles conseguiram vincular um suspeito a um endereçoBirmingham, na Inglaterra.

Falder foi identificado como esse suspeitoabril, colocado sob vigilância secreta por três meses e chegou a ser filmadoum trem, por exemplo, usando seu laptop.

O oficial da Agência NacionalCrime do Reino Unido (NCA, da siglainglês), Matthew Long, disse que se tratavaum homem "altamente manipulador" e "sádico" que se gabavaque nunca seria pego.

Algumas das postagens que fez nesses sites foram destacadas pelos investigadores. Nelas, ele dizia, por exemplo, "fico feliz que estejam gostando do sofrimento dela (se referindo a uma vítima)" e "Adoro fazer chantagem, especialmente forçar alguém que conheço na internet a fazer coisas que não querem fazer apenas por diversão".

Computador e outros objetosFalder
Legenda da foto, Um dos computadoresFalder continha, segundo os investigadores, informações fortemente criptografadas | Foto: NCA

Prisão

No entanto, ele não conseguiu mais escapar da Justiça e, no dia 21junho do ano passado, policiais à paisana o prenderamseu localtrabalho.

Falder foi algemado na sala que ocupava na UniversidadeBirmingham, onde dava aulasgeofísica eonde deverá ficar maisseis anos licenciado após sair da prisão.

No momentoque foi capturado, doisseus aparelhos eletrônicos foram imediatamente apreendidos, revelando o que a NCA chamou"evidência significativa". Eles mostravam que seus crimes remontavam à 2009, quando ainda era estudante e tinha 21 anos.

A polícia descobriu que estes primeiros casos ocorreramoito locais, envolvendo 13 vítimas.

Falder foi interrogado pela polícia durante três dias, durante os quais se recusou a fazer comentários, mas admitiu controlar a conta online do usuário "evilmind". Mas foi descoberto que ele estava por trás também dos outros perfis investigados.

Sua casaHarborne Park Road, Edgbaston, foi invadida, revelando um ambiente caótico, com quarto desarrumado, roupas sujas, caixas velhaspizza e moedas espalhadas pelo tapete.

Um computadormesa e um laptop também foram encontrados, rodeados por gavetasferramentas e montesfios enfiadosrecipientesplástico.

Os oficiais descobriram informações nos dispositivos muitas vezes com duplas camadascriptografia.

Ao longojunho e agosto do ano passado, o Crown Prosecution Service (CPS) - agência que julga casos criminais que foram investigados pela polícia e outras organizaçõesinvestigação na Inglaterra e no PaísGales - trabalhou com autoridades nos EUA e foi decidido, por fim, processá-lo no Reino Unido.

QuartoFalder
Legenda da foto, Imagens do quarto do professor foram divulgadas revelando ambiente caóticoque vivia, segundo investigadores | Foto: NCA

Vítimas

Documentos divulgados pela CPS e pela NCA mostram que, durante essa quase uma décadacrimes,listavítimas incluiu meninos, meninas, homens e mulheres. Estima-se que ele tenha feito cerca50 vítimasum períodooito anos compreendido entre 2009 e 2017.

"Ele buscava suas vítimas no Gumtree e até mesmosites pró-anorexia", disse Ruona Iguyovwe, da CPS. "E gostavahumilhá-las".

"Algumas dessas vítimas", disse Iguyovwe, "contaram que, desde que entraramcontato com ele, tentaram suicídio várias vezes. Outras disseram que nunca superariam o que aconteceu, que sempre se sentiriam "sujas, como mercadorias usadas".

Uma mãe que foi forçada a enviar imagens da filha a ele, disse sentir "como se tivesse falhado enormemente com a menina". "Isso nunca desaparecerá. Vou ter que lutar com a culpa pelo resto da minha vida".

Julgamento

Algumassuas vítimas estiveram no tribunal para ouvir a sentença e não conseguiram conter as lágrimas.

Foram três diasjulgamentoque ele, porvez, não demonstrou qualquer emoção.

Apontado como "sádico e manipulador", Falder admitiu 137 acusações das 188 que pesavam contra ele - que vão desde encorajar o estuprouma criançaquatro anos a possuir um manualpedofilia. As 51 acusações restantes permanecem arquivadas.

Um dos agentes envolvidos na operaçãocaptura dele, Will Kerr, da NCA, disse que,28 anospolícia, nunca se deparou com um "indivíduo mais perigoso".

O agentesupervisãoinvestigações, Scott Crabb, da Homeland Security, nos EUA, o descreveu como "monstro" e a seus atos,"pura crueldade".

"Falder é absolutamente o pior explorador infantil e chantageador que já vi", disse.

A NCA afirma que o homem29 anos simplesmente gostavainfligir dor. E o descreve como um dos criminosos mais "atuantes e depravados" que encontrou até agora.

Ao comentar sobre o julgamento, o Gumtree disse, por meioporta-voz, que aplaudia a condenação pelos "crimes terríveis" que cometeu, acrescentando que o site leva "a segurançaseus usuários extremamente a sério".

A UniversidadeCambridge, porvez, informou que estava "buscando ativamente" retirar as qualificações acadêmicas que Falder obteve.