Eugenia: como movimento para criar seres humanos 'melhores' nos EUA influenciou Hitler:af12bet
Segundo Kevles, para entender a eugenia, é preciso voltar à Inglaterra vitoriana,af12betmeadosaf12bet1800. "Tudo começou com as ideiasaf12betFrancis Galton, cientista que era primoaf12betDarwin. Ele era antropólogo, geógrafo, explorador, inventor, meteorologista, estatístico, psicólogo. Mas o que lhe fascinava acimaaf12bettudo era a genialidade e a herança biológica."
Galton acreditava que, se conseguíssemos encontrar a maneiraaf12betquantificar essa hereditariedade, poderíamos controlá-la e produzir humanos melhores, como fazemos com o gado e com as plantas. A esse novo programaaf12betreprodução seletiva que permitiria tomar as rédeas da nossa evolução, se deu o nomeaf12beteugenia.
"Não era irracional que biólogos como Galton pensassem que, se as ciências físicas estavam mudando o mundo tão dramaticamente - as ferrovias, a luz elétrica, o telefone -, as ciências da vida poderiam fazer o mesmo."
Contexto americano
Até a virada do século, a ideiaaf12betGalton estava se disseminando pelo mundo. Começou a enraizar-se nos Estados Unidosaf12betparte porque nessa época as pessoas estavam preocupadas com o que estava acontecendo com suas cidades. Seus apoiadores tinham uma tendênciaaf12betser "da classe média, brancos e bem educados, que se sentiam perturbadas com as favelas industriais".
Desde a Revolução Industrial, a partiraf12betmeados do século 19, os camponeses começaram a ir para as cidadesaf12betbuscaaf12bettrabalho nas fábricas. Foi uma das primeiras vezes na história que os Estados Unidos tiveramaf12betenfrentar problemas sociais urbanos.
"Crime, prostituição, alcoolismo, pobreza. Além dos camponeses, os imigrantes também estavam chegandoaf12betgrandes ondas vindos do sul e do leste da Europa. Houve uma confluênciaaf12betfatores nos primeiros 15 anos do século 20 nos Estados Unidos que criou um público para a eugenia", explica o historiador.
A teoria deu àqueles que estavam aterrorizados com o que viam nas ruas uma estrutura biológica para a compreensão da situação: tudo se resumia a problemas hereditários. No entanto, não era precisamente a isso que Galton se referia: para o vitoriano, a eugenia tratavaaf12betfomentar a reproduçãoaf12betgênios.
Foi nos Estados Unidos que a eugenia ganhou contornos mais negativos: o controleaf12betquem se reproduziria e quem não teria esse direito. "Isso acontecia porque os Estados Unidos pareciam estar se 'degenerando' - essa era a palavra usada na época", disse Kevles.
"A eugenia é normalmente tratada como uma pseudociência. Mas, no meu pontoaf12betvista, ciência é o que os cientistas fazem. E nessa época, muitos cientistas estavam interessados na eugenia."
Mãos à obra
A eugenia não interessou somente a cientistas maus, mas também àqueles que queriam saber como herdávamos certas características. Em 1910, foi criado um laboratório perto da cidadeaf12betNova York, citado no começo dessa reportagem, que se chamava "Oficinaaf12betRegistroaf12betEugenia".
Lá, as informações eram coletadas, processadas e arquivadas. Eles estavam interessadosaf12bettodo tipoaf12betcaracterística: desde a cor dos cabelos e olhos até o daltonismo e a epilepsia, alémaf12betcuriosidades como "o amor pelo mar", algo que chamavamaf12bet"ciganismo", "genesaf12betguerreiros", até outros menos exóticos, como a promiscuidade, controle moral, "vagabundagem" e sobriedade.
Apesar disso, a eugenia se converteuaf12betuma palavra familiar nos Estados Unidos: aparecia nos jornais, no rádio, nos filmes. Nas feiras agrícolas, começaram a aparecer alguns "concursosaf12betfamílias mais aptas" - eram como osaf12betgado, só que as famílias se submetiam a provas médicas, psicológicas eaf12betinteligência, alémaf12betentregarem um histórico familiar. Os ganhadores recebiam uma medalha com a seguinte frase bíblica: "Tenho uma bela herança" (Salmo 16:6).
Além desses, também havia concursos nas universidades, e os jovens mais privilegiados eram incentivados sobre o "deveraf12betse reproduzir". "Todo mundo era eugenista, porque não sabiam dos crimes que seriam cometidos por causa dessa palavra", afirmou Kevles.
'Três geraçõesaf12betimbecis são suficientes'
Em meadosaf12bet1920, esterilizar pessoas era legalaf12betalguns Estados americanos. Mas ainda não havia uma lei federal para a esterilização compulsiva nos EUA. Muitas das leis estaduais foram levadas às cortes e anuladas, porque os juízes não aprovavam esterilização sem consentimento.
Masaf12bet1927 foi emitida uma decisão sobre a constitucionalidade da esterilização por eugenia. O caso Bucks versus Bell ficou famoso na Suprema Corte e representou um pontoaf12betinflexão na história da eugenia nos Estados Unidos.
Carrie Buck era uma jovem interna na Colônia Estatalaf12betVirginia para Epiléticos e Débeis Mentais. O superintendente era John Bell, que queria impedir que ela tivesse filhos. O caso chegou à Suprema Corte, e os juízes, depoisaf12betaceitarem que tanto ela como a mãe era "débeis mentais e promíscuas", votaram 8 a favor e 1 contra poraf12betesterelização.
Alémaf12betdeterminarem que isso era constitucional, os juízes ainda afirmaram que seria "irresponsável" não fazê-lo. O veredito escrito pelo juiz Oliver Wendell Holmes Junioraf12bet2af12betmaioaf12bet1927 dizia:
"É melhor para todo mundo se,af12betvezaf12betesperar para executar os descendentes degenerados por algum crime ou deixar que morramaf12betfome por causa da imbecilidade, a sociedade possa prevenir aqueles que são manifestadamente inaptosaf12betse reproduzirem. O princípio que sustenta a vacinação obrigatória é suficientemente amplo para cobrir o corte das trompasaf12betFalópio. (...) Três geraçõesaf12betimbecis são suficientes."
Se a eugenia era popular antes desse veredito, a partir desse momento, era lei. "Nos anos 30 a esterilização disparou", lembra Kevles. Os surdos, cegos, epiléticos, "débeis mentais" e até pobres eram esterilizados, já que a pobreza tinha seu próprio diagnóstico médico: o pauperismo. Qualquer pessoa considerada um obstáculo para a sociedade estavaaf12betrisco.
Cercaaf12bet60 a 70 mil indivíduos foram esterilizados nos Estados Unidos. E o mais surpreendente é que,af12betalguns Estados, como a Virginia, a esterilização continuou até 1979.
Esquecimento
Quando o advogado Mark Bold, da cidadeaf12betLynchburg, na Virginia, estava cursando a universidade, umaaf12betsuas aulas era dedicada a "sentenças lamentáveis'. Entre elas, ele ficou obcecado pelo caso Bucks vs. Bell. "Eu me dei contaaf12betque a maioria das pessoas não sabia do que tinha acontecido."
Depois da 2ª Guerra Mundial, a eugenia foi associada aos nazistas, e, quase ao mesmo tempo, nossa compreensão sobre a genética começou a se expandir e ideias como a da teoria caíramaf12betdescrença. Por isso, a lembrança da eugenia não relacionada ao Terceiro Reich foi se apagando.
Bold sentiu que "tinha que fazer algo", por isso estudou a história, conversou com a maior quantidadeaf12betpessoas que conseguiu e até encontrou alguns dos útimos sobreviventes. Um deles, E. Lewis Reynolds, tem 88 anosaf12betidade. Quando criança, seu primo jogou uma pedra naaf12betcabeça, o que lhe causou convulsões.
Pelo menos, essa é uma versão do que pode ter acontecido, já que não se recorda muito bem. O que ele sabe, e está registrado, é que o levaram à Colônia Estatal da Virgínia para Epilépticos e Débeis Mentais.
Somente anos mais tarde, depoisaf12betfazer um exame médico para se alistar no Exército dos Estados Unidos, é que ele foi saber do que havia acontecido. "O médico me disse que eu poderia dormir com quantas mulheres eu quisesse, porque eu 'disparava cartuchos vazios' - foi isso que ele me disse", contou ele à BBC.
"Contei para minha noiva, mas ela disse que gostava muitoaf12betmim para me abandonar. Casamos e ficamos juntos muitos anos. Ela morreu há oito. Acho que me fizeram mal. Não deveriam ter me operado. Tiraram meu direitoaf12better uma família", lamenta Reynolds.
Perguntas perigosas
Já há alguns anos, Mark Bold pressionava os legisladoresaf12betVirgínia para que compensem as vítimas . "Não podemos esperar, elas vão morrer", disse.
Finalmente, seu trabalho surtiu efeito: o Estado aceitou pagar US$ 25 mil (R$ 77mil) para cada uma. "Não sei como colocar um preço quando te tiram o direitoaf12better filhos, por isso é arbitrário. Mas é um gesto: declara que o Estado se portou mal", afirmou Kevles.
Mas não há dúvidaaf12betque o Estado não foi o único culpado - a ciência também foi. "A ciência é um processo, sempre estáaf12betmudança constante. O que hoje é verdade absoluta, não será amanhã. É especialmente importante prestar atenção quando o que estáaf12betjogo é a liberdade, a dignidade, e os direitos humanos", acrescentou.
Ao nos esforçarmos para entender e melhorar a condição humana, Kevles pede que não nos esqueçamos da eugenia porque, ainda que muito tenha mudado desde que Francis Galton concebeu a ideia, há algo que segue igual: os cientistas seguem sendo seres sociais.
As perguntas que eles fazem podem ser produtosaf12betseus preconceitos sociais.
"'As meninas são melhoresaf12betmatemática do que os meninos' ou 'as pessoasaf12betcor são menos inteligentes do que as outras'... por que fazemos essas perguntas? Também há perguntas sobre as características genéticas da violência, ou do vício. E fazemos essas perguntas porque elas têm uma importância social, política e econômica, não porque sejam inerentemente interessantes", explica.
E conclui: "Devemos ter muito mais cuidado e não 'genetizar' ou 'medicalizar' as condições humanas que nos assustam, nos incomodam e nos custam".