Calendário gregoriano: como papa Gregório 13 mudou contagem dos dias há 440 anos:regulamentação casa de apostas

Papa Gregório,regulamentação casa de apostasquadroregulamentação casa de apostasautoria desconhecida

Crédito, Domínio público

Legenda da foto, O papa Gregório 13 introduziu o calendário gregoriano, que usamos até hoje, no século 16

A mudança tinha seus propósitos. Há séculos estudiosos vinham alertando para o fatoregulamentação casa de apostasque o calendário vigente estava obsoleto — com o passar do tempo, cada vez menos o número da folhinha correspondia aos fatos do calendário solar, dos equinócios às próprias estações do ano.

O calendário utilizado até então era o juliano, um legado da Roma antiga, praticado desde cerca do anoregulamentação casa de apostas45 a.C..

E o mesmo já havia passado por alguns ajustes, seja para tentar corrigir desvios, seja para render homenagens a imperadores romanos que passaram a emprestar seus nomes a alguns meses.

A solução adotada por Gregório 13 foi sofisticada por dois motivos: ela remediava o estrago já feito, ao "pular" dez dias e, assim, ajustar novamente a contagem humanaregulamentação casa de apostasforma correspondente à natural; e prevenia novos desarranjos, ao melhorar a regra, já adotada, do ano bissexto.

O ano bissexto, ou seja, esse acréscimoregulamentação casa de apostasum dia a mais no calendárioregulamentação casa de apostastemposregulamentação casa de apostastempos, foi criado juntamente com o calendário juliano.

Já se tinha percebido, portanto, que o ano não tinha exatamente 365 dias, mas um pouquinho a mais.

Se colocado esse dia a maisregulamentação casa de apostasvezregulamentação casa de apostasquando, pronto, o ajuste ficava feito.

Mas era muito impreciso o conhecimento astronômico da época. Assim, o tal diaregulamentação casa de apostaslambuja já foiregulamentação casa de apostastrêsregulamentação casa de apostastrês anos, depoisregulamentação casa de apostasquatroregulamentação casa de apostasquatro.

E, bom, por politicagens e desencontros, houve épocasregulamentação casa de apostasque simplesmente essa mudança não ocorria.

Dezesseis séculos depois, eraregulamentação casa de apostasse imaginar como as coisas estavam desarranjadas.

Mas, graças a uma comissão científica convocada por Gregório 13, descobriu-se que se a adoçãoregulamentação casa de apostasum dia ocorresse simplesmente a cada quatro anos, com o passar do tempo a conta não iria fecharregulamentação casa de apostasnovo.

Então a bula papal passou a prever,regulamentação casa de apostasseu nono parágrafo, três regras complementares para o ano bissexto. Exatamente as normas vigentes até hoje.

É assim:regulamentação casa de apostasquatroregulamentação casa de apostasquatro anos o ano é bissexto, masregulamentação casa de apostascemregulamentação casa de apostascem anos não é ano bissexto, contudoregulamentação casa de apostas400regulamentação casa de apostas400 anos é ano bissexto — e as últimas regras prevalecem sobre as primeiras.

Em outras palavras, são bissextos todos os múltiplosregulamentação casa de apostas400 — ano 1600 foi bissexto, ano 2000 foi bissexto, ano 2400 será bissexto.

E são bissextos todos os múltiplosregulamentação casa de apostasquatro, exceto se também for múltiploregulamentação casa de apostas100 mas nãoregulamentação casa de apostas400.

Por isso o anoregulamentação casa de apostas1900 não foi bissexto — e 2100 também não será bissexto.

Com essa fórmula, o ano do calendário ficou matematicamente ajustável ao natural — ou seja, ao fatoregulamentação casa de apostasque a Terra leva 365,2425 dias para dar a volta completaregulamentação casa de apostastorno do Sol.

Antecedentes

"A necessidaderegulamentação casa de apostasmudança no calendário, atualizando e reformando o dito juliano, vinha sendo apontada por estudiosos desde muito antes", lembra o estudiosoregulamentação casa de apostashagiografias Thiago Maerki, pesquisador da Universidade Federalregulamentação casa de apostasSão Paulo (Unifesp) e associado da Hagiography Society, dos Estados Unidos.

"Essa questão vinha sendo levantada pelo menos desde o século 2."

Oficialmente, o primeiro a apontar problemas no calendário juliano foi o famoso astrônomo, geógrafo, cartógrafo e matemático Cláudio Ptolomeu (90-168).

Na era medieval, o respeitável monge Beda (673-735) também estudou o tema.

E há registrosregulamentação casa de apostasque o frade e filósofo Roger Bacon (1220-1292) seja outro que tenha se debruçado sobre a problemática.

"No anoregulamentação casa de apostas1267, ele chegou a alertar o papa sobre um erroregulamentação casa de apostasrelação ao equinócio da primavera", diz Maerki.

"Além desses, há outros que atentavam para uma necessidaderegulamentação casa de apostasreformulação."

Em 1344, o papa Clemente 6º (1291-1352) chegou a delegar a importantes astrônomosregulamentação casa de apostasseu tempo a tarefaregulamentação casa de apostasrepensarem uma forma melhorregulamentação casa de apostasreorganizar o tempo.

Seu sucessor, Inocêncio 6º (1282-1362), também encarregou especialistasregulamentação casa de apostasestudarem a questão.

"No Concílioregulamentação casa de apostasConstança [realizado entre 1414 e 1418] foram organizadas intensas comissões para pensar essa reforma [do calendário]", acrescenta Maerki.

"Foi quando acabou apontado como erro escandaloso o calendário juliano, especialmente no que se refere à determinação da Páscoa. Havia muito debate e especulação, mas ocorriam grandes discussões entre astrônomos e matemáticos."

Nos anos 1476, papa Sisto 4º (1414-1484) chamou o matemático e astrônomo Regiomontano (1436-1476) para Roma, a fimregulamentação casa de apostasencomendar a ele um plano para solucionar o calendário.

"Mas ele morreu logo apósregulamentação casa de apostaschegada, segundo historiadores, provavelmente assassinado. Não conseguiu, portanto, ajudar o papa na empreitada", salienta Maerki.

A necessidaderegulamentação casa de apostasajuste também foi debatida no quinto Concílioregulamentação casa de apostasLatrão, realizado entre 1516 e 1517.

"O papa Leão 10 [1475-1521] chamou muitos para trabalharem na resolução desses problemas", aponta o pesquisador.

Desta época, há cartas trocadas entre os astrônomos Paolo di Middelburg (1446-1534) e Nicolau Copérnico (1473-1543) debatendo e buscando alguma solução para ajustar a contagem dos dias.

Papa Gregórioregulamentação casa de apostasretrato da pintora Lavinia Fontana

Crédito, Domínio público

Legenda da foto, Até o papa Gregório 13 introduzir a mudança, o calendário utilizado era o juliano, um legado da Roma antiga

"Copérnico,regulamentação casa de apostasuma carta, diz que tudo indicava que não era possível chegar a um calendário perfeito", conta Maerki

A questão da Páscoa

Mudar o calendário não significava apenas uma questão temporal, com o perdão do trocadilho.

Havia também religiosidade envolvida nos argumentos. Afinal, um calendário que não correspondia ao tempo natural dificultava a celebração das festividades religiosas.

"Durante toda a Idade Média, e há muitos escritos sobre isso, o tempo foi se tornando um tempo sagrado, ou seja, o tempo passou a seguir a orientação da Igreja", explica o historiador, filósofo e teólogo Gerson Leiteregulamentação casa de apostasMoraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

"Em função do poder que detinha a Igreja Católica,regulamentação casa de apostascomo ela organizava o mundo, determinando que o domingo era o dia do senhor e alocando as festas ao longoregulamentação casa de apostastodo o processo litúrgico. Havia um novo tempo cristão, ou seja, o calendário que vinharegulamentação casa de apostasRoma Antiga foi sendoregulamentação casa de apostasalguma maneira apropriado pela Igreja", acrescenta ele.

Assim, quando foi ocorrendo um ajuste nas festas pagãs, cristianizadas, era preciso que elas tivessem um correspondente no calendário.

"Algumas dessas celebrações acabam deitando no leito pagão, se apropriando das datas pagãs. E a principal é a Páscoa", diz o historiador.

Segundo ele, ao longo do tempo, o calendário acabou materializando a própria maneira que a Igreja Católica controlava o mundo — ao menos o mundo cristão ocidental.

"A gente percebe a força da Igreja na Idade Média ocupando o tempo do homem. A vida cotidiana do homem medieval era determinada pelas festas, pela liturgia, pelo calendário da Igreja Católica, que vai se impondo. São mil anos agindo dessa maneira."

E aí residia o principal problema do calendário juliano, quando já defasado: as tais distorções acabavam mais visíveis justamente na festa da Páscoa.

A Páscoa é uma celebração cuja data é móvel — sempre foi assim e segue desta forma até hoje.

Mas obedece a uma certa lógica: é no primeiro domingo depois da primeira lua cheia seguinte ao equinócio da primavera no hemisfério norte.

Em tese, isso implicaregulamentação casa de apostasduas consequência: a primeira que sempre ocorreria entre fimregulamentação casa de apostasmarço e fimregulamentação casa de apostasabril. A segunda: que sempre deveria acontecer na primavera.

Mas o descompasso estava ficando tão grande entre o calendário natural e o oficial que havia um temorregulamentação casa de apostasum desajuste grave.

"No ritmo que as coisas caminhavam, ia chegar ao pontoregulamentação casa de apostasque a Páscoa seria celebrada no verão", comenta Maerki.

O vaticanista Filipe Domingues, vice-diretor do Lay Centreregulamentação casa de apostasRoma e doutor pela Pontifícia Universidade Gregorianaregulamentação casa de apostasRoma, na Itália, concorda com esse ponto.

"A data da Páscoa estava se deslocando muito do restante do ano litúrgico. E isso poderia começar a atrapalhar o restante do calendário, encavalando as datas móveis com as datas fixas importantes, por exemplo", argumenta ele.

Contexto da contrarreforma

Mas também havia o contexto terreno, geopolítico. No sentidoregulamentação casa de apostasque o século 16 era o momentoregulamentação casa de apostasque a toda poderosa Igreja Católica tinharegulamentação casa de apostashegemonia ameaçada pelo contexto da Reforma Protestante.

Nesse sentido, tomar para si a missãoregulamentação casa de apostasresolver o problema do calendário era uma demonstraçãoregulamentação casa de apostasforça,regulamentação casa de apostaspoder.

"Era um século bastante complicado para a Igreja Católica, quando ela teveregulamentação casa de apostasenfrentar a reforma luterana, a reforma calvinista e a reforma anglicana", pontua Moraes.

Dentro daquilo que ficou conhecido como contrarreforma, a Igreja Católica buscava recuperar espaço.

Este foi o debate central do Concílioregulamentação casa de apostasTrento, realizado entre 1545 e 1563. E acabou sendo também uma espécieregulamentação casa de apostaslinha-mestra do pontificadoregulamentação casa de apostasGregório 13, que ficou no poder entre 1572 e 1585.

"Gregório 13 foi um papa bastante fiel às inovações do Concílio", analisa Moraes.

"Nesse sentido, o interesse no processo [de ajustar o calendário] reunia forças política e espiritual e demonstrava a capacidade da Igreja Católicaregulamentação casa de apostasdialogar com os avanços científicos da época."

O historiador lembra que a Igreja por um lado assumia uma postura anti-intelectual, ao criar uma listaregulamentação casa de apostaslivros proibidos, por exemplo; mas, por outro, via espaço para crescer na área intelectual, puxando para si o protagonismoregulamentação casa de apostasdebates importantes, "a partirregulamentação casa de apostassua visãoregulamentação casa de apostasmundo".

"A reforma do calendário entra nesse processo", salienta ele.

"Grandes inovações estavam ocorrendo e esse marco temporal era,regulamentação casa de apostasúltima instância, uma demonstraçãoregulamentação casa de apostasforça da Igreja, que tinha essa força a pontoregulamentação casa de apostassubstituir ou aprimorar um calendário que se mostrava defasado. Com a reforma, a Igreja demonstrava prestígio dentro da Europa", afirma.

A comissão

Assim, Gregório 13 convocouregulamentação casa de apostas1577 uma comissãoregulamentação casa de apostascientistas e pensadores — ligados ao clero, evidentemente. Finalmente, um novo calendário deveria sair.

Os trabalhos foram liderados pelo cardeal italiano Guglielmo Sirleto (1514-1585), então bibliotecário do Vaticano.

"Integraram o grupo nomes importantes da época, entre astrônomos, matemáticos, teólogos e historiadores", ressalta Maerki. "Todos eles, exceto um, eram homens do clero, ou seja, padres, frades…"

Fizeram parte do grupo dos religiosos o cardeal Vicenzo Lauro (1523-1592), o matemático jesuíta Cristóvão Clávio (1538-1612), o matemático e teólogo Pedro Chacón (1526-1581), o linguista e pesquisador Leonard Abel (?-1605), o cardeal Serafino Olivier-Razali (1538-1609), entre outros proeminentes da época.

A exceção, ou seja, o nome leigo da comissão era, na verdade, póstuma.

O médico, filósofo, astrônomo e cronologista italiano Luigi Giglio (1510-1576) é conhecido como o verdadeiro autor do calendário gregoriano.

Como ele já havia morrido quando o Vaticano convocou os trabalhos,regulamentação casa de apostasproposta acabou apresentada e defendida por seu irmão, Antonio.

"A ideiaregulamentação casa de apostasGiglio foi considerada a mais eficiente e aregulamentação casa de apostasmais fácil aplicação", pontua Maerki.

"Foi dele a contribuição mais importante no processo todo. Mas lógico que seu documento inicial acabou passando por aprimoramentos e modificações, nesse sentido houve um trabalho dessa comissãoregulamentação casa de apostasreligiosos que formaram um verdadeiro conselho científico. Destes [dos religiosos], o principal nome é Clávio, que era jesuíta, e isso mostra a força cultural dos jesuítas na Europa desse momento", analisa Moraes.

Para o historiador, a reforma do calendário, pela maneira que ocorreu, foi importante para demonstrar o poder da Igreja.

A implementação da nova maneiraregulamentação casa de apostasorganizar os dias era uma provaregulamentação casa de apostasque o Vaticano ainda era capazregulamentação casa de apostasdar as cartas "nas decisões políticas, sociais, econômicas e até científicas".

"Usando a tecnologia da época, consultando-se com pensadores, astrônomos e filósofos, a Igreja Católica conseguiu promover um ajuste no calendário. Mostrava que a Igreja, mesmo tendo perdido terreno, ainda continuava sendoregulamentação casa de apostasgrande importância", afirma.

"Papa Gregório 13 foi alguém que soube ler o tempo. Acabou eternizado com o 'nome' do calendário", complementa Moraes.

Resistência e coexistência

Publicada a bula pontifícia, ficou decidido que o novo calendário entrariaregulamentação casa de apostasvigor no mêsregulamentação casa de apostasoutubro, portanto. Contudo, é evidente que aregulamentação casa de apostasaplicação não seria instantânea.

Por um lado, havia dificuldadesregulamentação casa de apostascomunicação. Por outro, a própria autoridade papal era cada vez mais questionada,regulamentação casa de apostasum contextoregulamentação casa de apostasreformas e ascensãoregulamentação casa de apostasoutras igrejas.

No meio popular, até fake news surgiu. Muita gente simples passou a acreditar que a mudança era alguma maneira que os poderosos haviam inventado para roubar dez dias das camadas populares, diminuindo seus pagamentos proporcionalmente por exemplo.

Evidentemente que a alteração começou pelos estados mais alinhados ao Vaticano.

"Inicialmente, acabou tendo força nos países baluartes do catolicismo, como Portugal, Espanha, a península itálica. Onde o catolicismo era forte, a adesão foi maior e o calendário pegou primeiro", diz Moraes.

No mundo protestante, a resistência foi grande.

"Havia grupos que rejeitavam, entãoregulamentação casa de apostasmuitos lugares o calendário novo só começou a ser utilizado no fim do século 17, começo do século 18", acrescenta o historiador.

O mesmo ocorre nas igrejas orientais — algumas ainda seguem liturgicamente o calendário juliano.

Maerki cita alguns exemplos. Na Áustria, o novo calendário foi oficializadoregulamentação casa de apostas1583. No ano seguinte, nos cantões católicos da Suíça. Estadosregulamentação casa de apostasmaioria luterana acabaram adotando o modelo novo por voltaregulamentação casa de apostas1700. Os anglicanos, apenasregulamentação casa de apostas1750.

"Já os países não cristãos levaram mais tempo para adotá-lo. No Japão, foiregulamentação casa de apostas1873. No Egito,regulamentação casa de apostas1875. Na China,regulamentação casa de apostas1912 e, na Turquia, somenteregulamentação casa de apostas1924", conta Maerki.

"A adesão não foi imediata, mas com o passar do tempo os países começaram a perceber que aquilo, mesmo sendo uma demonstraçãoregulamentação casa de apostasforça da Igreja Católica, estavaregulamentação casa de apostasconsonância com o que haviaregulamentação casa de apostasmais sofisticado do pontoregulamentação casa de apostasvista científico e astronômico. Não era tentativaregulamentação casa de apostasludibriar ninguém", pontua Moraes.

"Masregulamentação casa de apostasboa parte do mundo houve a coexistência [dos dois calendários] por muito tempo", completa ele.

"Em muitos países, os dois calendários coexistiram por um tempo, já que a aceitação foi paulatina", acrescenta Maerki.

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