Educação: as centenascrianças negras britânicas enviadas a escolas para pessoas com deficiência nos anos 60 e 70:
No entanto, nenhuma evidência ou explicação sobre a deficiênciaNoel foi dada aos pais dele. "Alguém veio e disse que encontrou uma 'um internato especial', onde cuidariam das minhas necessidades médicas", diz Noel.
Durante essa conversa, eles também disseram que Noel era "burro, estúpido". Mas os paisNoel não foram informados que essa nova escola era para os chamados "educacionalmente subnormais". Eles haviam se mudado da Jamaica para a Inglaterra nos anos 1960 e tinham grandes expectativasrelação à educação do filho.
A rotina no internato
Na primeira noite no internato, Noel ficou deitado na cama sozinho, chorando e pedindo pela mãe. "Eu ainda consigo sentir o cheiro das carteiras velhasmadeira. E lembroser muito maltratado nos primeiros dias", diz.
Um estudante lançou insultos raciais contra ele na salaaula, mas não foi repreendido. O professor simplesmente pediu que se sentasse.
A escola não tinha currículo. ApesarNoel ter recebido um livroum professor, ele nunca foi ensinado gramática básica nem como escrever. Ele fazia algumas contassomar e subtrair, mas, durante as aulas, só costumava fazer tarefas manuais e brincar.
Os pais só perceberam que tipoescola era quando Noel, na época com 7 anos, recebeu um socoum adolescente15 anos. Por causa do episódio, seu pai visitou o internato pela primeira vez.
Noel se lembra do pai dizendo para o diretor: "Essa escola é para crianças incapacitadas". Ele diz que o diretor respondeu: "Sim, mas não gostamosusar essa palavra. Nós chamamoscrianças com aprendizado lento."
A descoberta foi devastadora, mas o paiNoel sentiu que não tinha poder para mudar as coisas. Noel não teve a oportunidadefazer testes educacionais e obter qualificações. Ao lembrar, ele diz que ser rotulado"educacionalmente subnormal" o fez sentir inferior para toda a vida e provocou vários problemas psicológicos.
"Sair da escola sem nenhum diploma é uma coisa, mas sair da escola acreditando que é burro é algo completamente diferente. Acaba comconfiança", diz.
O rótulo
O termo "educacionalmente subnormal" deriva da LeiEducação1944 e foi usado para definir aqueles com capacidades intelectuais limitadas.
"O rótulo fazia as crianças se sentirem inferiores", diz o ativista pela educação Gus John, que chegou ao Reino Unido, vindo da ilhaGranada,1964, como estudante. Pouco depois, ele percebeu o problema.
"Estudantes das escolas ESN não iam para universidade. Se tivessem sorte, se tornavam trabalhadores. O termo era paralisante e matava qualquer confiança e ambição."
Escolas ESN primárias e secundárias categorizavam as crianças como tendo deficiência moderadaaprendizado, severa ou como sendo "impossíveisensinar". Essas categorias eram amplas e, quando os estudantes eram recomendados para as escolas ESN, não costumavam ser dadas razões robustas por professores e psicólogos.
Embora algumas escolas ESN tivessem bons exemplosensino, para muitos alunos, as suas necessidades eram ignoradas. Alunos negros eram enviados para essas escolas numa proporção muito maior.
Os autores do documentário da BBC viram um relatório1967 do agora extinto Inner London Education Authority (ILEA, a Autoridade Educacional do InteriorLondres), que mostra que a proporçãoimigrantes negros nas escolas ESN era28%, praticamente o dobro das demais escolas, onde a proporçãonegros era15%.
"O percentualcrianças negrasescolas ESN na comparação com a presençaestudantes negrosescolas normais é escandaloso", diz Gus John.
Mas por que tantas crianças negras eram definidas como subnormais?
"Racismo desenfreado"
Dados dos anos 1960 e 1970 mostram que,média, a performance acadêmicacrianças negras era pior do que a das brancas. Isso alimentou a crença amplamente difundidaque crianças negras eram intelectualmente inferiores às brancas.
Um relatório vazado1969autoridades locais, escrito por um professor chamado Alfred Doulton, argumenta que crianças caribenhas tinham QIs mais baixos. Essa afirmação se baseou nos resultadostestesQI frequentemente aplicados, na época, a crianças na escola primária.
Um dos principais defensores desse tipoteoria era Hans Eysenck, ex-professor do InstitutoPsiquiatria do Kings College London, universidade do Reino Unido. Ele acreditava que a inteligência era geneticamente determinada e citava um estudo dos Estados Unidos que parecia demonstrar que o QIcrianças negras ficava,média, 12 pontos abaixo docrianças brancas.
No documentário, Gus John diz: "Quando pessoas como Eysenck escreviam sobre raça e inteligência, o que estavam fazendo na realidade era justificar toda essa retóricatorno do período da escravidão,que pessoas acreditavam que os negros não só eram subumanos, mas que também não eram tão inteligentes como os brancos".
Vários professores viam crianças negras como intelectualmente inferiores e temiam que ter "muitas" delas na sala poderia prejudicar o aprendizado dos alunos brancos. Após protestospais brancosSouthall, no oesteLondres,junho de1965, o governo emitiu um guia sobre as necessidades sociais,linguagem e médicascrianças imigrantes e sugeriu manter um limiteaté 30%imigrantescada escola.
Como consequência, várias autoridades locais adotaram a políticaenviar crianças imigrantes a escolas forasuas regiões numa tentativalimitar o númerominorias étnicas nos colégios. Essa prática teve fim1980.
"O sistema educacional alimentava e legitimava a ideiaque crianças negras caribenhas eram menos inteligentes que outras crianças. É por isso que várias delas acabaram indo para escolas ESN", diz Gus John.
"Era racismo."
'Descartados'
Muitos equivocadamente relacionavam raça com habilidade intelectual. Mas como argumentava a psicóloga educacional Mollie Hunte a fraca performance dos estudantes negros não era consequênciasuas habilidades intelectuais. Os testes usados na época eram culturalmente tendenciosos.
Gus John explica que os testes usavam referências e vocabulário que as recém-chegadas crianças caribenhas não conheciam bem. "Um elemento-chave é \ linguagem", diz.
"Se você cresce numa casa jamaicana, você fala inglês jamaicano, o patois ou creole. Como esses idiomas derivam do inglês tradicional, ninguém achava que os alunos negros precisavamapoio com aprendizado da língua. Esse era o principal problema", explica.
Como consequência, eles não tinham a ajuda extra que outras crianças imigrantes que não falavam inglês recebiam. Segundo John, professores não tentavam compreender as barreiras culturais que crianças negras enfrentavam, e os testes não levavamconta circunstâncias domésticas e socioeconômicas, ou o impacto da migração.
Várias crianças só viajavam para o Reino Unido depois que os pais estavam estabelecidos. Eles chegavam num país desconhecido para viver com pessoas que não viam há anos.
"Esse deslocamento causa muitos traumas", diz John. "Tem um sofrimento e um luto. Essa crianças,muitos casos, nunca mais viriam seus avós."
Segundo o ativistaeducação, havia uma culturabaixas expectativas entre os professores. Dificuldadesaprendizado eram confundidas com deficiênciaaprendizado, e crianças negras eram simplesmente descartadas e enviadas às escolas ESN.
A históriaMaisie Barrett
É isso que aconteceu com Maisie Barret, da cidade britânicaLeeds, que foi enviada a uma escola ESN quando tinha 7 anos, nos anos 1960.
"Primeiro, frequentei uma escola normal. Lá, um professor disse para minha mãe que eu não conseguia aprender. Disseram que eu ficaria melhor numa escola especial", conta.
Maise diz que a decisãoser mandada para uma escola ESN foi um erro que arruinou suas chances na vida. Como no casoNoel, a nova escolaMaisie não seguia um currículo educacional.
"Nós jogávamos jogos, tinha discotecas… Eu chamo'escola livre', porque a educação era tão básica que brincávamos mais que estudávamos", diz. Foi só quando estava na faixa dos 30 anos, décadas depoisser enviada à escola ESN, que Maisie foi diagnosticada com dislexia.
"Em vezme ajudarem com minhas dificuldadesaprendizado, eu simplesmente fui descartada como sendo burra. Os professores nunca investiram tempo para descobrir por que eu tinha dificuldades para aprender. Isso arruinou minha autoconfiança", diz.
"Eu era devagar, mas um professor deveria ter investido tempo para me ajudar."
Segundo Maisie, a faltaapoio para o aprendizado era apenas parte do problema. "Eu fui para uma escola que era uma instituição racista."
Oportunidade dada tarde demais
Tanto Noel quanto Maise eventualmente receberam a chancefrequentar escolas normais. Mas, àquela altura, era tarde demais.
No casoNoel, ele foi para uma escola secundária normal, por metade do dia , a partir dos 12 anos, e passava o restante do tempo numa escola ESN.
"Na escola secundária, eu matava aulas por me sentir intimidado por não ter amigos e não ser capazler", diz Noel.
Maisie deixou a escola ESN aos 13 anos e foi para uma escola secundária. "Minha mãe me colocoucontato com uma assistente social negra que, depoisme avaliar, disse que eu era inteligente e falou que eu tinha sido enviada a uma escola ESN por racismo."
Àquela altura, no entanto, sem saber ler ou escrever, Maisie achou a escola secundária extremamente desafiadora e saiu sem um diploma.
Não tão 'especiais'
Inicialmente, vários caribenhos que migraram para o Reino Unido nos anos 1960 e 9170 tinham uma visão positiva das escolas ESN.
Elas eram frequentemente chamadas"escolas especiais" por professores. E pais caribenhos, com pouco conhecimento do sistema educacional britânico, pensavam que se tratavamescolas que dariam maior apoio para o aprendizadoseus filhos.
"Quando minha mãe foi informada que eu havia sido recomendada para uma escola especial, lembrovê-la sorrindo. Ela achou que escola especial significava escola melhor", diz Maisie.
Essa presunção sobre escolas "especiais" era estimulada pelas experiências dos caribenhosseus países.
"Uma educação britânica era vista como caminho para mobilidade social e as aspirações dos pais eram altas", diz Gus John.
"Professores eram estimados nas comunidades caribenhas, e os pais inicialmente confiaram nos professores britânicos. Foi um choque descobrir que as crianças estavam sendo rotuladas como subnormais."
A mobilização
No entanto, preocupações sobre o desenvolvimento dos filhos logo começaram a surgir entre pais caribenhos. Conforme iam presenciando as crianças tendo dificuldades básicas com leitura e escrita, grupos foram se formando.
Por exemplo,1970, após descobrir que havia um número desproporcionalcrianças negrasescolas ESN no norteLondres, um grupo chamado North London West Indian Association fez uma reclamação formal ao ConselhoRelações Raciais, alegando discriminação, com base na LeiRelações Raciais1968.
Em 1971, um livro chamado Como a Criança das Antilhas se Torna Educacionalmente Subnormal no SistemaEducação Britânico foi fundamental para mudar a opiniãopais negros que moravam no Reino Unido.
O autor, Bernard Coard, um escritor e professor nascido na ilhaGranada, deu aulas numa escola ESN e percebeu o elevado númerocrianças caribenhas lá. Quando um grupopais preocupados pediram que Coard investigasse a questão, ele escreveu o livrotempo recorde.
Coard argumentou que as escolas ESN estavam sendo usadas pelas autoridades educacionais como um "depósito"crianças negras, e que professores estavam confundindo o trauma causado pela migração com faltainteligência.
O trabalhoBernard Coard gerou reação e levou a um crescimento acentuadoescolasreforço para crianças negras, que funcionavam aos sábados e eram geridas por pais negros com o objetivoelevar a performance educacionalseus filhos.
Eles ensinavam pontos do currículo tradicional, juntamente com história negra, para aumentar a autoestima das crianças, ajuda-las a obter diplomasqualificação e prepara-las para empregos.
Após anospressão e campanhas, a Lei Educacional1981 passou a prever a necessidademedidasinclusão e todos os grupos sociais, e o termo "educacionalmente subnormal" foi abolido.
Uma investigação do governo sobre a educaçãocriançasgruposminoria étnica, publicada1985, descobriu que a média baixatestesQIcrianças caribenhas não era um fator significativo no baixo desempenho educacional.
Na realidade, o amplo preconceito racial na sociedade exercia papel crucial na performance abaixo da média dessas crianças.
Impacto permanece
Mas, para Noel e Maise, as consequências do tempo que passaram nas escolas ESN permanecem. "O rótulo ESN danificou com minha autoconfiança. Eu poderia ter sido qualquer coisa, mas nunca recebi as ferramentas para me tornar a pessoa que nasci para ser", diz Maisie.
Apesarter escrito dois livros e completado quatro graduações após deixar a escola, incluindoEstudos Caribenhos e Escrita Criativa, Maisie teve dificuldades para encontrar trabalho ao longo dos anos.
Noel descobriu que, na verdade, gostaaprender e acumulou uma sériediplomas impressionantes na idade adulta, incluindo uma graduaçãocomputação. A parede dacasaTottenham,Londres, é cobertacertificados. No entanto, ele até hoje tem dificuldade para ler e escrever. "Aquela escola ESN me arruinou", diz Noel.
E, apesar do significativo progresso desde então, disparidades na educaçãocrianças negras permanecem. "As preocupações que tínhamos sobre as ESN permanecemtermos do númerocrianças negras sendo encaminhadas para as chamadas pupil referral units", diz Gus John.
Essas unidades educacionais foram estabelecidas1993 para o ensinocrianças excluídas das escolas normais. Mas há nelas uma quantidade desproporcionalcrianças negras, três vezes maisalguns locais.
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